segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A minha primeira obra de Rubens com cerca de meio palmo

 
Coleccionar estampas de santinhos e outras beatices torna-se um vício cada vez maior, sobretudo porque se conseguem comprar obras com dois ou três séculos de existência por preços muito tentadores.


Recentemente adquiri esta estampa, com cerca de meio palmo, representando uma Santa Bárbara. O traço é algo requintado, sem aquele ar ingénuo das nossas estampas e desde logo me pareceu que não fosse portuguesa, impressão que confirmei, quando vi a assinatura no canto inferior esquerdo, C. Galle. 


Fiz algumas pesquisas na net e descobri que Galle é o nome de uma dinastia de impressores e gravadores flamengos, de Antuérpia, activos entre os séculos XVI e XVII, de que já aqui falei anteriormente. A assinatura C. Galle poderá reportar-se a 3 membros desta família, Cornelius Galle I, o antigo 1576–1650 e Cornelis Galle II, o novo(1615–1678) e ainda um terceiro Cornelius nascido em 1642 e nem sempre é fácil distinguir as obras uns dos outros, até porque esta gente trabalhava em oficinas familiares, em que o mesmo trabalho era certamente repartido por avô, pai, filhos e irmãos. Em todo o caso, segundo várias pesquisas que fiz no Rijksmuseum as assinaturas C. Galle iguais às da minha estampa parecem mais corresponder mais aos trabalhos tipográficos de Cornelis Galle II, o novo(1615–1678) ou do terceiro (nascido em 1642). 
S. João Baptista. Rijksmuseum. Assinado por C. Galle
Procurei algumas informações sobre este Cornelis ou Cornelis Gale e li na wikipedia que este impressor notabilizou-se sobretudo pelas suas estampas feitas a partir de Desenhos de Pieter Paul Rubens e Anton Van Dyck. Lembrei-me então da hipótese de este pequeno registo ser uma estampa feita a partir de um desenho ou de uma pintura de um daqueles artistas e fiz então varias pesquisas combinadas por “Rubens + Cornelius Galle” e Anton Van Dyck + Cornelius Galle" e andei por uns quantos sites, nomeadamente pela biblioteca digital hispânica, que tem uma grande colecção de estampas digitalizadas, até que fui ter à Europeana, o grande repositório digital dos museus, bibliotecas e arquivos europeus e descobri que no Teylers Museum, em Harlem na Holanda, possui nas suas colecções uma estampa, idêntica à minha só que de maiores dimensões, assinada por C. Galle e cujo desenho é atribuído a Rubens. A estampa do Museu holandês tem 30 por 21 cm e a minha como só tem 9 por 6,5 cm e apresenta um desenho menos perfeito, mas a matriz não há dúvida que é a mesma.
S. Barbara a partir de desenho de Rubens e gravada Cornelis I Galle (1576-1650). Teylers Museum
Está datada entre 1596 e 1650 e na ficha de inventário deste Museu a assinatura é identificada como sendo do Cornelius Galle I, o antigo, que viveu entre 1576–1650,  embora estranhamente tivesse sido o Cornelius II (1615–1678) quem se tenha notabilizado por produzir estampas a partir de obras de Rubens. Enfim, seja lá de que Cornelius for, novo ou velho a minha gravurazinha será de meados do século XVII, impressa certamente em Antuérpia e feita a partir de um desenho de Rubens.

Para os que sabem menos de religião Católica, esta Santa Bárbara viveu no Século III, em Nicomédia, na Ásia Menor e a sua história é muito semelhante a outras virgens mártires destes primeiros séculos do cristianismo. Em traços gerais, a jovem Bárbara era cristã e o pai pagão, quis casa-la contra à sua vontade. A coisa correu mal e o Dióscoro, o pai resolveu encerra-la numa torre com duas janelas, mas a jovem Bárbara para mostrar a sua crença inabalável na Santíssima Trindade, mandou abrir uma terceira janela. Como Bárbara teimava não abjurar da sua fé, o pai denunciou-a ao Perfeito Martiniano e a jovem foi vítima de um terrível suplício. Quando finalmente a pobre Bárbara morreu decapitada, caiu um trovão dos céus e que fulminou o seu pai Dióscoro.
Esta estampa apresenta os elementos típicos que permitiam a qualquer crente, mesmo que fosse analfabeto, identificar rapidamente a Santa que aqui estava representada. É uma jovem, segura a palma, que significava que foi martirizada, a torre com três janelas, onde foi encerrada e o cálice, que significa a sua conversão ao catolicismo.

Em suma, uma estampa, feita em meados do século XVII, em Antuérpia, a partir de uma obra do Rubens, apesar de não ultrapassar 9 por 6,5 cm, valeu bem a meia dúzia de euros que dei por ela.

14 comentários:

  1. Luis,


    É incrível o auxílio do "futuro" e da tecnologia para as Artes, Velharias e seus amantes.
    Imagina se tivesse que visitar cada arquivo ou galeria espalhados pelo mundo... Mesmo aí na Europa, tão interligada. Algo imenso e que demandaria tanto tempo e paciência. Quase impossível neste caso e impossível em tantos mais.
    Com alguns toques, boa memória e o desejo de descobrir algo que agregue importância aos nossos achados, conseguimos sempre saber um pouco mais, se, de fato, nosso objeto tem essa ou aquela importância para além de nosso encanto e curiosidade. Como foi o caso desta sua S. Bárbara.
    Por aqui já apareceram gravuras certificadas como de Rubens... Os preços de Rubens também...
    Uma pena que por aqui esses achados sejam ainda mais raros.
    Uma bela gravura, mesmo que não fosse Rubens. Mas quando se sabe a origem, época, etc, é tão gratificante. E o que é bom fica melhor. Talvez seja de algum original de Rubens de uma fase menos "carnal" (de carne mesmo) e mais celeste...

    Um abraço.

    ab

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    1. Amarildo

      Todos os pintores tinham sempre um mercado seguro nas obras religiosas. E provavelmente a Casa Galle em Antuérpia aproveitou um desenho de Rubens para um quadro, ou quem sabe propositalmente concebido para o efeito e fez gravar várias estampas de diferentes tamanhos a partir do mesmo desenho.

      Um abraço

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  2. Olá Luís,

    Isso é que foi sorte!
    Posso estar inteiramente enganada, mas tenho a impressão de que a sua estampa terá sido o começo para depois se aprimorar ainda mais e resultar na outra Santa Bárbara. Os traços da sua têm inúmeros pontos em comum com os da outra estampa, mas menos trabalhados. Comparando as duas; pontos como os rostos da santa, ou do anjo, parecem ter sido feitos de forma muito simples, quase que em esboço, e são esses mesmos pontos que surgem realçados na estampa do Museu.

    Seja como for é linda!!!

    Beijinho

    Alexandra Roldão

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    1. Não sei exactamente como era o método de de concepção e execução destas estampas. Sei que o mesmo desenho era usado para produzir estampas de dimensões diferentes e que a matriz era gasta até ao desenho perder o contorno e definição. Mas não arrisco grandes palpites.

      Um abraço

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  3. Excelente trabalho de detective!

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  4. É verdade, Luís, quem gosta de gravuras e sobretudo quem gosta de registos de santos - algo que só tem bastante procura se levar aqueles arranjos bonitos, alguns com muita arte e engenho e bons materiais, mas acabadinhos de fazer – vai tendo sorte nas feiras de velharias ;)
    Agora encontrar uma gravura feita segundo desenho de Rubens, quem sabe até sob sua supervisão, não é para todos!
    Mas por incrível que pareça também eu tive essa sorte há uns meses!!! (desta vez não fico roidinha de inveja :)) E por coincidência, andei a semana passada de novo de volta da gravura para ver se lhe dava um jeito para a poder expor e pensando também num poste no meu blogue. Acabei por a levar a uma loja de molduras, só para lhe arranjarem um passepartout adequado porque moldura já trazia, e fui buscá-la hoje. Já viu a coincidência?!
    Mas também lhe digo que não desdenharia ter uma Santa Bárbara, uma das santas com quem simpatizo, talvez por desde miúda ouvir chamar por ela como protetora contra as trovoadas e também por ter como atributo aquela torre, que acho um elemento bonito apesar da história que lhe está associada. Esta tem uma figura elegante, pormenores de requinte, vê-se que há ali mão de mestre!
    Mas surpreendeu-me deveras que o Luís tenha chegado a Rubens apenas com o nome Galle inscrito na estampa! Já nos habituou a estas pesquisas bem sucedidas a partir de quase nada, mas eu não deixo de me surpreender.
    Enfim, tive muito gosto em conhecer esta Santa Bárbara toda especial, para se ir juntar e enriquecer a sua coleção.
    Beijos

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    1. Maria Andrade

      Estamos muito curiosos em ver a sua estampa. Ainda dei uma volta grande à procura desta S. Barbara de C. Galle e não encontrei informação relevante logo à primeira, mas hoje em dia os museus tem as suas colecções quase integralmente digitalizadas.

      O site o do Rijksmuseum é um mundo para a gravura e como em Portugal se comercializaram tantas estampas flamengas e holandesas, os seus conteúdos são extremamente úteis.

      Enfim, foi tudo uma questão de persistência e já saber onde ir procurar primeiro.

      Também sempre quis ter uma Santa Bárbara.

      Bjos

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  5. Há um elemento que destoa do conjunto, pelo ar frustre que exibe: o anjo que segura a coroa de louros sobre a cabeça da mártir.
    Na gravura do Teylers Museum é um verdadeiro anjinho de época, muito bem desenhado e concebido, cheio de movimento barroco, e na tua tem um aspeto que pouco condiz com o conjunto. A cara é mal delineada, assim como a asa.
    Parece uma tentativa infeliz de alguém que tentou copiar o original, sem sucesso.
    Mas que fizeste um belíssimo trabalho de detetive lá isso fizeste, como aliás nos vais habituando.
    A composição da gravura é muito harmónica e gosto muito dela
    Manel

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  6. Manel

    Talvez alguém tenha adaptado o desenho da estampa do Teylers Museum e simplificado o desenho para produzir uma peça com menores dimensões.

    Em todo o caso, este registo é dos mais bonitos que tenho.

    Um abraço

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  7. Luís,
    Que maravilha.
    Como gostava de encontrar estes tesouros.
    Onde é que o Luís desencanta estas preciosidades?
    Beijinho. :))

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    1. Ana

      Há muitas bancas de vendedores que tem sempre umas bolsas com muitos santinhos. A maioria são um lixo, coisas do século XX, mas no meio das Santas Teresinhas de Lisieux aparecem estampas dos séculos XVII e XVIII.

      Um abraço

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  8. Lindíssima e que histórias vc descobre! Adorei, sou devoto de Sta, Bárbara. Os atributos, às vezes são trocados por outros, cálice, a palma e a espada variam nas imagens. As de gesso sempre tem uma espada para baixo, outras, de madeira, a espada para cima, levantada. Em todas, a torre.
    Parabéns, sortudo! Que estampa...

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    1. Jorge Santori

      Já lhe tinha prometido esta Santa Bárbara e aqui está ela. Tenho tenho um especial apreço pela S. Bárbara e faltava uma na minha colecção e esta é de muito boa qualidade. Há uns tempos deixei escapar uma S. Maria Egípciaca, mas enfim, hei-de comprar uma um dia.

      um abraço

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