sexta-feira, 5 de junho de 2015

Vista Alegre ou porcelana francesa

 
Apresento aqui um jarro e uma bacia de porcelana, que o meu amigo Manel comprou recentemente na feira de velharias de Estremoz. Este conjunto de duas peças, também designadas pelo nome de gomil e lavanda, era usado num tempo em que não havia casas-de-banho e a higiene diária era feita no quarto de dormir. O jarro e bacia eram colocados em cima de uma cómoda com um tampo de mármore e um espelho, ou numa simples mesa com uma gaveta, também com um tampo em mármore, de que já mostrei um exemplo em Fevereiro de 2010. As pessoas todas as manhãs lavavam a cara, as mãos e talvez os sovacos e ficavam-se por aí. Nessa época, o banho completo era uma coisa que se fazia muito espaçadamente, numa tina em metal ou numa selha de madeira. Aliás, ainda me lembro de em miúdo, de passar alguns dias no Solar de Outeiro Seco, onde os quartos tinham estas mesas com as bacias e jarros e era aí que nos lavávamos. Nunca me lembro de ter tomado banho nas temporadas que passámos naquela casa, mas, enfim, de vez em quando, íamos mergulhar no rio Tâmega, que passa nos limites da propriedade...
O Jarro e a Bacia não ostentam nenhuma marca. Apenas uma sinalefa, talvez de uso interno da fábrica
Quando o Manel, comprou este conjunto de jarro e bacia, que não tem nenhuma marca de fábrica, só uma sinalefa no tardoz, pegámo-nos, porque eu achava que eram da Vista Alegre e o meu amigo estava convencido que seriam peças francesas. Eu lembrava-me vagamente que já tínhamos comprado dois pratos de torradas com uma decoração semelhante, marcados Vista Alegre e o Manel argumentava que o formato do jarro não era português. 
 
Prato para torradas, marcado Vista Alegre
Esta pequena altercação não foi uma simples teima da nossa parte. Com efeito, no século XIX a produção da Vista Alegre inspirou-se muitos nos modelos e decorações da porcelana de Paris e da porcelana francesa em geral e como muitas das peças do chamado Vieux Paris não foram marcadas, sempre que nos deparamos com louças decoradas com estes motivos florais e sem nenhum distintivo de fabrico, pomos sempre a hipótese de serem francesas.
 
A marca nº 20 do prato para torradas
Resolvi aprofundar um pouco mais o assunto e fui consultar alguns catálogos sobre a fábrica de Ílhavo e de facto na obra Vista Alegre porcelanas. - Lisboa: INAPA, 1989 encontrei reproduzidos um jarro e bacia com formatos idênticos ao do Manel, pertencentes ao Museu da Vista Alegre, com data presumível de 1849 e que embora não ostentem marca, são atribuídos aquela fábrica e terão sido pintados por Victor Rosseau. Portanto, a Vista Alegre fabricou este formato de jarro e com evidente influência francesa.
Bacia e Jarro do Museu da Vista Alegre. Inv.. 334
Depois resolvi fotografar o gomil e lavanda juntamente com o prato de torradas, que ostenta a marca nº 20 (1870-80) e fazer uma comparação e quando visualizei as imagens no computador achei que as três peças apresentavam um evidente ar de família, apesar existirem pequenas diferenças na grinalda e na rosa.
 
 
Fiquei ainda mais convencido que o Jarro e a bacia se tratam de peças da nossa Vista Alegre, fabricadas mais ou menos entre 1860-1880, até porque a porcelana de Paris tem sempre uma pasta com uma aparência mais vítrea. Evidentemente, quando as peças não ostentam marcas, nunca podemos ter a certeza. Em todo o caso, há uma elegância, que poderia muito bem ser francesa nestas peças, que presumo serem da Vista Alegre.
 
 

12 comentários:

  1. Olá Luís!

    Estou aqui perfeitamente apaixonada por essas lindíssimas peças!
    Quanto à sua origem, julgo que o Luís tem razão. Não há dúvidas de que o desenho do prato das torradas é praticamente idêntico ao do jarro e bacia. Certamente foram executados no mesmo período e, quem sabe pelas mãos do mesmo artista.
    Uma compra soberba!! Parabéns!

    Beijinho aos dois

    Alexandra Roldão

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Alexandra

      Tenho até ideia que a Alexandra há já uns dois anos comprou umas peças com uma decoração próxima destas peças e enviou-me um e-mail com as imagens e na altura também tive estas dúvida se seriam Vista Alegre ou porcelana francesa.

      Os pratos com torradas são dois, um ficou o Manel com ele, outro ficou para mim. Por vezes compramos em conjunto para conseguir melhores preços.

      Também estou convencido que os jarro, a bacia e os pratos para torradas serão Vista Alegre e terão sido produzidos no mesmo período.

      bjos.

      Eliminar
  2. Caro Luís,

    A sua memória visual é excepcional!!!
    É verdade que, já em 2013 lhe escrevi um email com fotos de algumas peças que fazem parte da minha modestíssima colecção. Entre estas estava um pires que realmente se assemelha ao desenho das peças que agora aqui apresenta. A peça em questão chegou até mim por herança da minha avó paterna, e estou em crer que deveria ter tido uma chávena, a qual terá sido partida por alguma criada mais desastrada...
    Vou enviar-lhe a foto por email porque aqui creio que não se consegue.

    Beijinho

    Alexandra Roldão

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois é Alexandra, lembrava-me bem dessas peças. De facto, o que mostrou parece ser o pires de uma chávena e a decoração é mais uma variante deste motivo das grinaldas de florinhas.

      Bjos e obrigado pelo e-mail com a foto

      Eliminar
  3. Pois Luís, és capaz de ter razão.
    Inicialmente estava mais convencido ser porcelana de Paris; no entanto, depois de ver o jarro que apresentas, como sendo da coleção da VA, reparo a grande semelhança.
    Lá se vai a minha teoria, o que significa que nunca se pode ter a certeza de nada quando se trata de coisas não marcadas.
    Só por semelhança se podem admitir algumas teorias plausíveis.
    Mas também seria incapaz de vir para a net, como fazem outras pessoas mais afoitas e pouco assisadas, debitar sobre as minhas teorias, sem ter qualquer base científica que pudesse apoiá-las.

    Ainda bem que colocaste o jarro pois ainda não estava lá muito convencido.
    Mas confesso que nunca tinha visto, proveniente da VA, esta forma de jarro.
    Aliás, no quarto que ocupas no Alentejo, tens sobre a cómoda uma bacia e jarro igualmente da VA, mas estas marcadas com VA azul, e a forma das peças é completamente diferente.
    Esta, julgo, deverá ser mais antiga.
    Por felicidade lá vais fazendo mais pesquisa do que eu, o que muito te agradeço.
    E as fotografias estão muito bonitas, o vermelho, como fundo, ficou bem
    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Manel

      Nos seus quase duzentos anos de existência a Vista Alegre produziu uma variedade de formas e decorações surpreendente. Conheço um nº enorme de variantes desta decoração das rosas e grinaldas. Por vezes interrogo-me se a Fábrica não aceitaria encomendas personalizadas para grandes serviços, o que explicaria o número tão grande de variantes destes serviços com rosas e grinaldas de flores. Talvez as famílias mais abastadas encomendassem serviços completos de jantar, chá, café e de higiene com uma decoração e formas personalizadas, escolhidas a partir de algum catálogo. Enfim, são tudo suposições.

      Um abraço

      Eliminar
  4. Luís,
    Nunca pensei que a VA teria peças sem o seu cunho pessoal.
    Adoro a fábrica, adoro o espaço e a ideia conceptual da VA.
    Em tempos fiz um trabalho sobre a fábrica. Tenho por isso uma ligação emotiva.
    As suas peças são lindas. Não me importava de as ter.
    Mas estão em boas mãos.
    Beijinho. :))

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ana

      Por regra, a Vista Alegre marcava as suas peças. Mas, como em todas as regras houve. excepções. Por outro lado, algumas marcas pintadas a verde ou a ouro, com o tempo e as lavagens foram desaparecendo, ao contrário daquelas pintadas a azul, que por um fenómeno qualquer químico, que me escapa se mantiveram inalteradas. Quem me chamou a atenção disso pela primeira vez foi a Maria Andrade.

      Como a Vista Alegre seguiu muito de perto os modelos da porcelana francesa, nomeadamente a de Paris, quando compramos estas peças sem marca, ficamos sempre na dúvida se serão portuguesas ou francesas.

      Bjos e boa semana

      Eliminar
    2. Caros amigos,
      Já por aqui tinha passado, atraída por estas belas porcelanas, mas, em plena azáfama familiar, sem tempo para me demorar a comentar...
      Com a marca VA azul no prato de torradas, penso que já não restam dúvidas de que sejam todas Vista Alegre antiga, quem sabe até com marca dourada que saiu com o tempo. Os meus poucos conhecimentos permitem-me pensar que a marca azul era aplicada sob o vidrado, por isso nunca sai, enquanto a marca dourada ou algumas verdes podem desaparecer com o tempo..
      Também me encantam as decorações de grinaldas pintadas à mão - estas, particularmente o efeito no jarro, acho lindas! - e muitas vezes me questiono se serão francesas ou VA, quando não marcadas.
      Agora fiquei com vontade de publicar algumas peças deste género que tenho como francesas do séc. XIX, mas uma ou outra também poderia ser da produção Vista Alegre.
      Vamos lá a ver se arranjo tempo para fotografar e ver se sai alguma coisa de jeito... ;)
      Beijos e parabéns aos dois

      Eliminar
    3. Maria Andrade

      Faltava o seu comentário. Gosto sempre de ouvir a sua opinião.

      Como muito bem referiu, as marcas a ouro e verde tendem a desaparecer. Tenho um paliteiro da Vista Alegre, em forma de cabrinha e como estou cada vez mais pitosgas, apresentei-o aqui no blog, como peças não marcada. Foi o Flávio Teixeira que como é novinho e ainda tem boa vista, quem conseguiu descortinar a marca, que estava completamente desvanecida e nem sequer era uma produção muito antiga. Tratava-se uma marca a verde usada entre 1881-1921. Julgo que a sua explicação de que como a marca azul era aplicada sobre o vidrado nunca desaparecia, é bastante convincente.

      Bjos e cá fico à espera do seu post sobre a VA

      Eliminar
  5. Escapou-me esta publicação ? Um abraço! :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Julgo que o Flávio comentou esta publicação na página do face book do velharias.

      Um abraço

      Eliminar