segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Uma bondieuserie: Nossa Senhora em espuma de mar

Meerschaum

Não devia ter comprado a peça que hoje vos apresento. Não preciso dela para nada. Mas como podia eu resistir a esta pequena escultura em espuma de mar, tão requintadamente trabalhada e que cabe nos dedos de uma mão?
Foto retirada de Pinterest
Como já expliquei em outros posts estas pequenas esculturas foram fabricadas ao longo da segunda metade do século XIX em França e eram compradas pelos peregrinos nos santuários e centros de peregrinação, como por exemplo Lourdes.

A espuma de mar costuma ser conhecida pelo nome alemão Meerschaum.  Contudo, nem todas estas peças são feitas em espuma de mar, algumas são feitas numa argila muito fina semelhante ao caulino, que os franceses designam por terre  de pipe
Vendidas nas lojas de souvenirs religiosos, estas peças, bem como as pagelas, os terços, as imagens do Sagrado Coração de Jesus e de Maria, são conhecidas em França pelo termo pejorativo bondieuseries, isto é, as traquitanas do Bom Deus.


Hoje, passados 150 anos algumas destas bondieuseries ganharam com o tempo um encanto especial, sobretudo para quem se fascina pelo que passou de moda. É certo que estão longe de serem obras de arte de museu, mas quem esculpiu as pregas do véu de Nossa Senhora deste medalhão em espuma de mar conhecia o seu ofício. O trabalho é tão delicado que evoca de alguma forma as figuras veladas do escultor italiano Antonio Corradini (1688-1752).

Busto de mulher velada (Puritas), Museo del Settecento Veneziano, Ca’ Rezzonico, Veneza, Antonio Corradini, 1725
Claro, estes medalhões eram feitos em série, pois encontrei uns quanto iguais a este à venda on-line, em França e nos Estados Unidos. Mas apesar disso, eram executados com mestria e permitiam ao cidadão comum ter em casa alguma da beleza da grande escultura clássica.

O medalhão estava muito sujo quando o comprei. Dourada de origem, a moldura tinha sido escurecida com betume judaico e por dentro a escultura estava cheia de restos de pó preto do referido produto. Com muito cuidado, o meu amigo Manel fez o favor de retirar a moldura e o vidro, limpou a escultura e devolveu o dourado à moldura. Além de a peça ter ficado linda, esta operação permitiu-me fotografar a escultura em toda a sua beleza, sem os reflexos do vidro.


Alguns links:


12 comentários:

  1. Às vezes não precisamos de "coisas" para nada, mas a nossa vida fica tão mais cheia e melhor com elas! Belissima peça!

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    1. Cara Paula Lima

      Obrigado pelo seu comentário. Talvez todos estes objectos nos ajudem a criar um mundo diferente, do que está lá fora, feito à nossa medida, cheio de alusões à arte e à história.

      Estas pequenas esculturas de espuma de mar são de facto espantosas, pois raramente ultrapassam os 10 cm de comprimento e são executadas com uma grande minúcia.

      Um abraço

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  2. É interessante como a peça, cuja fotografia retiraste do pinterest é muito semelhante a esta, até a moldura é quase igual, para não falar do tratamento que levou - reconhecem-se os restos de betume judaico que ainda estão sobre o dourado. Devem-na ter tentado limpar igualmente, mas não o conseguiram, pois sem retirar a escultura é muito difícil, é que estes vidros são feitos manualmente e riscam-se facilmente.
    Até o próprio papel o risca.
    Mas a peça é muito bonita e bem trabalhada, e com estas dimensões cabe em qualquer sítio.

    Talvez o tratamento com betume judaico fosse dado originalmente, que sei eu. Mas quando este produto se transforma em pó e invade a escultura, esta fica com um aspeto absolutamente deplorável e sujo. E vai manchando o próprio material da peça. Assim, se o tratamento com este produto for original, para lhe dar uma patine antiga, foi uma péssima ideia.
    Manel

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    1. Manel

      A tua prática de restauro confere-te um olho clínico para estas coisas e reparaste logo que a moldura do medalhão do Pinterest também tinha sido escurecida e a própria imagem também tinha resíduos de betume judaico.

      Realmente a maioria das molduras destas imagens são em madeira escurecida, o que corresponderia a uma moda, embora não perceba a razão porque usariam um metal dourado de origem se o pretendessem desde logo escurecer. Enfim, dificilmente o saberemos.

      Um abraço

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  3. Luís,
    Adorei a sua peça. Alguma inveja, confesso. É muito feio este sentimento. Retrato-me desejando que a goze bem e com satisfação.
    Gostei também da moldura que arranjou.
    Beijinho e boa noite de S. Martinho.

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    1. Ana

      Muito obrigado. A sua inveja confirma que desta vez consegui boas fotografias.

      A inveja quando se transforma em admiração é um sentimento positivo. Eu por exemplo invejo as pessoas que falam e escrevem bem várias línguas estrangeiras.

      Um beijo e um bom início de semana

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  4. São belíssimas estas peças, um trabalho bem interessante e diferente.
    Não conhecia e gostei muito de ver em detalhes, pela foto.

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    1. Estas esculturinhas são particularmente interessantes, sobretudo se pensarmos no seu tamanho, que cabe nos dedos de uma mão. Eram objectos piedosos muitos comuns na segunda metade do séc. XIX. Eram populares em Santuários como Lourdes. Mas, embora sejam franceses, creio que se deveriam vender nas lojas de artigos religiosos um pouco por todo mundo católico. Talvez até apareçam aí no Brasil. É uma questão de pesquisar nos sites de venda on-line.

      Um abraço

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