O registo de baptismo de Zeferino Urbano de Morais |
Toda a gente tem mais ou menos a ideia que os estudos genealógicos são para os indivíduos descendentes de famílias muito ricas, fidalgas ou aristocratas. Na verdade, traçar a sua genealogia, isto é conhecer os seus antepassados é um estudo possível a qualquer um, por muito humildes que sejam as suas origens. Se tiver paciência e tenacidade, através da consulta dos registos paroquiais de baptismo, casamento e óbitos poderá reconstituir a história da sua família pelo menos até aos finais do século XVI, período em que pratica destes assentos pela Igreja Católica se tornou sistemática.
Há uns bons vinte e cinco anos, o meu pai decidiu estudar as origens da família da sua mulher, lavradores abastados, oriundos da Quadra, uma aldeia perdida no encosta da Serra da Coroa, do concelho de Vinhais, no extremo Norte de Portugal. Creio que tinha alguma esperança de encontrar os antepassados judeus da sua mulher, que uma tradição familiar formada sabe deus quando, diz terem existido.
Através da consulta dos registos paroquiais e seguindo a linha masculina ,o meu pai consegui remontar até ao século XVII, mas claro não encontrou antepassados judeus, pois mesmo que os houvesse, nenhum deles no seu perfeito juízo declararia na Igreja, num assento feito por escrito, que judaíza em segredo pois poderia ser preso, julgado e condenado a arder numa fogueira.
As terras frias de Vinhais |
Neste trabalho o meu pai encontrou alguns problemas. Estes meus antepassados usaram o desde o século XVII o apelido Gonçalves, e no início do século XIX, passam a usar Morais, por uma razão inexplicável. Como estou fechado em casa e tenho muito tempo, resolvi tirar esta história a limpo e estudar todos os registos dos filhos de Francisco Gonçalves, que passaram a usar o nome Morais, cruzando para tal os dados levantados pelo meu pai no Arquivo Distrital de Bragança, com alguma documentação que encontrei digitalizada e ainda com o caderninho feito pelo meu bisavô, Clemente da Ressurreição, onde narra de forma sintética a sua biografia e a dos seus antepassados.
No arquivo Distrital de Bragança, consegui encontrar uma cópia digital do assento de nascimento do primeiro filho do meu quarto avô Francisco Gonçalves.
Esse filho, o Zeferino Urbano, nasceu na Quadra no dia 11 de Maio de 1810, e foi baptizado no dia 17 do mesmo mês. A sua mãe era uma tal Maria dos Santos, filha de Manuel dos Santos, natural dos Casares e de Filipa do Rio, natural do Pinheiro Velho e na altura moradores na Quadra. No seu assento de baptismo está dado como filho natural, de pai incógnito. Porém e não sei quanto tempo depois, o pároco que lavrou o assento, Francisco José Domingues, riscou incógnito e fez o seguinte averbamento ao lado, filho de Francisco Gonçalves, solteiro, deste lugar.
Zeferino Urbano era filho natural, mas mais tarde, o pároco rasurou incógnito e acrescentou ao lado Filho de Francisco Gonçalves, solteiro, deste lugar |
Em suma, o Francisco Gonçalves teve um filho com a Maria Santos, sem estar casado, mas num momento qualquer, decidiu ir à Igreja assumir a paternidade do bebé Zeferino Urbano e apenas podemos especular sobre razões deste acto. Poderá ter descoberto que a criança era parecida com ele ou foi pressionado pelos pais da rapariga ou então amava-a genuinamente.
Sendo o Zeferino Urbano filho natural ou bastardo, havia aqui uma forte razão para não usar o apelido Gonçalves, mas o sobrenome da sua mãe era Santos e também não foi buscar o apelido Morais aos padrinhos, que foram o Matias Rodrigues Domingos e sua mulher Maria Ferreira.
A 1 de Janeiro de 1821 o Francisco Gonçalves e a Maria Santos voltaram a ter um criança, mas a julgar pelo assento de baptismo da menina de 27 de Janeiro desse ano, teriam casado entretanto, pois a pequena Maria José de Jesus, é baptizada como filha legítima dos dois.
Como a criança é legitima, o padre José Caetano Diegues da Silva adianta o nomes dos avôs paternos, o António Gonçalves, natural da Quadra e de sua mulher Luzia Alves, natural de Cabeça da Igreja, freguesia de São Bartolomeu fornece mais alguns dados sobre a naturalidade dos pais da Maria Santos. O Manuel dos Santos era natural, de Casares, freguesia de Santa Cecília e a Filipa do Rio, nascida no Pinheiro Velho, freguesia de São Sebastião.
Foram padrinhos da pequena Maria José o Reverendo Padre Clemente dos Santos e sua imã, Maria Antónia.
O assento de Nascimento de Manuel Dinis, cujo padrinho foi o Reverendo Clemente de Morais |
A 9 de Outubro de 1823 os meus quartos avós, voltam a ter mais uma criança, o Manuel Dionísio e no assento de baptismo dia 19 do mesmo mês, o padre Pedro Inácio, Abade de Montouto regista como era obrigatório nestes documentos o nome dos quatro avôs, mas com uma pequenas diferenças. O avô materno António Gonçalves, é identificado como António Dionísio, mas trata-se da mesma pessoa, pois o nome da mulher é o mesmo, Luzia Alves. Provavelmente, Dionísio, forma latina de Dinis, era o segundo nome próprio do senhor. Os padrinhos foram o Reverendo Clemente de Morais e a sua imã Maria Antónia, tios da dita criança. Este padre Clemente é certamente o mesmo homem, que foi padrinho da Maria José, apesar de nesse assento ter sido identificado com o o apelido Santos, mas o nome da sua irmã é o mesmo, Maria Antónia
Houve uma quarta filha, uma Filipa, de que o meu pai não encontrou registo de nascimento, mas de que sabe a sua existência através de um caderninho de memórias do meu bisavó, Clemente da Ressurreição. Segundo este documento a Filipa casou, mas não teve filhos.
Nesta altura das minhas pesquisas comecei a a achar que a origem do nome Morais estava no Padre Clemente de Morais, padrinho de duas crianças do casal Francisco Gonçalves e Maria Santos e tio destas. Seria talvez um homem abastado, como muitos padres o eram e que teria decidido deixar os seus bens à prole do Francisco Gonçalves com a condição de usarem o seu apelido. Mas mesmo assim, os dados não batiam certo. Dos filhos varões do Francisco Gonçalves só o Zeferino Urbano usou o apelido Morais, o Manuel Dinis, afilhado do padre Clemente Morais usou sempre o apelido Santos.
Resolvi investigar um pouco mais este padre Clemente, pensando que os homens da Igreja deixam ser mais registos oficiais, que uns simples jornaleiros ou lavradores e coloquei o nome Clemente de Morais no motor de busca do Arquivo Distrital de Bragança, e encontrei o registo de Habilitação de genere de Clemente de Morais Santos, isto é os documentos necessários para um homem ser padre, em que tinha que provar, que era bom cristão e sobretudo que não tinha sangue judeu ou mouro. O processo está datado entre 1802 e 1803 e no registo indica que era natural da Quadra e filho de Manuel de Morais Santos e de Filipa do Rio, já nossos conhecidos. Portanto o nosso Padre Clemente era irmão não só da Maria Antónia como da Maria dos Santos e o pai desta irmandade era o Manuel de Morais Santos. Portanto, Morais era o apelido da família materna do Zeferino e teve origem na aldeia dos Casares, em vez ser na da Quadra como todos pensávamos na família.
Esquema para demonstrar como o nome Morais se transmitiu |
O facto de que os dois filhos varões do Francisco Gonçalves, quer o bastardo, Zeferino Urbano, quer o legítimo, Manuel Dinis, usarem o os apelidos maternos, respectivamente Morais e Santos, faz-me pensar que os Morais seria gente mais abastada, de condição social superior aos Gonçalves ou talvez apenas estes sentissem mais empatia com o lado materno. O Padre Clemente dos Santos Morais terá sido um homem importante na vidas destes antepassados, nascidos no primeiro quartel do século XIX, pois o Zeferino baptizou dois dos seus filhos com o nome Clemente e este nome foi sendo usado ao longo de quatro gerações dos descendentes do Zeferino Urbano.
Mapa do concelho de Vinhais, onde as aldeias de Casares, Pinheiro Velho, Cabeça de Igreja e Quadra estão assinaladas com uma seta. Carta retirada de https://www.dgterritorio.gov.pt/ordenamento/sgt/igt-vigor |
Além de resolver este enigma da mudança de nomes, achei interessante verificar estes meus antepassados escolhiam os seus conjugues sempre nas aldeias vizinha, de forma a evitar a consanguinidade. Provavelmente conhecer-se-iam nos bailes das festas dos santos padroeiros das aldeias de Casares, Pinheiro Velho, Cabeça de Igreja e Quadra onde esta gente viveu ou nas feiras da sede de concelho.
Senti também desejo conhecer a aldeia de Casares, encostada à fronteira com Espanha, muito perto da célebre fraga dos três reinos, que assinalava em tempos as fronteiras dos reinos de Portugal, Galiza e Leão e onde parte do meu meu ser se formou, bem como dos cerca de 300 descendentes de Zeferino Urbano de Morais.
A fraga dos três reinos |
Fontes consultadas:
Arquivo Distrital de Bragança, Paróquia da Quadra, Registo de Batismos 1756/1816 PT/ADBM/PRQ/VNH49/001/00001
Arquivo Distrital de Bragança, Paróquia da Quadra, Registo de Batismos , mc 1, lv 6
Arquivo Distrital de Bragança, Habilitação de genere de Clemente de Morais Santos,PT/ADBGC/DIO/CDMDRBGC/CE/1/271-2495