O coleccionismo de velharias apresenta por vezes facetas contraditórias, por exemplo, há quem coleccione talheres de prata, que depois nunca usa e guarda-os religiosamente numa caixa, outros compram utensílios de cozinha antigos, mas não sabem estrelar um ovo. Pela minha parte, tenho o hábito compulsivo de comprar beatices, sem ter a menor crença. Assim, apesar da tremenda chatice que foram as Jornadas Mundiais da Juventude, na última feira de Estremoz comprei mais um medalhão francês do século XIX, representando uma aparição qualquer mariana.
Como já expliquei em anterior post sobre o mesmo assunto, normalmente nos mercados de velharias estas peças são identificadas como sendo feitas em espuma de mar, em inglês meerschaum e em francês écume de mer. Se algumas destas imagens foram realmente executadas em sepiolita, a tal espuma de mar, outras foram entalhadas no que os franceses designam Terre à pipe ou terre de pipe, o nome antigo de uma argila plástica ou de um caulino, outras ainda em gesso. Para o cidadão comum, que como eu que não percebe nada de mineralogia é complicado saber exactamente qual foi o material usado no medalhão, que comprámos. Talvez as de gesso apresentem um tom mais esbranquiçado.
Estes medalhões são de fabrico francês, normalmente da segunda metade do XIX e costumam representar Cristo, a Virgem Maria, mas também as aparições marianas ocorridas nesse século em França, isto é, a Nossa Senhora de Lurdes (1858) e a Nossa Senhora de La Salette (1846). Aliás, foi fácil identificar, de que aparição tratava o meu medalhão, pois sabia que em Lurdes a Virgem apareceu a uma menina, a Bernadette Soubirous e aqui como aqui Nossa Senhora se mostra a dois meninos, só poderia ser a de La Salette e as crianças representadas serão Maximin Giraud e Mélanie Calvat. Nossa Senhora de La Salette é também facilmente identificável pelo seu penteado simulando raios luminosos, que nos dão a impressão de se tratar de uma coroa muito peculiar.
Imagem de Nossa Senhora de La Salette da base POP : la plateforme ouverte du patrimoine |
Estas duas aparições marianas em França tornaram-se devoções muito populares em todo o mundo católico e naturalmente também aqui em Portugal. Lourdes ou Lurdes foi um nome próprio muito comum em Portugal e ainda houve muitas meninas nascidas nos séculos XIX e XX baptizadas com os nomes de Bernardette ou Maria de La Salette.
Estes medalhões com imagens em dita espuma de mar traduzem a expansão desse culto e eram comprados depois de uma peregrinação a esses santuários ou em lojas de artigos religiosos e em casa eram tornavam-se objectos de devoção privada.
São peças de pequenas dimensões, muito bem executadas e normalmente encaixilhas em molduras de latão ou de madeiras ovais, protegidas por um vidro abaulado ou bombé, como dizem os franceses.
Este meu medalhão apresenta-se também encaixilhado num medalhão oval de madeira lacada, mas com um arozinho de latão doirado. Como estava muito sujo, tive que o desmontar todo e aproveitei a ocasião para o fotografar, já que como os vidros desta época não eram anti-reflexos, as fotografias ficam sempre cheias de brilho.
Enfim, foi mais uma beatice que comprei, mas estes medalhões são muito decorativos e ficam bem na casa de um ateu, que sente bem no meio da arte religiosa.
Em minha casa |
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Acho sempre tão curiosas estas peças. E tenho mesmo prazer em vê-las pelas paredes, são um aroma do passado que inunda a casa. Já ninguém as produz hoje em dia, e raro já se vêm à venda. São como que uma curiosidade do passado.
ResponderEliminarE quem é que hoje em dia quer ter estas relíquias em casa? Nem mesmo os católicos as querem.
Enfim, somos um recolectores do passado distante
Manel
Manel
EliminarÉ verdade. Antigamente as pessoas traziam estes medalhões depois de uma peregrinação a Lourdes ou a La Salette e eram postos na parede, tocados porque tinham vindo desses locais santos e objectos de devoção, diante dos quais se rezava.
Hoje são considerados uma beatice e ninguém lhe liga muito, mas são objectos muito bem executados, encaixilhados e muito decorativos. Ainda bem para nós que ninguém lhes liga muito.
Um abraço
Uma peça bem bonita. Boa tarde!
ResponderEliminarComentário anterior: Margarida Elias.
ResponderEliminarMuito obrigado, Margarida!!!
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