segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Prato em faiança Miragaia?


Já depois de ter colocado este post, consegui identificar o fabrico provável deste prato, proveniente do Norte e que não está marcado. Com efeito ao desfolhar o belíssimo catálogo Fábrica de Louça de Miragaia. Lisboa: IMC, 2008, passei pelo capítulo dedicado à escavação arqueológica, que foi feita nas instalações da antiga fábrica e entre os fragmentos achados lá estava um “caco” com umas florinhas em tudo iguais às do meu prato (ver pág. 87 do referido catálogo). Portanto, é muito provável que este prato seja um Miragaia, da célebre fábrica de Rocha Soares, no Porto. Claro, há sempre a hipótese de ter sido a mulher do patrão, que tenha trazido um prato de Fervença ou viúva Lamego, com croquetes para o marido e o tenha partido na fábrica e os cacos tenham ficado por lá, enterrados 150 anos. Em todo o caso, há fortes probabilidades de ser um Miragaia.

É aquilo que se chamava antigamente um prato galinheiro ou frangueiro, pois era usado para servir à mesa uma qualquer ave de criação. Hoje chamar-lhe-íamos pura e simplesmente uma travessa No verso, vê-se bem que o prato foi partido e unido através de umas espécies de agrafos, os célebres “gatos”. Este trabalho era normalmente feito pelos amoladores galegos que andavam de terra em terra. Confesso que ainda hoje me espanto como é que eles conseguiam fixar estes agrafos na loiça. Usavam umas brocas manuais, que se assemelhavam a uns arcos, para perfurar a loiça, fazendo furinhos oblíquos, mas mesmo assim, era um trabalho difícil e de grande precisão, pois conseguiam uma junção perfeita das partes, que impedia que os líquidos vertessem. Segundo o meu pai, estes amoladores usavam também uma cola feita de clara do ovo, que era altamente resistente ao vapor e humidades.

Na época ninguém deitava nada fora e prato, terrina ou travessa que se partisse era mandado ao amolador e tinha mais vinte, 30, 40 ou 100 anos de vida e às vezes mais, pois muitos deles chegaram às nossas mãos. Aliás, é muito curioso, pois na casa da família da minha mãe, em Souto Covo, Vinhais, há cerca de 30 anos não existia lixo e tudo era reaproveitado. As cascas de melão davam-se às galinhas, os cordéis iam para uma gaveta, os frascos eram religiosamente guardados para as compotas, os restos de carne eram dados aos cães e aos gatos, as cascas de batata serviam para a sopa dos porcos e das panelas velhas de esmalte e das latas a velha criada fazia vasos de flores para o seu jardinzinho particular nas traseiras da casa, que tinha um encanto ingénuo, muito semelhante ao que tem este prato. Enfim, nestes tempos de preocupação com o ambiente, teremos que brevemente reaprender estes antigos hábitos comuns às famílias portuguesas do passado.

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5 comentários:

  1. Este prato faz-me muito lembrar "Viúva de Lamego" pela textura ( grosso e pesado)também pela cor base creme baço e decoração. Feito em barro escuro início sec xx?. Gostei dos comentários sobre reciclagem, tudo igual na minha zona(centro) à excepção da palavra "sopa para os porcos" na minha terra diz-se "lavage".Naquele tempo o dinheiro estava concentrado em poucas famílias,(será que hoje não continua?, o povo vivia miseravelmente,e o progresso tardou em chegar assim como a globalização, daí reaproveitarem tudo, e quando a faiança se partia era reposta com os tais "gatos" que falou. De facto eram feitos com uma broca de rosca fina que era molhada em água, acho que tinha um cordel, mas já não sei a sua função, trabalho minucioso, ainda me lembro de ver tal trabalho por um homem a que vulgarmente se chamaria "vagabundo de nome Pelaralho que além de colocar "gatos nas faianças" arranjava as varetas dos chapéus de chuva e afiava facas.

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  2. Muito obrigado pelo seu comentário.

    A sugestão Viúva Lamego fica registada e vou fazer umas buscas na net, explorando essa hipótese.

    Creio que seria muito interessante conseguir-se reconstituir todo o processo de "gatar" a louça. Há uns tempos sugeri a uma senhora que tem uma oficina na rua de s. Vivente, que faz faianças com as técnicas e motivos decorativos antigos, para pôr gatos nos seus pratos, para conseguir uma falsa autenticidade ainda maior

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  3. Como sabes, tenho um prato em tudo semelhante ao teu, quer nas dimensões quer numa disposição dos elementos decorativos pela superfície (segundo círculos concêntricos), variando no entanto no próprio elemento decorativo que se repete, (que no meu se assemelha a pequenas borboletas), e nas cores utilizadas (que, mais uma vez, no meu, parecem estar mais de acordo com as que vejo associadas à Fábrica de Fervença.
    Mas, e não percebendo mais disto do que tu, a intuição diz-me que esta tua peça está mais associada à produção do norte de Portugal, mas, que sei eu?
    As coisas não podem ser classificadas por intuição, mas por um estudo aturado de cores, motivos, composição da pasta e semelhança com outras peças existentes, devidamente identificadas.
    Por isso, "meto a minha viola no saco" e deixo-me ao sabor da contemplação, algo extasiada, da beleza destas peças, e pensar que hoje, infelizmente, esta tradição parece estar irremediavelmente esquecida, se não, perdida!
    Manel

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  4. Continuo a duvidar, peço desculpa pela frontalidade. Mas na muita faiança dita de Miragaia, toda a que conheço e é muita foi elaborada com barro branco, veja que o "caco" que mostra é branco, enquanto o seu prato, e apenas o estou a ver na foto dá uma notória impressão de ter sido feito em barro escuro, reveja o friso no verso do prato, além da textura do mesmo, apesar de belo, ser tipo "grosseiro",(pasta grossa) por isso inicialmente me inclinei para a Viúva Lamego,aliás tenho um cuja textura é muito semelhante, com corações no rebordo e a mesma cor de ocre(amarelo). Ainda falando do artefacto que mostra, as flores são diferentes, tem o "olho" em amarelo, o prato apenas tem o desenho das pétalas.Por lapso na altura não falei, mas na casa da avó do meu marido existia uma bacia em faiança , infelizmente não foi por nós herdada.Era tipo gamela onde a família comia cada uma com o seu garfo, conhece estas peças?.Dizia eu que a limpei e meti no escaparate onde esteve vários anos,branca com o rebordo alto todo cheio das flores iguais ao seu prato em azul. Sendo a casa na zona centro, ali só se comprava loiça de Aveiro,(Aradas e Aleluia)Outeiro(Águeda), muita de Coimbra e de outras várias fábricas do distrito de Leiria desde o Juncal até Alcobaça.Continua a pesquisa. Sabe que me inclino também para a fábrica Bandeira?

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  5. Cara Luz Maria

    Aprecio muito a sua opinião e de facto eu próprio não estou seguro de que seja Miragaia. Na exposição sobre a fábrica que houve no Soares dos Reis do Porto e no catálogo que a acompanhou, não consta nenhuma peça com esta, pois o comissariado apenas apresentou peças marcadas, cuja autenticidade estivesse fora de dúvidas. Foi um critério seguro, mas talvez discutível, pois provavelmente uma boa parte da produção nunca foi marcada. Contudo, nas escavações da fábrica lá apareceu este caco, semelhante ao meu.

    Relativamente à cor creme da minha peça, ela deve-se mais à fotografia do que a outra coisa. Na realidade a pasta é mais branca do que aqui parece e a cor do interior das florinhas é amarelo. A foto do reverso do prato é mais fiel à cor original.

    É uma pena de que não disponha de uma imagem da tal bacia em faiança, pois seria interessante compara-la com a minha.

    Tenho sempre as maiores dúvidas nas atribuições das faianças portuguesas. Como sabe, o mesmo motivo decorativo foi produzido por várias fábricas em simultâneo e quando as peças não são marcadas, fazer atribuições é quase como jogar no totoloto. Contudo, creio que estamos todos de acordo que deve ser um peça fabricada no Norte

    Já agora, a título de curiosidade, um amigo meu francês quando viu o prato, disse-me que só lhe lembrava o Oeil-de-perdrix, um motivo decorativo muito comum da porcelana de Sévres, que julgo eu ter origem na cerâmica islâmica.

    Abraço

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