segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Córdova

Fui estes dias até Córdova e voltei maravilhado com o nosso passado muçulmano. A Mesquita é de facto uma jóia grandiosa e refinada de arquitectura, construída entre 785 e 987, numa época em que na Europa do Norte se construíam apenas igrejinhas modestas e rústicas. Custa a crer que um edifício tão refinado tenha sido construído antes do ano mil.

Para entrar na mesquita passa-se pelo célebre “pátio de los Narancos “, cheio de laranjeiras e palmeiras, onde existe uma fonte, que serviu no passado para os fiéis fazerem as suas abluções antes de entrarem no templo. No período em que era mesquita, não existiam laranjeiras, mas sim palmeiras, o que certamente conferiria um ar ainda mais exótico ao pátio. Segundo informações da minha colega Eva-Maria, especialista assuntos orientais, as palmeiras do pátio devem-se a Abderram I, que as mandou plantar para evocar a longínqua Damasco, terra de onde fugiu para escapar à matança da família Omeyadas ordenada pelos Abássidas. De facto, Abderram I consegui o que pretendia, pois apesar de terem passado mil e trezentos anos, quando entramos naquele espaço, deixamos Espanha e somos transportados para uma cidade qualquer algures do Médio Oriente ou do Norte de África
Quando entramos na mesquita deparamos com aquela autêntica floresta de colunas, feitas em não sei-quantos feitios e materiais e pensamos “quantas serão?”. O meu amigo Manel que é professor de geometria ainda se sentiu tentado a fazer algumas contas, mas desistiu rapidamente ofuscado pela mera contemplação. Muitas delas foram reaproveitadas de edifícios romanos ou da antiga Igreja visigótica. O mihrab é uma coisa de cortar a respiração. Os mosaicos foram oferecidos pelo imperador bizantino Nicephore Phokas, que cedeu igualmente artistas para as obras da mesquita feias no tempo de Al-Hakam II.
É também um milagre da história da humanidade que a mesquita tenha sobrevivido quase intacta num país onde o catolicismo foi sempre tomado com tanta paixão e exagero. Só existe no meio do templo, uma igreja cristã, levantada nos séculos XVI e XVII, barroca até loucura mais insana, que destoa daquela serenidade muçulmana. O resultado é de tal forma chocante, que conta-se que o imperador Carlos V, um monarca de ortodoxia fora de qualquer suspeita, exclamou quando viu a obra “hábeis destruído lo que existia en ninguna parte para construir algo que se puede hallar en qualquier lugar

Córdova também é uma cidade excelente para se passear a pé. O urbanismo lembra os velhos bairros de Lisboa e Évora. Penetramos em vielas escuras onde mal passa uma pessoa e de repente descobrimos praças e pracetas com fontes encantadoras e palácios fantásticos. É um urbanismo de discrição, em que os melhores palácios estão escondidos dos olhos indiscretos. Uma destas praças encantadoras é a do Museu Arqueológico, que só recorda o largo que existe defronte da Sé de Évora e pelo qual passei tantas vezes.
Entre Cordóva e Mérida, almocei estupendamente em Azuaga, uma terrinha perdida na planície, com um casario antigo branco, que me recordou Campo Maior. Tem uma igrejinha que embora já construída na centúria de quinhentos continua a evocar o passado mourisco da zona. Segundo a minha colega Eva existem na ilha de Djerba na Tunísia muitas mesquitas fortalezas algo semelhantes a esta Igreja

1 comentário:

  1. Era miúdo quando vi pela primeira vez fotografias desta mesquita (nos livros de história que estudava na altura, nas tardes quentes e langorosas de Verões abrasadores, à sombra de um colégio dirigido por uma ordem religiosa católica) e, à época, estando eu a milhares de quilómetros, decidi que um dia iria visitar este local, que não me pareceu real (nessa época, como todos os jovens, já sonhava com viagens).
    Devo confessar que, então, até cheguei ao extremo de julgar que alguém se teria enganado na legenda da foto, colocando a obra como estando em Espanha (fiquei confuso! Afinal Espanha não estava ao lado de Portugal? E não são estes dois países súbditos de Sua Santidade cristianíssima e, por isso, profundamente arreigados à ortodoxia da religião cristã???)!!!
    Com certeza o dito monumento estaria num outro qualquer país mais exótico e longínquo, lá mais para oriente, fronteira com as Arábias! Longe, como estava, da Europa não tinha consciência da influência desta civilização na Península Ibérica, para mim um baluarte cristão sem lugar a outras manifestações artísticas ligadas aos "ímpios"!
    E, ainda que estes "ímpios" tivessem existido, seriam lá eles capazes de tais requintes arquitectónicos em eras tão longínquas no tempo, quando a Europa cristã andava às voltas com conceitos muito mais básicos de estruturas arquitectónicas?(sim, as crianças educadas à sombra de ordens religiosas católicas e lendo livros de história produzidos por regimes políticos conectados à civilização dita de "ocidental", têm destas fraquezas!).
    Ainda bem que tirei a limpo esta estória!
    E, ainda por cima, a catedral que Carlos V viu não deveria ser o "bolo de noiva barroco" que lá está hoje com certeza! Deve ter visto uma versão mais "light".
    Bonito o teu texto
    Manel

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