Esta ilustração de Roque Gameiro faz parte do meu imaginário de criança. Aparecia reproduzida numa edição do ínicio dos anos 70 da história de Portugal, do Oliveira Marques, que os meus pais tinham em casa e que eu consultei e desfolhei vezes sem conta durante minha infância e juventude.
A imagem sempre me impressionou pelo contraste entre o esplendor da arquitectura e a miséria humana. Apesar de datada dos finais do século XIX, permanece actual. No centro histórico de Lisboa, à porta das igrejas, dos prédios pombalinos ou pelas ruas de Alfama, Pena ou Mouraria, persiste a miséria, o abandono e sujidade em vivo contraste com o enorme interesse histórico ou artístico da arquitectura.
Esta ilustração tornou-se pois um símbolo do esplendor e miséria de Lisboa, que me acompanhou sempre e que tentei identificar a localização várias vezes sem sucesso, sobretudo nos anos em que vivi em S. Vicente, logo ali às portas de Alfama e espiolhava todas as ruas e ruelas, desde o Largo do Chafariz de Dentro, até ao Martim Moniz, passando pelo Castelo. Cheguei a pensar que o portal fizesse parte de algum velho convento, entretanto demolido e portanto perdido para sempre.
A imagem sempre me impressionou pelo contraste entre o esplendor da arquitectura e a miséria humana. Apesar de datada dos finais do século XIX, permanece actual. No centro histórico de Lisboa, à porta das igrejas, dos prédios pombalinos ou pelas ruas de Alfama, Pena ou Mouraria, persiste a miséria, o abandono e sujidade em vivo contraste com o enorme interesse histórico ou artístico da arquitectura.
Esta ilustração tornou-se pois um símbolo do esplendor e miséria de Lisboa, que me acompanhou sempre e que tentei identificar a localização várias vezes sem sucesso, sobretudo nos anos em que vivi em S. Vicente, logo ali às portas de Alfama e espiolhava todas as ruas e ruelas, desde o Largo do Chafariz de Dentro, até ao Martim Moniz, passando pelo Castelo. Cheguei a pensar que o portal fizesse parte de algum velho convento, entretanto demolido e portanto perdido para sempre.
Muitos anos, depois a seguir ao meu divórcio, recomecei a viver no centro histórico e no primeiro passeio de reconhecimento, que fiz pela zona, descobri numa praça isolada, servida apenas por umas ruas muitos estreitas, um convento magnifico e o portal, cuja imagem tinha acompanhado toda a minha infância e juventude. Tratava-se afinal da entrada nascente do velho convento da Encarnação na freguesia da Pena, que deve ser dos sítios menos conhecidos de Lisboa. Fica num bairro desconhecido de todos, numa praça servida por umas vielas muito estreitas, que ninguém se lembra de por aí enveredar e a direcção do recolhimento praticamente não deixa visitar o espaço, que é dos mais ricos de Lisboa. Apenas deixam visitar a igreja, aos Domingos, às 9 horas, quando há uma missa aberta a todos, norma, que à partida, exclui a maioria dos amantes das belas-artes e dos apreciadores de Domingos sem chatices.
A massa do Convento da Encarnação vista do Rossio
O Convento da Encarnação deve-se à vontade da Infanta D. Maria, filha do Rei D. Manuel I, mas só foi construído já no tempo de Filipe II, que o entregou à ordem Militar de S. Bento de Aviz, embora sob dependência da Coroa. O edifício foi erguido aproveitando a muralha fernadina e abrigava não só Freiras provenientes de famílias fidalgas, como recolhidas, isto é, viúvas de militares ou senhoras cujos maridos andavam na guerra ao serviço de El-Rei. O Convento foi como todos os edifícios afectado pelo terramoto de 1755, mas permaneceu de pé. Com a extinção das ordens religiosas em 1834, a parte conventual desapareceu, mas manteve até aos dias de hoje as funções de recolhimento de senhoras e talvez por essa razão mantenham a casa tão fechada aos olhares dos curiosos.
Quase desde a fundação do Convento, existe no Convento uma irmandade de senhoras das melhores famílias lisboetas, as Escravas, que ainda hoje subsiste. Essas damas todos os anos realizam uma cerimónia anual e é um gosto vê-las chegar ao largo da Encarnação, vestidas de Chanel, em preto, cinza e branco, com colares de pérolas genuínas, muito bem penteadas, numa elegância contida, já rara nos dias de hoje. Toda a população do bairro, que é uma mistura da velha Lisboa popular, com paquistaneses, brasileiros, chineses e ciganos romenos fica boquiaberta a olhar para aquelas senhoras muito distinguées, em cortejo à entrada da Igreja. É outra vez o contraste entre o luxo e a sordidez. Durante a cerimónia, as senhoras usam a capa da Ordem de Aviz e levam as condecorações do pai ou marido, mantendo as patentes do progenitor ou esposo, segundo me afirmou o António, seguidor deste blog.
Há uns dias, quando fui ao vidrão despejar garrafas, apanhei abertas as portas da entrada, que durante tantos anos admirei em livro. Não pude resistir e à revelia tirei uma fotografia, onde se entrevê uma mesa bufete com cadeirão do século XVII, o chão lajeado e uma fiada de azulejos marmoreados setecentistas, que já dão bem uma ideia do luxo de uma antiga casa conventual lisboeta
Mais um tema muito interessante numa escrita fluida e cativante, com o mérito acrescido de divulgar a bela cidade de Lisboa e os seus recantos cheios de carisma.
ResponderEliminarGostei imenso da gravura do Roque Gameiro. Já estive a folhear uma História de Portugal do Oliveira Marques que aqui tenho em dois volumes, mas não encontrei essa ilustração, só mapas.Lembra aquelas gravuras de templos romanos e edifícios em ruínas, tão em voga no período romântico, que os ingleses aristocratas adquiriam no Grand Tour, em Itália, para decorarem os seus palácios, e q acabaram por passar aos transfers da faiança inglesa.
Também já tenho descoberto assim recantos quando vamos a Lisboa, por exemplo quando vamos à Feira da Ladra e deixamos o carro longe, para oriente. Palácios com escadarias de pedra e belos azulejos a decorá-las e outros edifícios antigos em ruelas estreitas, meio abandonados.
Continue a surpreender-nos.
Um abraço
Maria A.
Este edíficio inspira solidez, e o pequeno largo, para onde dá este portal que aqui apresentas, é lindíssimo, faz-me lembrar alguns que vi em Itália, intimistas, recolhidos e cheios de digindade. Pena que seja mal frequentado e pejado de "graffitis".
ResponderEliminarEm dia de comemoração do centenário da República, nada com perorar em prol da realeza!
Assim, referes também umas das mulheres da nossa história pela qual nutro a maior simpatia: a nossa muito célebre Infanta D. Maria, orfã de pai aos dois meses, e tendo perdido o contacto com a mãe aos dois anos (esta, peão da política de alianças de Carlos V, saíu de Portugal para casar-se com Franscisco I de França, onde foi sumamente infeliz), só a vendo, ainda que brevemente, 35 anos depois. Educada, entre outras, pelas doutas e toledanas Sigeias, construiu um núcleo artístico e intelectual ímpar no nosso reino. Sobrinha e cunhada da mulher de João III (não nutro qualquer simpatia por D. Catarina, mulher algo amarga, demasiado ligada à religião e conivente, para nosso prejuízo, primeiro com a política do irmão, Carlos V e depois com a do sobrinho Filipe II) vivia independente desta, com casa e corte e bens próprios.
Esta fortuna, que lhe era devida por ser filha de quem foi, fez com que o irmão, João III não visse com bons olhos o seu casamento com os maiores príncipes da Europa, que a cobiçavam, como foi o caso do próprio Filipe II, depois de enviuvar da "Bloody Mary", e Maximiliano II, mais tarde Imperador do Sacro Império. Também esteve para ser casada com Francisco de Valois, grande Delfim de França e Filipe Valois, duque de Orleães, mas estes morreram demasiado cedo, talvez por bem para a infanta, que sei eu?
O próprio Camões (assim mo assegurava o meu antigo professor de Português, na altura com uma edição comentada dos Lusíadas, manual utilizado, à época, nos liceus portugueses) perece ter lançado os olhos a esta infanta, o que parece ter-lhe valido passagem pelas cadeias portuguesas.
Perde-se o número a todas as obras que mandou realizar a suas expensas, sendo uma delas o núcleo da Luz, onde, afinal, está sepultada.
As imagens que se guardam dela (as antigas notas de 50$00 ostentavam a sua imagem) mostram uma mulher morena, que, sem ser de uma beleza daquelas estonteantes, emana uma distinção notável, uma fronte alta, uns olhos que parecem brilhar de inteligência (talvez seja eu a ver mais que aquilo que me é dado, que me seja perdoado em prol da admiração que nutro!) e uma elegância e sobriedade que a distinguem.
Já perorei o suficiente em prol da Senhora Infanta D. Maria, apesar de nunca me cansar de o fazer!
Manel
Manel
ResponderEliminarQuando uma pessoa começa uma história há não sei quantos fios pelos quais se pode optar. Quando começo um post, por vezes hesito por onde seguir, embora tenha sempre tendência a fixar-me num determinado rumo. Deixo à Maria Isabel a tarefa de partir e explorar as outras direcções possíveis.
A D. Maria era realmente um rumo interessante a seguir. Recordo-me perfeitamente desse boato da história da literatura, acerca de um eventual romance com o Camões, que ainda que possa não ser verdade, só acrescenta encanto e mistério à personalidade de D. Maria. O Camões deveria ser um homem bonito, talentoso, que cativaria certamente uma mulher distinta e culta como a D. Maria.
Olá Luís
ResponderEliminarDepois do meu fim de semana com ponte, perdi-me por serras de Ansião, embora acompanhada, perco metade do fôlego...também da chuva imprevista que me cortou a subida à serra de Nexebra. Fiquei chateada.
Que saudades sentia da leitura enciclopédica viva do Manel...adorei!
Fascinante, quando vejo falarem eloquentemente dos vossos professores, mal de mim, eu só tive um professor digno de lembrança o Dr Prates Miguel de Montargil...mas nunca me falou dos amores do Camões!
Essa desconhecia por completo, também partilho a ideia que seria um homem galante, alto,sensual, um sedutor!
Afinal não dizem que nasceu em Constança? terra onde os romanos passaram navegando nos rios Tejo e Zêzere, será ele descendente de tal gente, a imaginar pela formosura, um poeta, qual a mulher que resiste a versos lindos ditos em voz sôfrega de paixão?
Até eu, seria presa fácil para um Camões!
Partilho os vossos gostos de percorrer a nossa Lisboa, seja pelas ruelas, becos onde não passam carros, também olho e fico a pensar como teria sido tudo aquilo no passado, a opulência,esplendor de ferros forjados, azulejaria, cantarias trabalhadas, grandes portais,jardins...
O que eu gostaria de ter vivido nessa época, de ser marquesa!
Tenho laivos de monarquia, mas sou republicana.Sou mais pela igualdade de direitos e deveres, mas, adoro castelos, palácios, solares, casas brasonadas...
Desde que a minha filha mora em Alfama percorreio aquelas ruelas até à feira da ladra numa de sobe escadinhas e ruelas, depois tudo outra vez de volta, deslumbre sentir palácios em degradação, uns fechados à espera de restauro outros a funcionar com colectividades...tanta riqueza a perder-se ...tanta!
Esqueço-me da máquina, opto por malas pequenas,confesso tenho perdido oportunidades de boas fotos como esta que nos delicia
O Luís é um homem de gosto apurado e mui oportuno!
Beijos
Isabel
Cara Isabel
ResponderEliminarTambém concordo que o Camões deveria ser de facto um tipo arrebatador, o contrário da personalidade do antipático do Saramago.
Sabe, que comprei uma máquina fotográfica digital especialmente por causa do blog. E o mais curioso é que eu nunca liguei a fotografia, nem o rolo sabia tirar da câmara, tomei-lhe agora o gosto e ando sempre com a máquina na mochila, pronta a disparar e até já consigo umas fotografias razoáveis, embora a maioria delas sejam tratadas posteriormente
Abraço
Luís
Luís
ResponderEliminarTanto quanto me lembro nesse convento tinham assento as filhas ou viúvas de condecorados com a Comenda de Aviz.
Cada uma tinha um "apartamento" decorado com mobiliário trazido pela própria e frequentemente levavam uma criada para as servir! A minha avó, esteve para ingressar quando a sua situação económica se complicou com algumas "confiscações" e desvalorizações de títulos públicos que o Salazar fez para equilibrar as finanças nacionais. Não me lembro de mais detalhes excepto da descrição dessa cerimonia anual que referes (e que corroboro). Entretanto a saúde da minha avó deteriorou-se e o seu ingresso não se concretizou.
Abraço
António
Obrigado pelo teu comentário, Caro António, que acrescentou mais um dado interessante ao conteúdo do post.
ResponderEliminarAs memórias fazem-se da colagem de pequenos fragmentos
Abraços
boa noite, realmente posso confirmar que esta cerimonia decorre uma vez por ano, dentro dos moldes já mencionados,
ResponderEliminarhoje o convento funciona como parte integrante dos recolhimentos da capital, existindo neste convento em particular cerca de 50 pessoas idosas, distribuidas pelos seus domicilios, lar e enfermaria, a igreja é muito bonita e muito rica, diz-se que a segunda mais rica de portugal, depois de a de S. roque, visto que quando as viuvas e esposas dos militares tinham de oferecer uma determinada quantia em prata que não sei precisar, parte dela usada na construção do altar.
eu trabalho neste convento,
cumprimentos
Cara Anónima
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário. Trabalha num sítio estupendo. Só é pena que a vossa direcção não abra o edifício ao público, pelo menos uma vez por semana, ou uma vez por mês, nem que fosse com um esquema de visitas guiadas. Muita gente, inclusive eu, gostaria de conhecer um espaço, que acredito ser dos mais bonitos de Lisboa.
Um abraço e volte sempre
Há muitos anos que existem visitas guiadas, não só ao Convento da Encarnação como a outros conventos que fazem parte da Instituição, de nome Recolhimentos da Capital, desde que autorizadas previamente. Por outro lado não confundam a igreja com o convento. A igreja tem uma direcção diferente e é gerida pela irmandade das escravas do santíssimo sacramento a quem deve ser solicitada autorização para a poder visitar. Não é fácil obter essa autorização por motivos que me escuso, por razões óbvias, a descrever.
EliminarOs Recolhimentos estão actualmente a ser geridos pela SCML, com quem o Estado português celebrou um acordo de gestão, há cerca de 3 anos.
Muito mais haveria a dizer mas fico-me por aqui.
Resolvi responder sobretudo devido ao facto de se afirmar que o edifício não é aberto ao público.
Só uma nota final para afirmar que se trata de um convento fantástico e a igreja é simplesmente espantosa, devido a sua riqueza imensa.
Posso dizer que conheço todos os recantos dos espaços que referi.
Cumprimentos.
Caro Anónimo ou Anónima
ResponderEliminarMuito obrigado pelos seus esclarecimentos.
Em todo o caso, continuo a achar o processo de visita a este monumento uma coisa meia obscura. Há que telefonar ainda não percebi bem para quem, falar com não sei quem, provavelmente duas entidades diferentes e combinar sabe-se lá para que dia.
Com as facilidades da internet, o que é que custava colocar num blog ou no face book um nome, um nº telefónico e um e-mail para marcar as visitas ao convento da Encarnação!!!???
Os amantes das artes agradeciam e nem se importariam de contribuir com algum dinheiro para uma causa social
Mais uma vez obrigado e um abraço
Tem parcialmente razão. Digo parcialmente porque a Igreja está aberta ao público aos Domingos, para culto. Também, creio, `nas primeiras sextas feiras do mês tem missa vespertina. Já lá entrei numa ocasião em que uma celebração foi divulgada com antecedência e foi seguida de uma curta visita. Há muitos monumentos onde é mais difícil entrar. Quanto ao recolhimento remeto para a nota acima. Agora um ponto que me parece muito importante: a proibição de acesso aos automóveis que no caso de um incêndio ocorrido há poucos anos no recolhimento tiveram dificuldade em lá chegar. E mesmo que não fosse por isso é pura e simplesmente inestético um recante como o largo em frente ao convento estar estragado por essas horríveis máquinas. As distintas Senhoras que lá vão uma vez por ano vão na sua maioria (senão totalidade) a pé. E não andam muito o Convento está a três ou quatro minutos do Rossio. José António Rodrigues
EliminarCaro José António Rodrigues
EliminarObrigado pelo seu comentário.
Tem toda a razão quanto aos automóveis. Como disse no blog, moro numa ruela ai ao lado, também pejada de carros e ainda há pouco conversei com um bombeiro, que me afirmou que se houver ali um incêndio, morremos todos queimados, porque os carros de bombeiros não conseguirão entrar. E olhe que a Polícia nunca para ali vai multar carros nem reboca-los. Não lhes dá jeito, pois não podem estacionar os seus próprios automóveis...
A Polícia prefere multar lá mais para cima, na rua do Instituto Bacteriológico, que seria o local mais natural para os moradores da área aparcarem os seus carros, sem prejudicar o trânsito, nem dificultarem o trabalho dos bombeiros. Mas nessa zona, a inefável EMEL e a Polícia competem em zelo para tramar a vida ao cidadão.
Um abraço
Enfim, não vou telefonar para o nº geral da Misericórdia a pedir para marcar uma visita ao Convento da Encarnação. Nunca mais me safava
ResponderEliminar"Com as facilidades da internet" é facílimo enviar um mail a solicitar autorização! Ou não?
EliminarCumprimentos