Antigamente as pessoas homenageavam os mortos, visitando regularmente os cemitérios, depositando flores nas campas, rezando pelas almas dos que estavam no céu ou pagando a um padre para rezar missas. Hoje, já não temos crença em nada e os nossos mortos estão enterrados longe, nas aldeias de onde partimos ou em cemitérios impessoais nas grandes cidades.
No entanto, dentro de nós, permanece a necessidade inconsciente de homenagear os mortos e talvez a forma moderna de continuar a prestar esse culto ancestral aos que já partiram seja através da estima aos objectos, que eles nos deixaram em herança, ou através das fotografias antigas com as quais podemos povoar as nossas casas.
No entanto, dentro de nós, permanece a necessidade inconsciente de homenagear os mortos e talvez a forma moderna de continuar a prestar esse culto ancestral aos que já partiram seja através da estima aos objectos, que eles nos deixaram em herança, ou através das fotografias antigas com as quais podemos povoar as nossas casas.
Toda esta reflexão um pouco macabra, vem a propósito de um boião em faiança do creme de beleza nº 2 da Thaber, que a minha avó paterna, Maria do Espírito Santo Montalvão Cunha me deu ainda em vida. Na altura, a minha avó, ou a Mimi como nós os netos lhe chamávamos, ter-me á dito que era um creme em voga na juventude dela e por consequência é provável que date de antes da guerra. Com efeito, a partir de 1945 o plástico invadiu a Europa a partir dos Estados Unidos e todos estes produtos de cosmética passaram a ser vendidos nesse material novo. Mas, em todo o caso não tenho a certeza sobre a época exacta em que foi a embalagem fabricada.
A Mimi em 1930, em Cabo Verde
Esta pequena embalagem não é uma peça de grande qualidade, mas quando olho para ela gosto de imaginar a Mimi ainda jovem, sempre elegante a tratar da sua pele com o creme que alguém lhe trouxera Lisboa e as fotografias dela, dessa época ganham vida e brilho.
A minha avó morreu, mas não sei qual foi o destino da Thaber. Nos anos 50, 60 e princípios dos 70, a Thaber ainda estava activa e mandava publicar muitos anúncios na imprensa dita feminina usando as estrelas da época, como a Amália Rodriges ou a Irene Cruz. As suas instalações eram aqui em Lisboa, na Rua António Serpa, 17-19
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Luís
ResponderEliminarNada melhor para me acalmar hoje, que acordei com os azeites do que falar docemente da Mimi...
Linda, era muito elegante, moderna, sedutora nas múltiplas formas de estar, seja na troca das pernas, no olhar sereno e doce, seja no remate fabuloso da flor no ombro a lembrar uma dália, o decote em bico, os folhos da saia do vestido, a pulseira, o anel no dedo do meio...
Tanto glamur já naquela época, que dizer dos cuidados com a pele...pois eu só vi a minha mãe usar cremes, antes dela ninguém os usava, vinham de Lisboa e Coimbra por encomenda.
Inegável é dizer que até eu sensível gostaria de ter tido assim uma avó...tive a paterna, quase...descendência fenícia mais de 1,8o, cabelos negros até aos pés,pele branca e olhos grandes, a mais bonita de todas as irmãs e de mãos muito prendada, não foi feliz, embruteceu com o casamento arranjado, pior senti nela os desgostos,a solidão o desamor...
Há o canapé com as almofadas bordadas com um casal , ramagens e julgo um verso naquela de imitar um "Lenço dos Namorados" tão típico aí do norte...ou pelo menos a mim me deleitou só de julgar tal...
Sabe que este pose da Mimi me faz lembrar muito de si, da sua própria silhueta, enigmática?
Ah pois é!
Beijos,com melhoras rápidas da gripe
Isabel
Obrigado pelo seu comentário, Cara Maria Isabel
ResponderEliminarO Post de hoje saiu cheio de gralhas pois o corrector ortográfico do meu pc anda em greve de zelo e com esta gripe sai tudo gatado.
A última fotografia da Mimi foi tirada num estúdio e o canapé e as almofadas faziam parte da encenação do fotografo. Há outras fotografias de família no mesmo cenário.
A Mimi era de facto uma mulher elegante. Não herdei muitos traços fisinómicos dela, sou mais o lado materno, mas é curiosa a sua observação.
Hoje estou muito nostálgica, deve ser do tempo outonal... e também da percepção, mais aguda nuns dias do q noutros, da inexorável passagem do tempo, o outro tempo...
ResponderEliminarTambém eu acho q a melhor forma de prestar homenagem aos nossos mortos é assim, a acarinhar objectos q lhes pertenceram, a mostrar as suas fotografias, a contar episódios da sua vida, afinal a não deixar q caiam no esquecimento. Mas também gosto de ir deixar flores nas campas; é um miminho q lhes dou, apesar de saber q já não está ali nada a não ser uma lembrança. Ainda tenho os meus pais vivos, felizmente, mas lembro-me muito dos meus avós, q conheci todos.
O Luís não deixa morrer em definitivo a sua avó Mimi, nem os outros familiares de q tem aqui falado e mostrado fotos. Acho tão triste ver montes de fotografias à venda nas feiras de velharias de pessoas q não têm ninguèm q as reconheça, q as recorde...
Ao olhar para aquelas fotografias da sua avó, tão jovem e bonita, penso em mim própria naquela idade e afinal já vou ser avó no próximo mês de Janeiro.
O tempo, esse tempo q corre cada vez mais depressa e não pára...
Enfim, isto passa-me...
Um abraço
Maria A.
Quando escreves sobre a tua avó ficas algo intimista, até nostálgico, o que é uma forma bonita de recordar quem foi e assim fazer perdurar a sua memória.
ResponderEliminarFisionomicamente fazes-me lembrar mais o teu lado materno, é verdade.
Gostei muito do comentário da Maria Isabel, sobretudo como é observadora, pois não tinha dado conta do anel.
Manel
Cara Maria Andrade.
ResponderEliminarVai ser avó? Imagine que eu pensava que tivesse trinta e poucos anos e fosse mãe de filhos pequenos. A net é sempre uma fonte de equívocos.
Também se me aperta a alma, quando vejo dúzias e dúzias de fotografias antigas nas feiras de velharias, algumas com 100 ou quase 150 anos. Imagens tão estimadas no seu tempo, emolduradas ricamente e agora acabam ali, sem ninguém lhes ligar nada.
Embora, já me tenham dito, que há quem coleccione fotografias antigas e compre os retratos de estranhos. Não percebo porquê, mas, cada um colecciona o que quer.
Há uns tempos comprei uma moldura antiga, do início do Século XX, para a pôr uma fotografia grande da minha filha. Tinha lá dentro o retrato de um senhor de grandes bigodes vestido à moda de 1900. Resolvi aproveita-lo para servir de passe partout à fotografia minha filha. Quando abri a moldura, para limpar a madeira e o vidro, descobri que havia uma outra fotografia lá escondida, de um menino gorducho, vestido à maruja.Não tive coragem de me desfazer daquelas personalidade todas e coloquei a minha filha Carminho por cima do senhor de Bigodes, que por sua vez se sobrepôs ao garoto vestido à maruja. Daqui a 100 anos, quando algum dos meus descendentes abrir outra vez a moldura vai ficar completamente intrigado com esta arquelogia de fotos. Este é um bom assunto para outro post
Abraço,
Obrigado, pelo teu comentário Manel
ResponderEliminarA vantagem de este bolg não ter pretensões académicas é que por vezes podemos escrever de uma foma sentimental e um pouco mais literária sobre os objectos. A Isabel é de facto observadora. Eu para descobrir o anel, tenho quase que colar o nariz ao computador, mas ele lá está!
Luís
ResponderEliminarA última fotografia da sua avó Mimi de imediato me transportou para os loucos anos vinte. O vestido de tecido leve e cinta descida, os sapatos de presilha, as meias claras, o fantástico adorno que colocou sobre o ombro direito, enfim, quase que podemos imaginá-la dançando o Charlston. Caso, esta fotografia fosse tirada num ambiente mundano, certamente ela ostentaria um belíssimo e longo colar de pérolas, acessório marcante daquela época.
Como são as conversas Luís! A propósito do boião de creme que lhe foi oferecido pela sua avó, divaguei eu para aqui, sobre uma época que me fascina, e da qual, ouvi muito a minha avó materna falar.
Um abraço
Sou neto da fundadora do THABER. Vi no "Coisas Leilões" que tem o boião à venda e estou interessado na sua compra. Deixo-lhe aqui o meu mail para me contactar sff e combinarmos a transacção. Obrigado. ac_nuno@hotmail.com
ResponderEliminarCumprimentos
Nuno Caetano
Caro Nuno
ResponderEliminarDeve haver um qualquer equívoco, pois nunca coloquei à venda este boião, que tem um valor de culto para mim.
Em todo o caso é uma honra ter no meu blog um descendente da fundadora da Thaber.
Um abraço
Os produtos de beleza Thaber foram criados por Bertha Rosa lipmo, nome que associamos ao Livro de pantagruel, com ou sem os seus filhos Manuela Caetano e Jorge Brum do Canto. Este ultimo foi realizador cinematográfico.
ResponderEliminarCaro Francisco Carvalho
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário. Recentemente fui contactado pelo Museu de Sacavém onde me deram essa informação e pediram-me emprestada esta peça para uma exposição. Depois da inauguração desta, penso fazer um novo post sobre este tema, com os dados novos que o Museu de Sacavém encontrou sobre o boião da fábrica de Bertha Rosa Limpo. Só ainda não o fiz, para não estragar o efeito surpresa da exposição.