quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A pequena Adelaide (1894-1969)


Olho vezes repetidas para esta fotografia da minha avó. Tenho sempre a impressão que se trata de uma fotografia da minha mãe, vestida com trajes do início do século. Há semelhanças muito evidentes entre as duas. O mesmo cabelo claro, o mesmo queixo e a mesma expressão.

A minha avó teria nesta fotografia uns 10 anos. Era uma menina. A mesma idade que a minha filha Maria do Carmo tem agora e com a qual também se assemelha.

A minha avó morreu em 1969 e eu mal me recordo dela. A minha mãe, que está agora num lenta caminhada para a morte, chama muitas vezes pela mãe, que é esta menina da fotografia. A Carminho nem faz a menor ideia de quem foi esta avô Adelaide e já não se recorda da minha mãe como uma personalidade activa.

É a inevitável marcha do tempo. Ao fim de três gerações, avó, mãe, filho, a memória dos antepassados desaparece. Talvez seja por isso, que escrevo este blog, para tentar fixar as memórias familiares e travar o tempo, ainda que inutilmente.

Mas esta menina tão bonita, com um vestido janota e um grande laçarote, morta há muito tempo, continua ainda a exercer o seu fascínio. Foi certamente um dia especial na sua vida, pois tirar o retrato era uma coisa rara, naquele tempo, ainda para mais no Emílio Biel, o fotógrafo da Casa Real!


Julgo que se terá deslocado ao Porto, para fazer esta fotografia, pois o Emílio Biel não faria certamente as feiras no interior do País como os outros fotógrafos, tirando os retratos dos lavradores abastados. O Emílio Biel era dono de um atelier no Palácio do Conde do Bolhão, na Rua Formosa e era um fotógrafo de primeira categoria. Tinha vindo da Alemanha para Portugal em 1860, na comitiva do Rei D. Fernando e foi um tipo todo empreendedor, que se dedicou a tipografia, introduziu a luz eléctrica e o telefone no Porto e tinha o estúdio fotográfico mais célebre de todo o Norte de Portugal.




Não sei exactamente se a fotografia, foi o principal pretexto para a viagem da Adelaide maria ao Porto, ou se veio acompanhar o pai nalguma viagem para tratar de assuntos oficiais.

Mas essa viagem de Vinhais para o Porto, terá ocorrido por volta de 1904 ou 1905 e terá sido feita de carruagem, ou mesmo a cavalo, pois o comboio só chegava até à Régua. Ficou talvez alojada nalgum daqueles pequenos hotéis, com elevador, que estavam a ser construídos no Porto e a menina deve ter sentido um misto de medo e excitação ao entrar pela primeira vez no ascensor. Aliás, conta-se na família, que o pai dela, uns anos antes, quando foi ao Porto e foi conduzido ao elevador pelo criado, se recusou a entrar, dizendo que não queria ficar com aquele quarto tão pequeno e sem janela.


Depois da excitação da viagem a cavalo, do hotel com elevador e da visita à grande cidade do Porto foi tirar esta fotografia ao Emílio Biel, com as suas melhores roupas e a imagem desse dia especial, em que nos fixa com os seus olhos azuis límpidos ficou imobilizada no pedaço de cartão duro, que aqui reproduzo.

6 comentários:

  1. Um belo texto ,Luís !...Nele nos mostra quão efémeros podemos ser. No entanto ,não creio que tal suceda com a sua avó ,ela vai permanecer na memória da família através do élo que o Luís está a criar ao narrar tudo isto à sua filha .Sei quão doloroso é vermos nossa mãe assim ,partindo lentamente no meio do sofrimento .Desejo-lhe muita força e digo-lhe que no futuro bendizirá todos os segundos que lhe pode dedicar .
    Ab.
    Quina

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  2. Mais um dos teus posts intimistas, onde sabes perfeitamente como lidar com sentimentos e sensibilidades.
    Olhando bem para esta tua avó nota-se efetivamente que a Maria do Carmo apresenta um certo ar de família com ela, pois, sabe-se lá como (as leis da genética são inponderáveis), ela apresenta mais parecenças com este teu lado.
    São as gerações que se substituem, mas continuam a perdurar pelo tempo, seguindo traços comuns.
    Será que este teu lado familiar também teria o sentido de observação admirável que tem a Maria do Carmo? Ou mesmo a sua queda artística?Sei que eram pessoas prendadas e dadas aos lavores femininos, mas ... e mais?
    Enfim, a esta distância, já vai sendo difícil responder a estas questões, ainda que o seja possível, pois deverá haver uma memória familiar recente.
    Muito bonito este teu post
    Manel

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  3. Quina

    Obrigado pelas suas palavras simpáticas e por ter paciência para me ler. Creio que os seres humanos tentam sempre travar esta batalha contra o esquecimento através da história, que mais nãó é do que uma forma intelectualizada do antigo culto dos mortos.

    Abraços

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  4. Manel.

    Julgo que também te tenho a agradecer a paciência que tens para leres estas coisas que escrevo sobre a minha família e que mais não são que o meu medo do esquecimento ou o meu receio que as memórias se esbatam cada vez mais.

    Desta minha avô sei que era uma leitora voraz e tudo que lhe viesse parar à mão ela lia, fossem jornais, romances, livros piedosos ou revistas. Também teve a sorte de ter uma filha mais velha que rapidamente se encarregou de tratar dos filhos mais novos. Era também habilidosa nos lavores femininos e pintava umas flores sobre seda, que serviam como passe-partouts de fotografias.

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  5. Sabe, Luís, ao lermos os seus textos, não se trata de ter paciência, longe disso, trata-se sim de usufruir de um prazer partilhado.
    Tal como o Manel, encontro muita beleza neste post – a beleza cândida da menina que veio a ser sua avó, a beleza das palavras adequadas, a beleza dos sentimentos contidos…
    E sempre a construção de uma história que nos prende, que achamos interessante…
    Por mim, pode e deve continuar! (mesmo que eu ande com pouco tempo para vir aqui) :(
    Um abraço

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  6. Maria Andrade

    Ando um grande grossseirão que nem respondo às pessoas aqui no blog, mas de vez em quando fico sem tempo.

    Dá-me um certo prazer escrever estas pequenas histórias. Julgo que aqui me vingo de todas as redacções parvas que fiz durante toda a escolaridade acerca de temas que me eram impostos e não me interessavasm para nada. No blog tenho esta liberdade de escrever acerca do que me interessa e os sentimentos que as fotografias antigas me despertam é um tema tocante e uma forma de não deixar as memórias morrer.

    Abraços

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