A nossa amiga, a seguidora misteriosa, a propósito do Santo António em barro que aqui apresentei, enviou-me a imagem de uma cabeça de um cristo em Terracota, que me deixou emocionado. Pedi-lhe autorização para falar desta peça da sua colecção aqui no blog, embora não soubesse nada sobre escultura em barro ou sobre o significado iconográfico da obra, pois há tantas e tantas representações de Cristo. Enfim, mais de metade da arte cristã ao longo de uns bons 18 ou 20 séculos anda à volta da figura do nazareno.
Tentei ler alguma coisa sobre a escultura de barro em Portugal, mas pouco ou nada encontrei. Houve uma grande escola de barristas em Alcobaça nos séculos XVII e XVIII, que floresceu com o patrocínio do mosteiro. O barro abundava naquela região e era mais barato que a madeira, para não falar da pedra. Para além disso, era fácil de trabalhar. Mas pouco mais encontrei que isto. A cabeça deste Cristo continuava a olhar para mim, com o sorriso enigmático de escultura arcaica grega, sem me revelar nada de onde tinha sido feita ou o que representava.
Intrigava-me a coroa de espinhos, com umas perfurações que pareciam feitas por uma broca, muito usada na escultura durante toda a antiguidade, o trépano, até que uma colega de emprego me chamou a atenção, dizendo-me que esses furinhos originalmente deveriam ter encaixados espinhos em madeira, que confeririam à coroa um ar absolutamente real.
Mas em todo o caso, continuava sem material para escrever fosse o que fosse no blog, até que na passada segunda-feira, fiz a uma visita guiada à exposição de escultura espanhola no Museu Nacional de Arte Antiga, Cuerpos de Dolor, e quando o conservador se deteve a falar diante de um busto lindíssimo de um Cristo, fez-se luz no meu espírito.
Ecce Homo de Pedro de Mena. Museo Nacional de Escultura, Valhadolid |
Esta cabeça era certamente o fragmento de uma representação de Cristo, que ficou conhecida pela expressão latina Ecce homo e que em Porugal é vulgarmente denominada Senhor da Cana Verde. Segundo o Evangelho de S. João Ecce homo foram as palavras pronunciadas por Pôncio Pilatos, quando apresentou Jesus de Nazaré, flagelado, atado e com a coroa de espinhos perante a multidão hostil, para que esta tomasse a decisão final de o condenar ou não. Portanto, o tema Ecce homo representa sempre o Cristo em sofrimento. No entanto esta escultura da nossa amiga, mostra um Jesus, com um meio sorriso, talvez indulgente, como que estando a pensar, perdoai-lhe, pai.
Não sou católico, mas o valor moral do perdão que o Cristianismo introduziu na cultura ocidental sempre me pareceu altamente meritório. Desculpem-me as considerações morais, pois não são de e todo o objectivo deste blog, mas por vezes a arte sugestiona-nos tanto, que nos conduz a reflexões sobre a ética e a moral.
É uma bela escultura da cabeça de Cristo em terracota e para mim seria apenas isso, uma peça muito bela mas sem história. Mas mais uma vez o Luís, qual detetive, quis saber mais, andou a procurar ligações, a fazer analogias, e acabou por dar uma identidade iconográfica à peça.
ResponderEliminarNisto o Luís está insuperável! Até conseguiu saber que aqueles furos teriam tido espinhos de madeira originalmente! (o meio em que circula também é privilegiado!)
Os meus parabéns à sua seguidora misteriosa por mais este belo exemplar da sua coleção e obrigada pela partilha.
Abraços
Maria Andrade
ResponderEliminarA Seguidora Misteriosa alimenta generosamente estes nossos blogues e lança-nos uns desafios muito interessantes, que são descobrirmos qualquer coisas sobre as peças.
Sobre este Cristo gostaria de ter conseguido saber mais sobre ele. Julgo que com tanto barro que há em Portugal deve ter havido mais centros de produção de escultura em terracota para além de Alcobaça. Também não consegui identificar a época. Julgo que só cheguei a descortinar o signifivado iconográfico e mesmo assim tenho dúvidas, mas em todo o caso não consegui resistir a publicar esta cabeça no blog, mesmo correndo o risco de escrever pouco fundamentado sobre ele.
Abraços
Sabe, Luís, eu também tenho dúvidas em relação a este fragmento ser parte de um Ecce Homo. É que o Cristo está de olhos fechados e por isso eu vejo-o mais numa cena de calvário.
ResponderEliminarMas há sempre várias hipóteses em aberto e valeu bem a pena mostrar a peça.
Boa semana de trabalho.
Luis,
ResponderEliminarEfectivamente trata-se de uma belíssima peça, de altíssima qualidade. Tal como na arte do Clacissismo Grego, também a arte sacra mantém toda a beleza e dignidade mesmo quando mutilada ou fragmentada, não só do ponto de vista místico, mas também enquanto obra de arte.
Parecendo-me que se trata de uma peça situada entre os séculos XVII e XVIII, também considero que poderia tratar-se da representação de Cristo perante o Povo de Jerusalém (Ecce Homo), com os símbolos do martírio, coroa de espinhos, mando e cana (invocaria de forma jucosa os símbolos da realeza atribuida a Jesus, coroa, manto púrpura e ceptro reais). Uma vez que se trata de uma imagem de Cristo com os olhos abertos (a imagem teria policromia originalmente o que daria uma outra perspectiva da obra) também poderia ser um Cristo em Magestade ou ainda um Cristo a carregar a Cruz.
Abraço
C.
O C. tem razão, o Cristo tem os olhos abertos, mas a falta de côr induziu-me em erro.
ResponderEliminarRetiro o que disse no comentário anterior...
Caro C
ResponderEliminarObrigado pelas suas achegas acerca do significado desta representação. De facto, esta cabeça poderia pertencer a um dos vários passos de Cristo, mas em termos intuitivos inclino-me mais para o Ecce Homo. Quanto a ser um Cristo em Magestade, só tenho na cabeça as imagens medievais do Cristo entronizado, que é apresentado sem a coroa de espinhos. Mas realmente, só com este fragmento é complicado afirmar com segurança que momento do martírio de Cristo ele representa.
Realmente a cor nos olhos deveria dar uma expressão muito diferente ao Cristo
Abraço
Olá Luís
ResponderEliminarFiquei estupefacta com este busto em terracota. Parece vivo!
Exala uma beleza rara, o escultor que o produziu seria um mestre:idolatrou-lhe uma boca sedutora, nariz fino bem delineado ,farto cabelo, barba e coroa de espinhos bem proporcionada, obra excepcional a rivalizar as belas estátuas de mármore gregas e romanas, e no entanto trata-se de um Cristo!Coisa que me deixa a pensar, será que o mestre foi uma mulher?? Tinha sensibilidade apurada, disso não resta dúvida!
Parabéns à sua dona.
E a si que nos presenteou com esta magnifica peça de arte sacra.
Bjs
Isabel
Adorei este Cristo em terracota . Transmite-nos paz ,até mesmo amor ,a tal mensagem que o cristianismo nos legou .
ResponderEliminarAproveito este ambiente para lhe desejar um feliz Natal ,assim como a todos os seus
Ab.
Quina
Cara Quina
ResponderEliminarUm feliz Natal também para si
Maria Isabel
ResponderEliminarHouve várias mulheres artistas na nossa história, a Josefa de Óbidos, a Aurélia de Sousa e ainda há pouco tempo li que nas oficinas lisboetas de cerâmica do século XVII, as pintoras eram sobretudo mulheres.
Talvez tenha havido também ceramistas.
Beijos
Boa Tarde Amigo
ResponderEliminarTenho uma figura em Terracota para vender.
contacto:mjsm1689@gmail.com
Cumps,
Miguel