Uma das seguidoras deste blog, uma coleccionadora de coisas antigas e boas, normalmente designada por Seguidora Misteriosa, teve a gentileza de me enviar um desenho assinado pelo célebre gravador italiano Francesco Bartolozzi (1725–1815).
Fiquei muito excitado com a ideia de poder escrever sobre um desenho original de Bartolozzi, o célebre gravador italiano, que se radicou em Portugal e fui tentar informar-me um pouco sobre a obra deste homem e descobri, que talvez o desenho não seja tão original como à primeira vista parece.
Segundo o catálogo da exposição Francesco Bartolozzi: desenhos de um gravador. – Lisboa: IPM, 1996, cujas informações me serviram para alinhavar este texto, Bartolozzi não era propriamente um grande criador, como o foram um Leonardo da Vinci, um Amadeo Souza Cardozo, ou um Georges Latour. Bartolozzi é um antes de mais nada um gravador, isto é, um artista que se limita a interpretar a obra de outrem.
Portanto, Bartolozzi limitou-se a gravar a obra de grandes artistas do seu tempo, como o inglês Joshua Reynolds ou os portugueses, Domingos Sequeira, Francisco Vieira Portuense ou ainda o italiano Pellegrini.
Contudo, traduzir é trair e o artista italiano ao interpretar a obra de grandes pintores dava-lhes o seu cunho pessoal e usando técnicas de gravuras muito inovadoras, como o puntinato (em português ponteado), que permitia uma distribuição subtil das cores, conseguia resultados, que eram diferentes dos originais.
Thomas More por Holbein e gravado por Bartolozzi |
Bartolozzi é também um homem com uma produção muitíssimo abundante. São conhecidas mais de 2.500 gravuras assinadas por ele, feitas a partir da obra de 360 artistas diferentes.
Mas então se este homem copiava ou reinterpretava os originais de grandes artistas como se justifica a existência de este desenho com um traço delicado, representando um Cristo, assinado por ele?
Apesar de ser um gravador de tradução, Bartolozzi era um desenhador extremamente hábil, qualidade que tinha a ver com a sua técnica de trabalho. Com efeito, raramente abria uma obra a partir do original. Passava sempre a papel o desenho das obras a serem gravadas, o que lhe permitia a apreensão plena do espírito do seu autor. Por essa razão se conservam por todo o lado muitíssimos desenhos de Bartolozzi, copiados a partir de desenhos ou pinturas de artistas consagrados.
Julgo que este belo desenho da nossa Seguidora Misteriosa se trata de uma dessas cópias preparatórias, que Bartolozzi fazia antes de abrir a gravura.
Quanto à sua datação, arrisco a data-la entre 1808 e 1815. Em 1802, Bartolozzi chegou a Portugal com um belíssimo estatuto, foi nomeado director da aula de gravura, frequentava a corte e recebia boas encomendas. Porém, com a chegada dos invasores franceses e a fuga da corte para o Rio de Janeiro, Portugal entrou numa situação económica terrível e as boas encomendas acabaram. Para sobreviver, Bartolozzi dedicou-se aos temas religiosos, que apesar da crise tinham sempre público. Executou gravuras para missais e outros livros litúrgicos, como por exemplo, para o Missale romanum de 1820, publicado já depois da sua morte de 1820 e terá também se dedicado aos registos de santos como o Senhor Jesus da Consolação de 1808.
Missale romanum de 1820, com estampas de Bartolozzi. Biblioteca do Museu Nacional de Arte Antiga |
Mais um post muito interessante, Luís, e mais uma vez também graças à inestimável colaboração da Seguidora Misteriosa.
ResponderEliminarGostei muito de ver este desenho do Cristo assinado por Bartollozzi e também as imagens dos outros trabalhos dele que aqui acrescentou.
Deve estar lembrado que dediquei um post a Bartollozzi há pouco mais de um ano e considero os dois posts, este seu e o meu, muito complementares.
Aqui não refere a carreira brilhante deste gravador em Inglaterra, onde viveu e trabalhou durante 40 anos, a maioria deles ao serviço do rei George III, e onde foi contactado para vir para Portugal, mas refere o tipo de trabalho que ele cá desenvolveu mais a partir de 1808, e aspetos técnicos que não me ocorreriam, como o trabalho de desenhar e de passar o desenho para a placa de cobre e as considerações acerca da traição ao trabalho original que necessariamente tem lugar ao ser interpretado pelo gravador.
“Traduttore, Tradittore” é uma máxima que sempre se usava e explicava nas aulas de Técnicas de Tradução, mas nunca tinha pensado nela em relação ao trabalho dos gravadores...
Segundo a minha principal fonte para esse post de Janeiro de 2011, “Francesco Bartollozzi, R.A. - A biographical sketch”, sobretudo no período em que ele trabalhou na oficina de Wagner, em Veneza, dedicou-se também à produção de desenhos originais e revelava muita mestria no desenho de corpos, sobretudo de figuras clássicas. Tinha aprendido desenho na juventude com um artista inglês nascido na Flandres e desenvolveu muito essa vertente artística.
Por isso, este desenho deve ser mesmo um original dele, embora talvez dum período muito mais tardio, já da fase da vida em Portugal.
Deu-me muito prazer revisitar Bartollozzi e acho que são estas trocas de ideias e de conhecimentos que nos vão enriquecendo e proporcionando uma abrangência cada vez maior destes assuntos.
Um abraço e bom fim de semana
Maria Andrade
ResponderEliminarRecordo-me perfeitamente do seu post sobre Bartolozzi. Confesso-lhe até que pouco ou nada sabia dele antes de ler o seu post. Depois de disso passei-me a interessar-me por este artista italiano e comecei a perceber as influências do trabalho dele junto dos gravadores portugueses, através de estampas minhas e do Manel.
Depois surgiu este desenho enviado pela seguidora misteriosa e foi a oportunidade para perceber melhor o que era um gravador, uma espécie de tradutor, condenado a seguir e adaptar um original, mas imprimindo qualquer coisa de novo na obra.
Sabe uma coisa? no fundo estes blogs são como aqueles romances do século XIX feitos a meias por dois escritores. Um faz um capítulo, o outro continua-o e depois o primeiro volta a apanhar novamente a história e assim sucessivamente.
Bjos
Olá luís!
ResponderEliminarFiquei encantado mais uma vez com o seu post e hoje particularmente porque sobre Bartolozzi.
Já agora, permita-me também deixar aqui apreço pelo também muito bom trabalho da Maria Andrade, sobre Bartolozzi.
Curioso foi como aconteceu a vinda de Barolozzi para Portugal. Angelica kauffman era amiga comum de Vieira Portuense e de
Bartolozzi e é através desta que Vieira Portuense conhece Bartolozzi e muito contribuiu este para que ele viesse para
Portugal.
Aprendi quando era jovem a apreciar Bartolozzi com uma tia minha que também era uma sua admiradora.
Vou-lhe enviar por e-mail fotos de gravuras do período, italiano, inglês e português.
Também lhe envio uma outra foto de uma pintura possívelmente de Vieira Potuense.
Um abraço
JMalvar
Caro Joaquim
ResponderEliminarFico a aguardar as suas imagens. Aproveitei para fazer uma pesquisa sobre Angelica kauffman cuja existência desconhecia e fui ter ao site da Royal Academy de Londres, instituição de que ela é um dos membros fundadores e numa das páginas mostra parte da sua obra e algumas das suas pinturas passadas a gravura por Bartolozzi.
http://www.racollection.org.uk/ixbin/indexplus?_IXACTION_=file&_IXFILE_=templates/full/person.html&_IXTRAIL_=Names%A0A-Z&person=5750
Obrigado e um abraço
Caríssimos e caríssimas: aqui deixo ficar o link do Fundo Antigo da Biblioteca da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, que digitalizou apenas 136 gravuras de Bartolozzi: http://www.fc.up.pt/fa/index.php?p=nav&f=fico.f_bartolozzi.capa. Sei que são poucas mas é melhor que nada, certo ;)
ResponderEliminarCaro Joca
ResponderEliminarMuito obrigado. Esse link é fantástico e Faculdade de Ciências da Universidade do Porto está de parabéns por ter digitalizado este fundo. Felizmente que há instituições públicas a desenvolver trabalhos estupendos na área da digitalização. O link fica aqui registado.
Mais uma vez obrigado e um abraço
O desenho, de per si, é um exemplar algo esquemático, destinado a usar como código de execução duma gravura.
ResponderEliminarQue o artista tinha uma segurança de traço é inquestinável, mas também outra coisa não seria de esperar, face à sua profissão, à sua carreira de sucesso e ao facto de, nos primeiros anos, ter iniciado a sua aprendizagem como pintor.
Para lá do que se poderia encontrar numa pesquisa na net, não saberia escrever nada mais sobre este autor.
No entanto, em conversa com o Luís, conjeturámos sobre o que teria feito um artista desta envergadura europeia acabar os seus dias aqui, um país periférico e meio esquecido, sobretudo em inícios do século XIX, quando o apogeu económico já tinha passado, e, em termos de liderança cultural, nada se passava por aqui.
Ainda estávamos a recuperar de uma calamidade terrível, o terramoto de 1755, e o brilho intelectual do casal real, João VI e a infame Carlota Joaquina não tinha nada a salientar. Eram um casal burguês, em que nenhum deles estava preparado para assumir o papel real, sendo de salientar que, ela, comportava-se de forma absolutamente lamentável.
Que Bartolozzi foi, logo de início, um artista de monta, mostra-o a quantidade de trabalhos que executou em Itália, país onde laborou até quase aos 40 anos de idade, sobretudo em Veneza e Roma; a sua qualidade e, julgo, ambição, leva-o, aos 39 anos, até Londres, onde irá viver os 40 anos seguintes.
Deste período data a maior parte da sua obra, e, aqui, atingiu igualmente o apogeu da sua carreira.
Deverá ter experimentado um sucesso fora do vulgar pois, para lá de ser eleito membro fundador da Real Academia, foi apontado também "gravador do rei", posto influente e significativo da sua grande qualidade.
Maior a minha curiosidade quando sei que, aos 77 anos de idade, resolve trocar Londres por Lisboa; foi graças ao Joaquim Malvar que consegui resolver uma das peças que faltava no puzzle: a relação de ambos, Angela Kauffmann e Bartolozzi, a Vieira Lusitano.
Assim, tal como Joaquim Malvar mencionou, parti do princípio que o conhecimento entre a artista e Vieira Portuense deve ter contribuído para a entrada de Bartolozzi em Portugal; não obstante, tal facto não deve ser linear, e continuo a estranhar esta transição entre Londres e Lisboa.
Em Londres, face ao cargo que detinha como "gravador do rei", era-lhe atribuído um salário de 300 libras anuais (segundo o site: http://www.measuringworth.com/ukcompare/, esta quantia, em dinheiro atual, equivaleria a cerca de 300.000 libras, ou seja, cerca de 350 000 euros ...), assim, vir para Lisboa equivaleria a quê?
Seguramente não teria falta, nem de dinheiro nem de posição, muito menos de trabalho ou fama, então qual a razão?
Claro que, aqui em Lisboa, ainda viveu 6 anos sob proteção real, e ocupou o cargo de diretor da Academia Nacional, após o que, dada a fuga da família real para o Brasil (os ratos são sempre os primeiros a abandonar o navio), deverá ter ficado na penúria e sujeito a condições de vida pouco seguras.
Não pode, ou não quis, acompanhar a corte em fuga, pois era já um homem com 83 anos, e possivelmente debilitado.
Tão pouco deverá ter achado viável sair do país, face a uma Europa posta a ferro e fogo pelo louco e bélico Napoleão (sim, sei que a ele se devem o estabelecimento das primeiras constituições, mais democráticas, que passaram a governar as nações, corroendo o poder absolutista do "ancien régime", mas a que preço!!!), por isso deve ter decidido deixar-se ficar e ... assim viveu mais 7 anos, com certeza mergulhado em grave situação económica, até à sua morte, aos 90 anos.
Mas a sua vinda criou no país escola, a qual deixou obra de qualidade que, afinal, ainda hoje perdura! Há gente que vem por bem!
Gostei muito que tivesses aqui deixado a gravura retratando Thomas More, um homem, escritor e pensador, por quem nutro o maior apreço!
Sem saber muito bem o que escrever, acabei por desfraldar aqui um relambório ... sou incorrígivel!
Manel
Limito-me a agradecer ao Luís e ao Joca ,pela "riqueza"que aqui nos deixaram .
ResponderEliminarBem hajam
Quina
Limito-me a agradecer ao Luís e ao Joca ,pela "riqueza"que aqui nos deixaram .
ResponderEliminarBem hajam
Quina
Manel
ResponderEliminarDe facto, julgo que o Bartolozzi foi apanhado pelos acontecimentos em Portugal, o que deve ter tramado os seus planos de uma reforma sossegada num País com um clima melhor que o inglês.
Esqueci-me aqui de referir que o período que se segue ao início das invasões francesas é tão mau em termos econónicos, que havia falta de papel e os artistas desenham nas costas de folhas impressas ou colavam 3 e 4 pedaços de papel velho para formar um todo. Vi um exemplo disso na exposição sobre o Cyrillo Volkmar Machado no Museu Nacional de Arte Antiga. Este exemplo é para reforçar a ideia que o Bartolozzi se teve que dedicar à estampa religiosa para sobreviver.
Cara Quina
ResponderEliminarMuito obrigado pelas suas palavras simpáticas.
abraços
Volto aqui para agradecer, em primeiro lugar ao Joaquim Malvar a referência que faz ao meu post e a informação que aqui deixou sobre a Angelica Kaufmann e o Vieira Portuense como mediadores da vinda de Bartollozzi para Portugal, algo que desconhecia; ao Joka por nos ter permitido aceder a um acervo magnífico de obras de Bartollozzi.
ResponderEliminarCumprimentos
Boa tarde. Tenho gravuras de Bartolozzi para venda. Interessa?
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