Salomé com a cabeça de S. João Baptista, de Lucas Cranach, inv. 738 Pint http://www.museudearteantiga.pt/ |
Perguntarem-me qual é a minha obra preferida do Museu Nacional de Arte Antiga é uma questão tão sem sentido, como me pedirem para escolher o livro ou o filme da minha vida. Já li tantos livros ou vi tantos filmes que marcaram profundamente a minha forma de estar ou pensar. O mesmo se passa com as peças da colecção do Museu Nacional de Arte Antiga. Cada vez que passeio por aquelas salas descubro um bule de porcelana chinesa maravilhoso, que nunca tinha reparado ou uma laca oriental, que apetece colar o nariz à vitrina, até a deixar embaciada ou ainda mais uma pintura extraordinária.
Porém, há umas das pinturas do Museu Nacional de Arte Antiga, que me fascina sempre, a Salomé com a cabeça de S. João Baptista, de Lucas Cranach. É um tema religioso, do Novo Testamento, em que Herodias, pede à sua filha, Salomé, para usar de toda sua beleza e sedução de forma convencer a Heródes, tetrarca da Galileia, a decapitar S. João Baptista. Portanto, à partida, o quadro podia ser uma coisa chatinha, um assunto beato, capaz de aborrecer as novas gerações, para quais o catolicismo não lhes diz rigorosamente nada.
Salomé com a cabeça de S. João Baptista, de Lucas Cranach, inv. 738 Pint. http://www.museudearteantiga.pt/ |
Mas neste quadro do Lucas do Cranach, a Salomé apresenta um ar perverso, de quem não está nem um bocadinho arrependida do mal que fez e que nos espanta e surpreende, pois inconscientemente, em virtude da nossa educação católica, da catequese e das aulas de moral e religião no liceu, povoada de imagens adocicadas de Cristos loiros e olhos azuis, anjos da guarda com caracóis dourados e Nossas Senhoras com mantos azul-bebé, acharíamos que a Salomé deveria ter um ar de rapariga estouvada e caprichosa, mas que, no seu olhar, houvesse arrependimento ou mesmo um sinal, pequeno que fosse, de um qualquer sentimento de culpa. Mas não, aqui a Salomé é uma ressabiada, com a mesma expressão de uma mulher, que foi trocada pelo marido por uma rapariga mais jovem, ou pior do que isso, por um homem e está disposta ir a tribunal, despojar o marido da custódia dos filhos e de todos os bens do casal.
Confesso que sempre revejo esta obra-prima da Colecção do Museu Nacional de Arte, dou comigo a trautear aquele velho êxito das Frenéticas, Vingativa, de que a Rita Lee fez uma versão divertidíssima, cujo vídeo reproduzo aqui, para encerrar este post sobre uma malvada
Por isso eu sou vingativa, vingativa, vingativa
Por isso eu sou vingativa, tenho até asco de você
Você fez de mim uma hipócrita
Você fez de mim uma cínica
Você fez de mim uma mulher sem lar, uma malvada!
Você fez de mim uma cínica
Você fez de mim uma mulher sem lar, uma malvada!
Que ótimo! A Salomé tem um olhar feroz e toda em peles parece um animal, olhar de fera, sem pena. Realmente o que encanta é o olhar sem arrependimento algum.Ela vive por aí...modernizada.
ResponderEliminarNão conhecia o vídeo de Rita, acho que deve ser coisa da antiga MTV que tem um arquivo de shows magníficos. As Frenéticas, como Rita, são minhas queridas, adoro. Tenho todos os discos das Frenéticas, deliciosos todos. Leiloca, Dudu e Sandra Pêra estão em um show no Rio que relembra os anos 70, a discoteca. Tomei um susto quando vi as 3 senhoras reunidas e não deixando a peteca cair. Elas são eternas, são vingativas, são feras.
No mais: como a música brasileira era boa e rica. Agora é uma merda e paupérrima. Aliás, a antiga colonia...Asco.
Um abraço.
Vaidade é um dos pecados mortais, sabia?
EliminarCaro Anónimo. Este post, não trata de religião mas de arte. Há blogs exclusivamente dedicados a temas religiosos, onde pode debater quais os pecados mortais.
EliminarUm abraço para si
Jorge
ResponderEliminarEste post é uma brincadeira acerca de uma das obras-primas do Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa. O episódio da Salomé é a história da vingança de Herodias, contra o pobre S. João Baptista e esta Salomé do Lucas Cranach tem um ar tao esteporado, que a associação à música das Frenéticas foi imediata e inevitável.
De facto, a música brasileira conheceu durante cerca de 30 anos um extraordinário florescimento, que ultrapassou as fronteiras do Brasil e alcançou um enorme prestígio internacional. A Rita Lee foi uma cantora com carreira cheia de músicas irreverentes e humor e esta versão da "Vingativa" combina à matar com a Salomé do Cranach.
Um abraço para essa terra que ainda vai cumprir seu ideal e tornar-se um imenso Portugal
O sr é mau...quem é que quer tornar-se num imenso Portugal?
EliminarCaro anónimo.
EliminarA frase não é minha, mas de um dos maiores génios da música brasileira Chico Buarque e é um dos versos do Fado tropical. Os meus seguidores brasileiros e eu temos este hábito de nos despedir com estas frases à volta da relação histórica de Portugal e do Brasil.
Aliás, não resisto a despedir-me de si, com a última estrofe do fado tropical.
"Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um Império Colonial
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um Império Colonial"
Não é aquela onde paro mais tempo, quando vou ao MNAA, mas é uma obra carismática e está destacada.
ResponderEliminarMas é uma obra fantástica, concordo contigo.
A música de Rita Lee é muito forte (as vezes sem conta que, nos anos 80, ouvi o seu "Lança Perfume"), como é a música do Brasil feita em determinada época, denominada de ouro, onde incluo também o MPB, mas que não o é mais.
Já não ouço grande coisa proveniente do hoje em dia daquele país, pois não a considero mais apelativa, e com grande pena minha, pois se há coisa que os brasileiros souberam fazer bem, mesmo muito bem, foi mesmo a música.
Manel
Manel
EliminarDifícil no MNAA é escolher onde parar. Esse quadro do Cranach acho-o particularmente fascinante e por isso resolvi fazer brincadeira com ele.
A música brasileira teve de facto um período de fulgor e criatividade notáveis.
Um abraço