segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Santa Catarina de Alexandria: pintura em cobre do século XVII

 
Sempre simpatizei com a figura de Santa Catarina de Alexandria, essa mártir do século III, tão sábia e culta, que um certo romancista, Jean Marcel, na sua obra Hypatie ou la fin des dieux, colocou a hipótese de que a lenda, que envolve a vida desta santa seria um eco da existência da célebre filósofa, astrónoma e matemática, Hipácia de Alexandria, que foi massacrada no século V pelos cristãos, já que as suas convicções científicas punham em causa os dogmas do cristianismo.

Mas talvez a minha simpatia por esta santa remonte a uma das minhas primeiras recordações de infância, teria eu talvez uns quatro ou cinco anos e na Casa de São Vicente, onde a minha mãe era educadora, assisti a uma espécie de auto, que era uma encenação daquela música popular “A santa Catarina, prelim perlim pépé, Era filha do rei, Seu pai era pagão, prelim perlim pépé, Mas a sua mãe não. Na época fiquei muito impressionado com a cena em que a pobre Catarina é morta pelo pai e creio que ainda hoje, sempre que vejo um quadro ou uma escultura representando Santa Catarina, quase inconscientemente trauteio aquela lengalenga.

Todas estas considerações servem para justificar, a razão porque comprei mais uma representação de Santa Catarina, desta vez uma pintura em cobre, que suspeitei de imediato, tratar-se de obra do século XVII. A iconografia da Santa está aqui reduzida aos seus elementos essenciais, a espada, pela qual foi degolada, a palma, que significa o martírio e um traje luxuoso de princesa ou rainha. Falta aqui a roda pela qual foi martirizada, mas a pintura está um bocadinho suja e eventualmente poderá estar escondida pelo verdete no canto inferior esquerdo.
 
 
Mostrei esta pintura aos meus amigos o Joaquim Caetano, a Maria João Vilhena e o Anísio Franco, que foram de opinião, que esta pinturinha teria sido executada no século XVII, provavelmente em Espanha, por um pintor indeterminado da escola de Sevilha e que representará efectivamente Catarina de Alexandria.
 
 
 
Chamaram-me também a atenção para o entrelaçado de pérolas que adorna o cabelo da Santa, que é muito semelhante aos que foram usados por Josefa de Óbidos, na gravura datada de 1646, representando Santa Catarina, bem como no casamento místico de Santa Catarina, da colecção do Museu Nacional de Arte Antiga, inv. 197.
 
O casamento místico de Santa Catarina da col. do MNAA. Repare-se que o entrelaçado de pérolas no cabelo da santa é semelhante ao da minha pintura 
 
No verso deste cobre há uma legenda manuscrita, que eu ainda tive esperança que fosse o nome do pintor. Enfim, seria muito mais interessante se a minha Santa Catarina tivesse um autor. Contudo, a Maria João Vilhena, que é uma paleógrafa desenvolta, leu imediatamente a dita anotação e o que está lá escrito é o seguinte último figurado. Portanto, a legenda manuscrita não se reporta a um autor, mas provavelmente a uma etapa da criação artística. Talvez este pequeno cobre fosse um estudo, para uma composição maior, enfim, só Deus sabe.
Último figurado
Em todo o caso esta Catarina de Alexandria, fica muito bem nas paredes da minha casa, recordando-me sempre aquela cantinela, que ouvi pela primeira vez por volta de 1968, A santa Catarina, prelim perlim pépé, Era filha do rei…
 
 
Alguma bibliografia e links consultados:
 
Josefa de Óbidos e a invenção do barroco português / coord. científica Anísio Franco, António Filipe Pimentel, Joaquim Oliveira Caetano e José Alberto Seabra de Carvalho. - Lisboa : Museu Nacional de Arte Antiga : INCM, 2015.
 
 

4 comentários:

  1. Todo o conjunto de quadro e moldura me parece bem equilibrado, pois o marmoreado da moldura, em tonalidades neutras, conjuga-se com os tons quentes da pintura e até os faz sobressair.
    E foi este facto que, na altura em que vi este quadro, me fez gostar tanto dele e comprá-lo, mas depois, reparei que fazias tanto gosto na peça, que acabei por ta deixar.
    Esta pequena pintura vendia-se ao lado de outra com a qual fazia conjunto originalmente, tendo as mesmas dimensões e moldura, sendo, no entanto, um santo diferente, claro; confesso que, desta outra, em tonalidades de cinzento e com uma pintura desigual em qualidade, não gostei nada, pelo que não me interessei por ela.
    Soube depois que esta segunda pintura tinha sido vendida logo de seguida. Mas confesso que, apesar de terem pertencido a um conjunto, e quiçá pintada pela mesma pessoa, não era nada agradável.
    O que está escrito atrás, e que parece realmente ser aquilo que referes, não faz grande sentido, nem percebo a razão.
    Deverá com certeza haver uma explicação, mas que, presentemente, não faz grande sentido para mim! São termos que, fora de contexto, parecem-me meio tontos.
    Manel

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    1. Manel

      A pintura é muito bonita, embora as fotografias não lhe façam justiça. O verniz e o verdete fazem sempre com que as fotografias fiquem com reflexos. Precisava de um restauro mais sério, pois eu só me limitei a limpa-la com um algodão húmido.

      Embora não sendo de época, a moldura é muito bonita e adequada à pintura.

      Quanto à inscrição no verso, "último figurado" é difícil interpreta-la, mas estas pinturinhas em cobre, além de objectos de devoção privada, eram por vezes etapas de composições maiores. Em todo o caso, tudo isto são especulações.

      Ainda fiz algumas pesquisas por pintura espanhola do século XVII em Sevilha, mas a produção desse tempo é tão grande, que me perdi.

      Enfim, talvez com o tempo consiga descobrir um pouco mais acerca desta pintura, representando Santa Catarina, bem como sobre a enigmática inscrição no verso.

      Um abraço

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  2. Partilho consigo quer a simpatia por Santa Catarina, quer a memória da cantilena. A pintura é muito bonita. Boa tarde!

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    1. Margarida

      Peço-lhe desculpa pelo atraso da minha resposta, mas tenho andado cheio de trabalho. Muito obrigado pelo seu comentário e um bjo

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