quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Um pesado relógio burguês


Talvez nesta época, quem que passagem do ano se aproxima e em que sentimos que o tempo passa sempre demasiado depressa, seja adequado mostrar no blog este relógio francês, que o meu amigo Manuel comprou recentemente. 

É um objecto pesado, opulento, destinado a decorar uma casa burguesa do passado, num tempo em que a decoração de interiores se caracterizava por uma ornamentação excessiva e em que se queria mostrar riqueza, mas também respeitabilidade. E este último sentimento tão burguês alcançava-se usando objectos de decoração e mobiliário, que fizessem referência ao passado, aos grandes estilos artísticos, como a Renascença, o Luís XIII, o Luís XV, o Luís XVI ou Império. No fundo os burgueses queriam uma casa com aquilo que os aristocratas tinham de sobra e a eles lhes faltava, um passado. 

Medaille d’Argent, 1855. Vicent & Cie

Numa primeira abordagem, quando olhamos para este relógio e pensamos de imediato, isto é uma coisa da segunda metade do século XIX, provavelmente no tempo em que Napoleão III era imperador dos franceses (1852-1871). Com efeito, quando o meu amigo Manel abriu o relógio para o restaurar, o mecanismo apresentava uma marca incisa do fabricante, com uma data, 1855. Mais precisamente a inscrição  Medaille d’Argent, 1855. Vicent & Cie. Este rótulo significa que o seu fabricante, a companhia francesa a Vicent & Cie ganhou uma medalha de prata na Exposição Universal de 1855 de Paris, que foi precisamente inaugurada por Napoleão III.

Napoleão III inaugura a Exposição Universal de Paris em 1855

Porém, olhando mais atentamente o mecanismo, encontra-se outra marca incisa, com a data de 1915. Portanto este relógio é muito posterior ao chamado período do II Império (1852-1871). Quando foi fabricado já se combatia nas trincheiras em França.

Data de 1915

Este pormenor é muito interessante pois desfaz-nos um bocadinho o conceito de periodização dos estilos artísticos. Nas escolas ou nos livros aprendemos que a Arte Nova começou em 1900 e o Estilo Arte Deco em 1925. Ficamos com a falsa ideia que a partir de 1900 todos os objectos decorativos apresentam as linhas fluidas Art Nouveau e que a partir de 1925, os relógios, as mobílias e os candeeiros são em Art Deco. Na verdade, os estilos revivalistas do século XIX continuaram a ser usados pelo século XX fora e as famílias da boa burguesia preferiam sempre adquirir um canapé ao estilo Luís XVI, do que uma moderníssima cadeira Barcelona, desenhada por Mies Van der Rohe.

Este objecto é o chamado relógio de chaminé, designado pelos franceses pendule de Paris e como o próprio nome indica destinava-se a ser colocado sobre a chaminé da sala, mas também por vezes numa cómoda, acompanhado de outras peças decorativas, como castiçais, jarrões da China ou figuras em porcelana, mas sempre em número impar. Os principais fabricantes franceses destes relógios foram Jappy, Marty, Pons e precisamente Vincenti, companhia fundada em 1823 por Jean (Ghjuvanni-Giovanni) Vincenti e que se manteve em actividade até 1923.



As formas do relógio inspiram-se na escultura clássica da antiguidade e são representações alegóricas muito caras a toda a arte europeia. A jovem envergando uma veste inspirada na Grécia segura um martelo numa mão, na outra, um escopro e um busto e será muito possivelmente uma alegoria à arte da escultura. Os meninos ou putti, representarão a música e o desenho. Serão talvez as artes que estiveram envolvidas na concepção do relógio, o desenho, para o mecanismo e a forma, a escultura para as figuras e a música para as suas badaladas. 

Este relógio é sem dúvida um objecto fora de moda, que se encaixa muito neste blog de velharias, escrito por mim, que não tenho muita paciência para os temas em voga.


Alguns links e bibliografia consultados: 

https://www.proantic.com/display.php?mode=obj&id=548481

https://fr.wikipedia.org/wiki/Pendule_(horlogerie)

https://fr.wikipedia.org/wiki/Exposition_universelle_de_1855

http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b53024709w/f1.item

Le XIXe siècle français: Paris. Hachette, 1957

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Uma estampa veneziana da segunda metade do século XVIII ou votos de boas festas


Os seguidores deste blog já sabem que não sou muito dado a efemérides, comemorações, quadras festivas e outros assuntos da mesma natureza. Mas o Natal é sempre uma oportunidade para mostrar mais uma estampa religiosa.

Esta gravura é uma representação do Sono do Menino Jesus, impressa em Veneza, mais ou menos entre 1770-1800, por Niccolò Cavalli (1730–1822), gravada por Pellegrino dal Colle (1737–1812) a partir de uma obra do pintor Giovanni Battista Mengardi (1738-1796). 

Gio. Batta. Mengardi pinx. e Peregrinus de Colle Sculp. ap. N. Cavalli Venetiis.

Identifiquei os criadores desta estampa a partir dos dados constantes no rodapé, Gio. Batta. Mengardi pinx. e Peregrinus de Colle Sculp. ap. N. Cavalli Venetiis. São os nomes dos autores latinizados e a respectiva função na realização da gravura. Em latim, pinx quer dizer pintou, Sculp, esculpiu ou melhor gravou e Ap, é a abreviatura de Apud, isto é, imprimiu ou editou. Nesse último quartel do século XVIII o latim tinha ainda prestígio suficiente para os autores identificarem o seu trabalho nessa língua, pelo menos nas gravuras. O que fiz foi colocar estes dados no google e rapidamente cheguei ao sítio do British Museum, que tem uma estampa quase igual, onde os autores estavam perfeitamente identificados. Refiro, quase igual, porque a estampa da colecção do British Museum foi impressa no sentido inverso ao daquela, que pertence ao meu amigo Manel, o que leva a pensar que esta gravura teve várias reimpressões.
Ego dormio, et cor meum Vigilat. Estampa do British Museum. 

O título da estampa é o seguinte: Ego dormio, et cor meum Vigilat, frase latina, extraída da Bíblia, do Antigo Testamento, do livro Cântico dos Cânticos e que em português se traduz por Eu durmo; e o meu coração está desperto

Ego Dormio Et Cor Meum Vigilat, Desenho de Jacopo Amigoni (1682-1752) e gravada por Giovanni Volpato - Ca. 1730

Esta frase reporta-se ao tema da gravura, o sono do Menino Jesus, um tipo iconográfico do Deus Menino muito comum na pintura e na gravura nesta época, que o representa a dormir numa prefiguração da sua paixão e morte futura. Na mão segura uma romã, cujas bagas vermelhas simbolizam o sangue de Cristo e à sua cabeceira, há também um cacho de uvas de idêntica simbologia. Naturalmente, este sono do Menino significa também, que enquanto o seu corpo dormia, a alma continua activa pensando em todos os tormentos porque havia de passar para reconciliar o Pai com a humanidade.

Na mão segura uma romã, cujas bagas vermelhas simbolizam o sangue de Cristo e à sua cabeceira, há também um cacho de uvas de idêntica simbologia

Não consegui apurar se esta estampa foi retirada de um livro ou se foi já destina a ser vendida solta em todo o caso foi realizada a partir de uma obra do pintor italiano Giovanni Battista Mengardi (1738-1796), um discípulo de Tiepolo. É sobretudo conhecido pelas suas pinturas a fresco em Igrejas, mas desempenhou também um papel importante na República Veneziana, como responsável pelo património, tendo restaurado algumas obras de grandes mestres italianos. A sua actividade como desenhador de obras destinadas a serem gravadas é menos conhecida, mas foi muito activa, conforme indica Valerio Vernesi no Dizionario Biografico degli Italiani - Volume 73 (2009)

Esta estampa não é bem uma Natividade, nem Giovanni Battista Mengardi é propriamente um grande mestre italiano, mas não deixa de ser um trabalho veneziano de boa qualidade e uma boa forma de vos desejar a todos umas boas festas.



Alguns links e obras consultadas: 




Bíblia / trad. do texto grego, apresentação e notas Frederico Lourenço. - 1a ed. - Lisboa : Quetzal, 2016

http://www.artericerca.com/artisti_italiani_settecento/mengardi%20giambattista/giambattista%20mengardi%20biografia.htm

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Ainda a biblioteca do Solar de Outeiro Seco ou as andanças de um livro

Enchiridium Missarum Sollemnium

Escrever repetidamente neste blog sobre uma casa que já não é da família e cujo recheio foi irremediavelmente disperso pode parecer um exercício inútil e saudosista. Com efeito, esse velho solar transmontano foi pela família vendido à Câmara Municipal de Chaves, que o deixou arruinar e esta, por sua vez vendeu-o a um privado, que se propõe fazer um projecto de reconstrução criminoso. No fundo, as mobílias do solar, o museu e a biblioteca desapareceram e o próprio edifício vai ser engolido e descaracterizado por uns anexos sem gosto.


O passado: a fachada poente do Solar


O passado: a fachada Sul do Solar



O futuro: o novo e criminoso projecto para o Solar de Outeiro Seco!!!!

Mas sempre tive a convicção, que todos os meus escritos, compilando as memórias de uma velha casa senhorial da província, acabariam por ser úteis não só para a herança cultural da aldeia de Outeiro Seco e do Concelho de Chaves, como também para a história da cultura e da sociedade. O solar dos Montalvões tal como existiu é afinal um exemplo das casas senhoriais transmontanas no passado.

A biblioteca do Solar dos Montalvões

Uma das riquezas daquela casa era a biblioteca, com os seus quase dois mil títulos, datados dos séculos XIX, XVIII, XVII e mesmo do XVI. Foi vendida em 1986 a dois alfarrabistas de Lisboa, um com loja em S. Domingos de Benfica e outro na Feira da Ladra e dela restou o catálogo realizado pelos meus avós paternos, Maria do Espírito Santo Montalvão e Silvino da Cunha. Através dessa lista e de um dos filme que o meu pai fez nos anos 60, consegui identificar um dos tesouros daquela biblioteca ou livraria como se dizia no passado o Theatrum orbis terrarum de Abrahamus Ortelius publicado em Antuérpia, na oficina de Christophe Plantin, em 1584. Mas a biblioteca foi dispersa e nada mais sabia sobre o paradeiro dos seus livros.

Contudo, há cerca de um ano fui contactado por Francisco Vilaça Lopes, que estava a fazer uma investigação sobre um livro antigo, comprado precisamente na Feira da Ladra por um amigo, José António González Carrilho, um oliventino e um lusófilo. Para quem não está familiarizado com a biblioteconomia, quando se está a tratar um livro antigo, isto é, uma obra impressa entre 1500 e 1800 é tão importante identificar a edição com também os seus antigos proprietários. Através do estudo das marcas de posse de um livro, ainda que virtualmente, pode-se reconstituir antigas livrarias conventuais ou de casas senhoriais. E conhecendo o que se lia num mosteiro, num convento ou numa casa fidalga podemos avaliar a cultura dos seus proprietários ou ainda se estavam a par das novidades dos grandes centros de conhecimento, como Paris, Antuérpia, Roma ou Amesterdão. 

A obra comprada por José António González Carrilho na Feira da Ladra apresenta a assinatura do meu trisavô, Liberal Sampaio

A obra que o Francisco Vilaça Lopes se encontrava a estudar apresentava logo no primeiro fólio, uma anotação manuscrita, o nome de Liberal Sampaio. O Francisco Vilaça Lopes colocou esse nome no Google e fui ter ao blog do meu amigo Humberto Ferreira e do Fernando Ribeiro, que por sua vez lhe facultaram o meu contacto. Confirmei-lhe então que aquela era a assinatura do meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio e que aquele livro tinha certamente feito parte da antiga biblioteca do solar da família Montalvão, muito acrescentada e enriquecida por esse meu antepassado. Contudo, a obra adquirida por José António González Carrilho um cantoral impresso, encontrava-se truncada, sem folha de rosto nem colofão e parecia impossível saber-se o título certo e relaciona-lo com o catálogo da antiga Biblioteca do Solar de Outeiro Seco. 
A obra apresenta a nota Cantochão escrita a lápis 

Mas o Francisco Vilaça Lopes esquadrinhou bem o livro e numa das folhas existia uma anotação manuscrita, com a palavra Cantochão e de facto no catálogo da biblioteca há uma entrada para uma obra designada por Cantochão, com o nº 1281, o que o levou a presumir que se tratava o mesmo livro.
No catálogo da biblioteca do solar há uma entrada para uma obra designada por Cantochão, com o nº 1281


Depois, o Francisco Vilaça Lopes fez mais investigações, pesquisou em vários catálogos de bibliotecas, leu, pediu opiniões a peritos e acabou por concluir que este cantoral trata-se do Enchiridium Missarum Sollemnium do padre João Dias, uma edição rara, impressa em Coimbra, em finais do século XVI e princípios do séc. XVII. Mas para saberem todos os pormenores deste seu trabalho de detective, convido-vos a ler o seu texto https://divinicultussanctitatem.blogspot.com/2020/11/descoberta-de-nova-edicao-do.html

O meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio

Em suma, o meu trabalho no blog sobre a biblioteca do Solar de Outeiro Seco foi útil à investigação de um bibliófilo e fiquei feliz por saber, que esta obra rara, proveniente daquele solar se encontra estimada na posse de um oliventino, amigo de Portugal e que está ser seriamente estudada por Francisco Vilaça Lopes. Esta descoberta trouxe também mais alguma luz sobre o que foi a biblioteca daquela casa, até porque pela marca de posse, sabemos que foi adquirida pelo Padre José Rodrigues Liberal Sampaio. Embora o meu trisavô fosse um polígrafo, isto é, um homem com interesses variados que iam desde o direito, à teologia, passando pela história, numismática, arqueologia, parenética e política, desconheço se também interessou-se por música sacra ou se adquiriu este livro por coleccionismo. No tempo em que viveu o mercado livreiro estava cheio de obras provenientes dos antigos conventos, que os bibliófilos, como o meu antepassado, compravam a bom preço. Realmente o percurso que um livro faz ao longo da sua existência por vários proprietários tem sempre qualquer coisa de romanesco.

A estampa do Enchiridium Missarum Sollemnium

https://divinicultussanctitatem.blogspot.com/2020/11/descoberta-de-nova-edicao-do.html

sábado, 28 de novembro de 2020

Um candil de azeite ou uma forma imemorial



Este candil de azeite em latão amarelo é uma peça que herdei, provavelmente executada num tempo em que não havia luz eléctrica. Sei que da casa de onde veio, a electricidade chegou só nos anos 30 do século XX e portanto este candil será anterior a essa década. Terá pelo menos mais de 80 anos. Naturalmente, que depois do aparecimento da electricidade nessa terra transmontana, os candeeiros em azeite continuaram a ser usados nos velórios, conforme já escrevi no meu post de 28 de fevereiro de 2014, mas duvido que os continuassem a comprar depois disso. O mais certo era usarem as peças antigas que no passado tinham tido também uma função utilitária de iluminação. Ainda há pouco tempo uma senhora me escreveu contando-me que no século XIX um antepassado estudava à luz de um candeeiro de azeite, nos seus tempos de estudante, na Universidade de Coimbra.

Através de visitas aos museus ou da consulta de livros, sabia também que estes candeeiros mantiveram as mesmas formas durante séculos. Aliás, interrogo-me sempre como é que os conservadores de museu e os antiquários conseguem datar estas peças como sendo dos séculos XVII, XVIII, XIX. A mim parecem-me sempre iguais. Também já tinham lido algures que as estas formas não andavam longe de alguns candeeiros da antiga Roma.


Porém, ver as coisas ao vivo é muito diferente, do que ver a imagem num livro, na televisão ou na internet. Recentemente no Museu Nacional de Arte Antiga visitei a exposição Guerreiros & mártires: a cristandade e o Islão na formação de Portugal, que tem muitíssimas obras de arte islâmica, e qual é o meu espanto, quando numa das vitrinas encontro três candis datados entre os séculos XI e XIII, com formas muito semelhantes às da minha peça. Os três candis foram encontrados no Algarve e eram objectos correntes nas casas naqueles tempos em que o Islão dominava o Sul da península Ibérica. Os mais abastados usavam candis em metal como estes, mas a maioria da população utilizava os de cerâmica.

Imagem retirada de Guerreiros & mártires : a cristandade e o Islão na formação de Portugal / coord. científica Joaquim Oliveira Caetano, Santiago Macias. - Lisboa : Museu Nacional de Arte Antiga : Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2020

Fiquei realmente surpreendido com a continuidade das formas que alguns objectos do quotidiano apresentam. Um candil manufacturado há talvez uns 90 anos no Norte de Portugal, pouco difere de outro feito há quase mil anos no Sul do País. Talvez para os mais entendidos nestas questões da etnografia e da arqueologia, eu esteja a descobrir a pólvora, mas para mim que vivo neste mundo, onde em cada dez anos há um modelo de electrodoméstico radicalmente novo e em que todos os dias no telemóvel aparecem-nos aplicações tão espantosas como incompreensíveis, esta continuidade das formas e da vida material é uma descoberta fascinante.



sexta-feira, 6 de novembro de 2020

A pobre Balbina Felicíssima ou uma genealogia dos desafortunados


Nas suas memórias, a Yourcenar escreveu que começamos por fazer genealogia levados por um sentimento de vaidade. Porém à medida que exploramos as genealogias de todos os ramos e nós temos 4 avôs, 8 bisavôs, 16 trisavôs e 32 tetravôs, número que se vai multiplicando à medida que recuamos no tempo, chegamos rapidamente a uma sensação de abismo, perante o mar de mortos que temos por detrás de nós. Também nessas explorações percebemos que tanto descendemos de fidalgos unidos pelos laços sagrados do matrimónio, como de gente rude dos campos, que consumou os seus amores num celeiro ou ainda de judeus, padres ou talvez até dos bastardos de um rei. 

Recentemente decidi explorar um dos ramos da família da minha mãe, gente sem os pergaminhos da família Montalvão, do meu lado paterno. A minha bisavó materna, Graça Pires de Morais era filha ilegítima e depois de a sua mãe morrer, quando tinha apenas 4 anos, o seu pai, Francisco Germano Pires, que era um homem abastado, levou-a consigo para Vinhais, onde viveu na sua companhia, até à idade dos sete anos, momento em que o pai a internou no recolhimento das Oblatas da Mofreita. Viveu nessa casa religiosa destinada a raparigas pobres até aos 29 anos e só casou aos 31 anos com o meu bisavô, um matrimónio contrariado por ambos os pais.

O recolhimento das Oblatas da Mofreita. A Maria da Graça será uma das jovens ou meninas do grupo

Resolvi apurar mais alguma coisa desta bisavó cuja infância e juventude pareciam-me obviamente infelizes. Encontrei o seu assento de baptismo na paróquia de Sobreiró de Baixo, freguesia do Concelho de Vinhais e lá se encontra registado o seu nascimento no dia 2 de Março de 1859, tendo sido baptizada, no dia 6 do mesmo mês. Era filha de Balbina Felicíssima e de pai incógnito e neta materna de Angélica Maria, de Sobreiró de Cima de José Gonçalves, de Sobreiró de Baixo. Neste simples assento, transparece uma certa pobreza. Não há apelidos sonantes, o pároco nem se deu ao trabalho de indicar a profissão da mãe, nem dos avôs, nem usou o Dona antes do nome das mulheres, como era hábito quando se referiam a senhoras de condição nestes registos paroquiais. Esta seria uma família de simples jornaleiros, de que não merecia a pena gastar muita tinta.

O assento de baptismo de Maria da Graça

Também crianças bastardas nesta época e neste meio rural eram um assunto banal para que o padre Raimundo Gomes, que lavrou o assento de baptismo da minha bisavó, perdesse muito tempo com ele. Há um estudo sobre demografia e estrutura familiar da paróquia de Santalha, uma aldeia do Concelho de Vinhais, não muito longe dali e com características semelhantes, em que a autora Berta Gonçalves Morais apresenta números impressionantes. Em Santalha, na década de 80 do século XIX, no conjunto das crianças nascidas 35,2% eram filhos naturais, na década seguinte, atinge a proporção de 40,8% no início do século regista-se a mesma tendência 44,1% e em 1910-19, quase metade das crianças, 46% eram filhos naturais. Portanto o caso da pobre Balbina Felicíssima e da sua filhinha Maria da Graça inscreve-se num padrão social típico de uma época e de um meio. 

Nesse obra, intitulada Ruralismo e família em Vinhais: estudo de caso sobre a paróquia de Santalha (1886-1909) a autora refere que umas das razões para essa elevada taxa de filhos bastardos relaciona-se com uma prática, que pretendia evitar fraccionar a propriedade, isto é, apenas a um ou outro filho é consentido o casamento e as terras são herdadas por aqueles que tem descendentes. Os outros filhos ficam solteiros ou seguem a carreira eclesiástica. Talvez a especialista em sociologia familiar, Berta Gonçalves Morais esteja certa, mas creio que também haverá outra razão mais óbvia. Nos meios muitos pobres, ontem como hoje, as mulheres são sempre mais vulneráveis ao assédio ou mesmo à violência sexual.

Mas o que se passava nestas sociedades rurais no interior de Portugal, durante o século XIX escapa um pouco ao nosso juízo contemporâneo. 

Se a pobre Balbina Felicíssima baptizou a filha como sendo de pai incógnito e terá assumido o encargo da criança, nos seus primeiros quatro anos de vida, quando morre, é o pai que tomará conta da menina  e aos sete anos interna-a no recolhimento das Oblatas da Mofreita. Portanto, a criança não lhe seria tão indiferente como isso, de outra forma deixá-la-ia aos cuidados dos avós, ou simplesmente morrer à fome na rua. Nas Oblatas da Mofreita a menina aprendeu a ler e a escrever, a fazer bordados, rendas e outras artes femininas e creio eu, que alguns rudimentos de latim e francês. Tudo isto era muito bom numa época, em que cerca de 80 por cento da população feminina era analfabeta. 

Por outro lado, apesar de ser uma filha espúria, a Maria da Graça usou o apelido do pai, Pires, quando se casou com o meu bisavô em 1889. O mais natural era que assinasse como Maria da Graça Gonçalves, o nome materno. Poder-se-ia ter dado o caso de o Pai a ter perfilhado entretanto, mas no assento de casamento, a minha bisavó é referida novamente como filha de pai incógnito. Depois do casamento passou a assinar por Graça Pires de Morais, nome que se encontra em muitos dos livros, que pertenceram ao Recolhimento da Mofreita e que ela comprou ou mandou trazer a seguir à República. Embora o Francisco Germano Pires não tenha apoiado o casamento, sei através de um pequeno caderno que o meu bisavô, Clemente da Ressurreição Morais escreveu com breves apontamentos sobre a sua vida e os seus antepassados, que acabou por se reconciliar com a filha e passou os últimos anos da sua vida com o casal. 


A Graça Pires de Morais, com o marido e os filhos

Tudo isto me faz pensar que a forma como se estruturavam as famílias no século XIX era bem diferente da nossa. Também me comoveu um pouco conhecer a existência desta trisavó, que eu ignorava totalmente a existência, a pobre Balbina Felicíssima, cuja mãe, a minha quarta avó, Angélica Maria, deve ter afrouxado a vigilância sobre ela e deixou-a entregar-se aos desejos de Francisco Germano Pires. Não tenho um retrato, uma peça de louça, um naperon ou uma simples fita que tivesse pertencido à Balbina Felicíssima, nem ela devia ter nada de seu, mas confesso que passei a ter um certo carinho por esta pobre rapariga do campo, que em tempos se deixou seduzir por um homem abastado. 

Bibliografia e fontes consultadas:

Ruralismo e família em Vinhais: estudo de caso sobre a paróquia de Santalha (1886-1909) / Berta Gonçalves Morais. Porto, 2003

Arquivo distrital de Bragança: assentos paróquiais de Vinhais e Sobreiro de Baixo

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Faiança inglesa e faiança espanhola

As peças de que hoje vou escrever, já foram apresentadas aqui há muito tempo. Mas, quando iniciei o blog há já onze anos sabia ainda pouco e fiz algumas atribuições erradas, apresentado peças de faiança espanhola, muito provavelmente da Pickman de Sevillha, como se fossem inglesas. Depois, voltei a escrever sobre assunto e corrigi as atribuições, mas a mesma dúvida se a peça é inglesa ou espanhola, colocou-se-me novamente acerca de um prato coberto, também já aqui apresentado e que eu acreditava ser inglês.


Efectivamente, um seguidor do blog, enviou-me um e-mail, com um prato coberto exactamente igual ao meu, pedindo ajuda para o o identificar e ao olhar para ele com atenção reparei que o motivo central é muito parecido com uma padrão que a Pickman de Sevilha fabricou durante mais cem anos. O motivo central representa uma fonte com uns putti, um lago e um palácio ao fundo. Pensei, será que este prato coberto é afinal espanhol?  

Escudela atribuída à Pickman

Como os leitores que acompanham este blog sabem certamente, os ingleses foram os primeiros a fabricar faiança de uma forma industrial e em larga escala, com técnicas modernas, como o transfer-way. Posteriormente, ao longo do século XIX invadiram todos os mercados com as suas faianças a preços acessíveis e de grande qualidade, decoradas com paisagens, mais ou menos reais ou fantasiosas.

Um pouco, por toda a Europa, outros fabricantes tentaram fazer concorrência aos ingleses e começam também a produzir faiança de uma forma mecanizada, em grandes quantidades e imitando as decorações inglesas. É o caso da nossa fábrica de Louça de Sacavém, Sargadelos e a Pickman em Espanha, ou Sarreguemines em França.

Resolvi rever então tudo que já tinha pesquisado acerca da Pickman e de Sargadelos, inclusive reler um e-mail que tinha recebido do Museo Belas Artes da Coruña, onde muito gentilmente uma das conservadoras me esclarecia de alguns pormenores deste assunto. 

Faianças atribuídas à Pickman

Em primeiro lugar há algumas diferenças da decoração da Pickman, em relação a este prato coberto. A fábrica espanhola de Sevilha usou cisnes a nadar no meio do lago e o palácio que se vê lá ao fundo é diferente deste prato coberto As decorações usadas pelos espanhóis na borda deste padrão também não tem nada a ver com esta minha peça. Por fim, a qualidade da faiança do prato coberto é muito melhor que os das faianças espanholas, não apresentando o chamado craquelé daquelas e o seu brilho é quase o da porcelana, mas eu também não conheço assim tão bem as faianças da Pickman, fábrica cujo período de laboração vai de 1839 até aos dias de hoje, para ser tão perentório. 

Este prato coberto tem um brilho que falta à faiança espanhola

No entanto, ao pesquisar na base de dados dos museus espanhóis, http://ceres.mcu.es encontrei alguns dados que me levaram um pouco mais longe. Segundo a ficha de uma destas peças da Pickman a fábrica espanhola ter-se-ia inspirado numa das decorações do fabricante Inglês, Thomas Godwin de Burslem, (1804-1834). 

Fiz algumas pesquisas pelo nome deste fabricante sem resultados conclusivos, mas encontrei uma decoração parecida à usada pela Pickman, o Montezuma pattern, fabricada por outra firma também com o nome Goodwin, a John Goodwin ou Goodwin & Co (1852-1871), no site http://www.thepotteries.org/


Montezuma pattern, de John Goodwin ou Goodwin & Co (1852-1871). Foto de http://www.thepotteries.org


Montezuma pattern, de John Goodwin ou Goodwin & Co (1852-1871). Foto de http://www.thepotteries.org

Aliás este meu prato coberto, bem como o do seguidor do meu blog, apresentam uma pequena letra no tardoz, o "M". Será que este M se reporta ao nome do padrão Montezuma ou é alguma marca de controlo interno ou ainda relativa ao tamanho, por exemplo Medium?

A marca M , do meu prato coberto

A marca M, do prato coberto do seguidor deste blog

Em todo o caso, o meu prato coberto não é exactamente igual ao Montezuma da Goodwin ou Goodwin & Co. Pode tratar-se de uma variante do padrão desconhecida do autor do site http://www.thepotteries.org/ ou uma produção de outra fábrica inglesa, pois no Reino Unido também era vulgar duas ou três fábricas produzirem a mesma decoração com pequenas diferenças e estou a lembrar-me de alguns padrões muito populares na indústria inglesa, como o Willow Pattern ou o Asiatic Pheasants, este último produzido por mais de uma dúzia de fabricantes

Em suma, este prato coberto poderá ser inglês, talvez executado entre 1850-1870, mas a sua decoração está muito próxima das produções espanholas da Pickman ou mesmo de Sargadelos. A dúvida acerca da sua origem persiste sempre, pois na segunda metade século XIX, toda a Europa estava em processo de industrialização, as ideias e as formas circulavam rapidamente, surgindo modernas fábricas um pouco por todo lado, produzindo louça à maneira inglesa e o que nos parece à primeira vista britânico, poderá ser espanhol, francês, holandês ou alemão.


Alguns links consultados: 

http://www.thepotteries.org/allpotters/454a.htm

http://ceres.mcu.es/pages/Viewer?accion=4&AMuseo=MNR&Ninv=CE0323/17

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

O círculo de Liberal Sampaio: José Gonçalves Lage

José Gonçalves Lage

Periodicamente pego no velho de álbum de fotografia em formato carte-de-visite do meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935) e retomo a minha tentativa de identificação daqueles personagens, cuja memória o tempo foi apagando quase todos os contornos das suas vidas. Faço postagens no fórum de genealogia, o geneall, pesquiso nos arquivos distritais e no arquivo da Universidade de Coimbra, mas apenas apanho retalhos da vida daquelas pessoas fotografadas no último quartel do século XIX. Ainda assim, opto por publicar no blog estas fotografias e o pouco que descobri delas, porque é uma forma de sistematizar as informações colhidas aqui e acolá e sei que no futuro alguém fará uma pesquisa no Google e escrever-me-á indicando-me mais um dado sobre um dos retratados.

O meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio

Uma dessas personalidades é o Padre José Gonçalves Lage, que por volta de 1880 ou até antes ofereceu uma fotografia ao meu trisavô, com a seguinte dedicatória Ao seu presadissimo amigo como testemunho de sincera e acrysolada amizade, offerece José Gonçalves Lage. Destas palavras podemos inferir que os dois homens foram amigos e talvez próximos. Ambos eram naturais de Sarraquinhos, freguesia do Concelho de Montalegre. Tinham idades próximas. O José Gonçalves Lage nasceu em 1840 e o meu bisavô em 1846. Talvez fossem vagamente aparentados, pois a avó materna do meu antepassado tinha também por apelido Lage, mas isso poderá não quer dizer nada pois normalmente numa aldeia, numa vila ou até mesmo cidade há sempre apelidos muito comuns e característicos da terra. Ambos frequentaram o seminário de Braga e ordenaram-se padres. Partilhavam também o mesmo gosto pela história e pela cultura. Portanto, tinham em comum o suficiente para cimentar uma acrisolada amizade, pelo menos na época em que esta fotografia foi tirada, por volta de 1875-1880. Segundo o Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses Padre José Gonçalves Lage teria nascido em 10.3.1840 e nesta fotografia aparenta ter entre 35 e 40 anos, portanto a fotografia foi presumivelmente executada por volta desses anos.

A dedicatória a Liberal Sampaio

Não há muitos elementos sobre a vida deste padre, apesar de ser autor de pelo menos 23 obras, a maioria manuais escolares, pelos quais aprenderam milhares de alunos. O Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses refere que o Padre José Gonçalves Lage nasceu em 10.3.1840 em Sarraquinhos, mas não consegui encontrar o seu registo de baptismo, nem tão pouco apurar se existia algum parentesco entre ele e o meu trisavô. Segundo o Dicionário de Inocêncio, inscreveu-se no Liceu de Braga em 1856, tendo sido um aluno brilhante. Mais tarde terá ido para o seminário da mesma cidade e no Arquivo Distrital de Braga existe uma referência à Inquirição de genere deste homem, datada de 1859. Este documento era um processo necessário para a ordenação dos párocos. Consistia numa inquirição de testemunhas para comprovar a filiação, reputação, bom nome ou limpeza de sangue, não fosse o candidato ter sangue judeu a correr-lhe pelas veias. O referido documento indica, que era filho de Bento Gonçalves Lage e Ana Gonçalves Pelho e permite-me inferir, que terá tomado ordens nesse ano, em 1859 ou o mais tardar em 1860. 

Depois em 1876, este homem volta a aparecer nos registos oficiais. No Arquivo Distrital de Vila Real há um requerimento de passaporte feito em seu nome, em 8 de Fevereiro de 1870, para viajar até ao Brasil. Enfim, não sei o que foi fazer aquelas terras longínquas do outro lado do mar, se foi visitar um parente ou se foi numa missão pastoral. Em todo o caso em 1877 está outra vez em Portugal, pois matricula-se na Universidade de Coimbra, primeiro em Teologia e depois Direito e frequenta essa universidade até 1879, sem terminar nenhum dos cursos. Segundo ainda Inocêncio um incidente da fortuna fê-lo interromper o curso. 

Que episódio terá sido esse? Ao investigar a produção literária deste homem descobri que talvez este incidente da fortuna tenha sido a polémica com o livreiro de Coimbra José Diogo Pires, em que este acusa o Padre José Gonçalves Lage de plágio da obras de António Borges de Cardoso de Figueiredo, das quais o livreiro era detentor dos direitos autorais. Esta polémica dará origem a uma série de libelos publicados entre 1883 e 1884, de que a Universidade Toronto guarda cópia digitalizada. A questão iniciada em 1879 terá dado escândalo em Coimbra e o assunto acabou no Tribunal da Relação do Porto. Passados 130 anos deste incidente infortunado é difícil saber qual das partes tinha razão. Os dois textos assinado pelo Padre José Gonçalves Lage são escritos num tom civilizado e polido, referindo que adaptou a obra de Cardoso de Figueiredo, para a tornar inteligível aos seus explicandos e que ela era em si uma compilação dos autores franceses e clássicos. Pelo contrário, o livreiro José Diogo Pires foi grosseiro, cobriu o padre de impropérios, como gatuno, safardana, lorpa de serraquinhos acusando-o de extorsão dos bens de uma senhora, que alugou o quarto ao referido padre e ainda de falsificar habilitações aos candidatos ao seminário no tempo, que estava em Braga. Refere  a sua face rapada e modo seráfico dos predestinados para intermediários entre Deus e o homem neste vale de lágrimas em que vivemos. O caso acabou no tribunal da Relação do Porto, mas não sei exactamente o desfecho. Não deve ter sido muito grave para o Padre Lage, que continuou a publicar os seus manuais escolares depois destes acontecimentos, mas é provável que a sua reputação em Coimbra tenho ficado manchada e talvez este incidente o tenho feito abandonar os seus estudos na Universidade daquela cidade.


A polémica acerca de direitos de autor com José Diogo Pires está digitalizada na University of Toronto

Em todo o caso, este Padre José Gonçalves Lage era sem dúvida homem culto, cuja actividade como autor foi bastante significativa, sobretudo entre 1877 e 1901. Escreveu manuais escolares de história, geografia, literatura, retórica e linguística. Ao todo são 23 títulos, conforme o catálogo colectivo das bibliotecas portuguesas, o porbase. O meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio, tinha pelos menos duas das suas obras na biblioteca do Solar de Outeiro Seco, onde residia, as Noções syntheticas de poética e Novissima grammatica portugueza de 1882.

Não consegui encontrar a data da sua morte do Padre José Gonçalves Lage A última obra que escreveu foi em 1901 as Noções elementares de geographia, chronologia e chorographia de Portugal, mas já adaptadas por L. Pinto da Rocha, o que me dá a sensação que já teria morrido nessa data, mas também não encontrei nada por esses anos nos registos de óbito de Sarraquinhos.

Homem das relações do meu trisavô, o padre José Gonçalves Lage desenvolveu uma actividade intelectual significativa no segundo quartel do século XIX. Durante 25 anos, milhares de alunos de Norte e Sul do País aprenderam pelos seus livros e de alguma forma o pensamento deste padre moldou a cultura desses jovens, ainda que tivesse copiado umas coisinhas aqui e acolá. A Novíssima gramática é até citada em quase todos os estudos de história da linguística portuguesa. Mas no momento presente, José Gonçalves Lage parece ter caído no esquecimento e os seus livros tão manuseados, estudados e anotados nos finais do século XIX são hoje os chamados monos das bibliotecas, que nunca são requisitados, nem saem tão pouco das estantes.

José Gonçalves Lage. A face rapada e modo seráfico dos predestinados para intermediários entre Deus e o homem neste vale de lágrimas em que vivemos, segundo a descrição de José Diogo Pires

Obras de José Gonçalves Lage:

Sermões vários 2.o maço [ Manuscrito]. 1804.-1868 (colecção de semões de vários autores entre os quais um do Padre José Gonçalves Lage)

Noção elementar da História Moderna de Portugal / José Gonçalves Lage. Lisboa : Typ. Occidental, 1877.

Rhetorica abreviada, ou synopse do compendio de rhetorica de A. Cardoso Borges de Figueiredo. Coimbra : J. Diogo Pires, 1879.

Noções syntheticas de poetica... / José Gonçalves Lage. Coimbra : Imp. da Universidade, 1880.

Elementos de litteratura classica antiga e moderna / José Gonçalves Lage. Coimbra : Imp. Litteraria, 1881.

Esboço das Literaturas ingleza, alemã e franceza... / José Gonçalves Lage. [S.l. : s.n.]. 1881.

Noção elementar da historia moderna de Portugal... / por José Gonçalves Lage. 2a ed. correcta e augmentada. Coimbra : Impr. da Universidade, 1882.

Noção elementar de chorographia de Portugal / por José Gonçalves Lage. Coimbra : Impr. Independencia, 1882.

Novissima grammatica portugueza, resumida e accomodada ao programma d'instrucção primaria / José Gonçalves Lage. Coimbra : Imp. da Universidade, 1882.

Um pires de doce ou breve resposta ao Plagiato do Livreiro da Sé Velha de Coimbra / José Gonçalves Lage. Coimbra : Impr. Litteraria, 1883.

Apontamentos de oratoria, ou subsidio dos exames de portuguez / José Gonçalves Lage. Coimbra : M. Almeida Cabral, 1883.

Novissima grammatica portugueza : coordenada em harmonia com o programa official dos lyceus / José Gonçalves Lage. 2a ed. Coimbra : M. Almeida Cabral, 1883.

Elementos de oratoria, comprehendendo as prescripções do programma dos lyceus / José Gonçalves Lage. Coimbra : M. Almeida Cabral, 1883.

Noção synthetica de economia politica / coord. por José Gonçalves Lage. Coimbra : Impr. Independencia, 1884.

Duas palavras sobre um exame de peritos e sobre uma minuta de agravos subida à Relação do Porto / José Gonçalves Lage. [S.l. : s.n.], 1884.

Novissima grammatica portugueza, resumida e accomodada ao programma d'instrucção primaria / José Gonçalves Lage. 2a ed. correcta e augmentada. Coimbra : Imp. da Universidade, 1885

Noção elementar da historia moderna de Portugal... : precedida de um resumo da nossa historia antiga / por José Gonçalves Lage. 3a ed. correcta e augmentada. Porto : Livr. Portugueza, 1888.

Noção elementar de história moderna de Portugal... precedida de um resumo da nossa história antiga / por José Gonçalves lage. 4a ed. correcta e augment. Porto : Liv. Portuguesa, 1892.

Noções de geographia e chorographia portugueza / por José Gonçalves Lage. 2a ed. correcta e augment. Porto : Liv. Portugueza, 1892.

Grammatica portugueza elementar, accommodada ao programma de instrucção primaria / José Gonçalves Lage. 4.a edição. Coimbra : Francisco França Amado, 1892.

Elementos de chronologia, de geographia e de corographia de Portugal / por José Gonçalves Lage. Nova ed / accomodada... por L. Pinto da Rocha. Porto : Livr. Portugueza, 1897.

Elementos de História de Portugal / por José Gonçalves Lage. Nova ed / accomodada... por L. Pinto da Rocha. Porto : Livr. Portugueza, 1897.

Elementos de História de Portugal / por José Gonçalves Lage ; ed. lit. L. Pinto da Rocha. Nova ed. Porto : Livr. Portugueza, 1899.

Noções elementares de historia de Portugal / por José Gonçalves Lage ; reformada e accommodada ao programma official d'instrucção primaria por L. Pinto da Rocha. Porto : Joaquim Maria da Costa, 1901.


Bibliografia e links consultados:

Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses

Diccionario bibliographico portuguez / Innocencio Francisco da Silva. - Lisboa : Imprensa Nacional, 1858-1958, vol 12, p. 351-352

Arquivo Distrital de Braga:

http://pesquisa.adb.uminho.pt/details?id=1352997&ht=jose%7cgon%c3%a7alves%7clage


Arquivo da Universidade de Coimbra

https://pesquisa.auc.uc.pt/details?id=195312&ht=jos%c3%a9|gon%c3%a7alves|lage|direito


Arquivo Distrital de Vila Real

https://digitarq.advrl.arquivos.pt/details?id=1007327


Biblioteca da Universidade de Toronto https://archive.org/details/umpiresdedocedua00lage/page/n1/mode/2up


domingo, 11 de outubro de 2020

No tempo das cerejas: uma imitação de Meissen


O meu amigo Manel comprou recentemente este conjunto em porcelana, representando uma cena campestre em que três galantes jovens apanham cerejas, enquanto dois querubins assistem. É uma cena muito ao gosto do século XVIII, no tempo em que a rainha Maria Antonieta de França e os seus amigos mais próximos, brincavam aos camponeses na pequena aldeia, que aquela soberana mandara construir nos parques de Versalhes, o hameau de la Reine. Até as roupas destas pequenas figuras em porcelana sugerem esse período. 


Por exemplo, umas das jovens, enverga um chapéu de palha, adereço que a pintora Élisabeth Vigée Le Brun usou num auto-retrato e que depois Maria Antonieta tornou moda entre todas as elegantes da Europa.

Retrato da Condessa de Verdun por Élisabeth Vigée Le Brun. Museu Nacional de Arte Antiga

Esta cena provavelmente inspirou-se num das obras de François Boucher 1703-1770 La cueillette des cerises, ou numa tapeçaria de de Jean Baptiste Huet, executada a partir de uma obra de Boucher.

François Boucher 1703-1770 La cueillette des cerises

Na parte de trás da peça, apresenta uma marca com as espadas cruzadas de Meissen, essa prestigiosa fábrica de porcelana alemã, que celebrizou e popularizou as figurinhas de porcelana toda a Europa.



As marcas da peça

Mas o Manel e eu sabíamos de antemão, que esta figura de porcelana não era do século XVIII, nem tão pouco de Meissen. Porcelanas do século XVIII e sobretudo Meissen não se apanham em mercados de velharias. São peças raras e que atingem preços muito elevados nos bons antiquários. Presumimos desde logo, que fosse uma peça dos finais do XIX ou inícios do XX, produzida na Alemanha, na região do Saxe ou da Turíngia, imitando as figurinhas de Meissen, destinada à boa burguesia, que queria também ter no seu lar essas figuras de porcelana, à semelhança das residências aristocráticas, onde existia normalmente um salão só para exibir essas colecções, as chamadas salas do Saxe.


Pessoalmente achei de imediato que esta peça seria da Volkstedt, que nos finais do XIX e inícios do XX produzia muitas figurinhas destas, imitando o período de ouro de Meissen, usando algumas marcas inspiradas nas célebre espadas cruzadas daquela prestigiosa fábrica. 

Procurei na internet saber quais as marcas usadas pela Volkstedt, mas não havia nenhuma igual a esta e pesquisei no google por cherry pickers em combinação com german pocelain figurines mas não me apareceu nada igual. Só uma figurinha genuína de Meissen, do século XVIII, representado uns jovens galantes, apanhando cerejas, mas não tinha nada a ver com esta peça do Manel. Apenas confirmei que a peça do meu amigo Manel era uma imitação de Meissen.


Uma genuína peça de Meissen

Decidi então consultar alguma bibliografia, pois nem tudo se encontra na internet e abri a obra German porcelain / by W. B Honey. - London : Faber and Faber, 1947, suspeitando que houvesse um capítulo dedicado às imitações e de facto na página 46 há uma entrada sobre marcas semelhantes às espadas cruzadas de Meissen, onde consta uma marca igual à peça do Manel, atribuída ao fabricante francês Samson, de Paris. 

German porcelain / by W. B Honey. - London : Faber and Faber, 1947

Refiz então a minha pesquisa na internet por Samson, Cherry pickers e com efeito encontrei uma peça igual à esta num antiquário francês o Biscardieux Bordeuax, marcada com umas espadas de Meissen e identificadas com sendo da Samson, dos finais do século XIX. Fiz mais umas pesquisas aqui e acolá em sites de vendas de antiguidades e confirmei, que todas as figurinhas de porcelana marcadas com as espadas cruzadas, mas com um tracinho ao meio eram da Samson, Edmé et Cie, fábrica fundada em 1845 em Paris e que se dedicou a imitar as cerâmicas mais prestigiadas e mais procuradas do mercado de então, fossem elas porcelanas chinesas da família rosa ou verde, japonesas ou europeias como Worcester, Chelsea, Sèvres e Meissen ou ainda a majólica italiana. Há até uma certa discussão entre os peritos se esta firma Samson, Edmé et Cie fabricava cópias ou verdadeiras falsificações. Em todo o caso, muitas dessas peças foram vendidas como originais ao consumidor menos atento.


Peça à venda em http://www.briscadieu-bordeaux.com/

Peça à venda em http://www.briscadieu-bordeaux.com/

Relativamente à figura de porcelana do Manel ela é afinal francesa, fabricada pela Samson, Edmé et Cie provavelmente dos finais do XIX ou inícios do XX. Imita sem dúvida a porcelana de Meissen e evoca esse século XVIII francês, libertino e galante.


Alguma bibliografia e links consultados:

German porcelain / by W. B Honey. - London : Faber and Faber, 1947

https://en.wikipedia.org/wiki/Edm%C3%A9_Samson

http://www.briscadieu-bordeaux.com/html/fiche.jsp?id=8479872&np=2&lng=fr&npp=100&ordre=2&aff=1&r=

https://www.catawiki.com/l/19759181-samson-meissen-porcelain-group-paris-late-19th-century