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Cazaca cor de pinhão, botões de metal amarellos; vestido de setim rosa. Lithographia da rua Nova dos Martyres, n.º 12 |
As gravuras de moda francesas do século XIX aparecem muito nos mercados de velharias. São normalmente estampas, que em tempos fizeram parte de revistas como
Le Moniteur de la mode,
Journal des demoiselles ou
Petit courrier des dames, que eram muito populares entre as classes mais favorecidas, em Portugal, na Europa e nas Américas, numa época, que Paris era a rainha incontestável de todas as modas.
Contudo, gravuras portuguesas de moda desta época são relativamente raras de modo, que quando encontrei esta estampa à venda, que mostro hoje, resolvi não a deixar escapar. Ainda para mais, pareceu-me mais antiga do que é normal encontrar. Não, que eu saiba muito de história da moda, mas quando vi a
toilette do cavalheiro, lembrei-me logo do retrato do escritor Almeida Garrett, gravado por Pedro Augusto Guglielmi, em 1844 e que constava de todos os manuais escolares. Almeida Garrett era um verdadeiro janota, sempre bem perfumado, vestido e calçado segundo o último figurino da moda e que não hesitava em espartilhar-se para se parecer com o cavalheiro desta estampa de moda.
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Almeida Garrett, gravado por Pedro Augusto Guglielmi, em 1844 |
Resolvi fazer alguma pesquisa sobre publicações periódicas de moda portuguesas, que tinha a ideia que existiram primeira metade do século XIX e encontrei na Biblioteca Nacional de Portugal
O correio das damas : jornal de litteratura e de modas, publicado em Lisboa, na Lisboa, na Typ. Lisbonense, entre 1836-1852 e que se encontra inteiramente digitalizado.
Comecei logo pelo ano 1836 e de com efeito as primeiras estampas deste periódico parecem-me muito com aquela que comprei e são igualmente impressas na
Lithographia da rua Nova dos Martyres, n.º 12. Até os caracteres tipográficos usados são iguais. Porém, à medida que fui avançando no tempo, logo em 1837, as estampas desta revista passaram a ser impressas no Almeida, apresentando então um ar um pouco mais sofisticado e no pé de página, a numeração da revista.
Carreguei então a imagem digital da minha gravura no Google e o motor de busca apresentou-me uma centena de resultados de imagens semelhantes, e com algum espanto, encontrei na
National Portrait Gallery, de Londres, uma estampa praticamente igual à minha, mas o cavalheiro não consta da imagem e o fundo é diferente. Na figura portuguesa, o fundo é um chão de mosaico e a parede um apainelado, ao passo que na gravura inglesa a jovem elegante apoia-se naquilo que parece ser uma consola barroca. A estampa inglesa foi publicada no
The Ladies' Pocket Magazine, em Dezembro de 1836 e apresenta uma legenda muito curiosa sobre este traje, um
Paris Evening Dress, isto é, vestido de noite parisiense, que deveria ser confeccionado num cetim rosa estampado.
Na descrição que o site National Portrait Gallery transcreve, aconselha-se as elegantes que mandassem fazer este modelo, a pentearem-se à
La Vallière, isto é, com um risco ao meio, cabelo liso no topo e os restantes cabelos caindo em caracóis e cachos artísticos. O termo
La Vallière refere-se a uma personagem histórica, Louise de La Vallière (1644-1710), que foi amante de Luis XIV e cujo penteado fez furor na corte de França e foi copiado por toda a Europa. A pobre Louise veio mais tarde a arrepender-se seriamente desta ligação ilícita, cortou os seus belos caracóis e fez-se freira carmelita, tomando o piedoso nome de Sœur Louise de la Miséricorde. Porém a fama do seu penteado permaneceu ao longo dos tempos e em 1836 era outra vez moda entre as elegantes de Paris.
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Louise de La Vallière, a amante de Luís XIV, cujo penteado fez furor. Jean Nocret, Palácio de Versalhes |
Em suma, é muito provável, que esta minha estampa tenha sido impressa entre 1836 ou 1837 e levou às damas portuguesas as últimas modas da Europa. Quando escrevi este post, não tinha conseguido apurar em que publicação periódica portuguesa saiu. Posteriormente um seguidor deste blog, que está a fazer uma tese de mestrado sobre este assunto, o Ricardo Braga informou-me que esta gravura foi publicada em
O Recreio: jornal das Famílias (Lisboa, 1835-42), no tomo II, n. °12 de dezembro de 1836, o que prova que a imprensa periódica portuguesa seguia a par e passo ás últimas modas da Europa.
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A minha estampa foi publicada no periódico O Recreio: jornal das Famílias (Lisboa, 1835-42), no tomo II, n. °12 de dezembro de 1836 |
Relativamente à estampa inglesa, não sei se foi a fonte de inspiração para o autor desta gravura. Tenho o vago palpite que haverá uma terceira estampa, francesa com toda a probabilidade, que inspirou os portugueses e os ingleses.
Muito bom! Com certeza uma estampa francesa foi inspiração ou cópia para a portuguesa e a inglesa.
ResponderEliminarE que moda ótima! O paletó dos homens eram apertadíssimos e curtos. O vestido da mulher já tinha pouca roda, já iam ficando um pouco mais simples se adequando ao corpo.
O penteado que causou furor por ser simplesmente dividido ao meio e varou séculos é muito bom.
Adorei a pesquisa. Acho que vou me refugiar num convento e renegar o meu passado. E o meu penteado.
Bom carnaval, Luís.
Jorge
EliminarTambém tenho quase a certeza que houve uma estampa francesa que inspirou a portuguesa e a inglesa. No século XIX, as modas de Paris eram seguidas avidamente por todo o lado. Ainda hoje, nesta época em que a cultura anglo-saxónica domina tudo, quando vamos a Paris ficamos sempre extasiados com o bom gosto dos parisienses, mulheres ou homens. Aquela gente anda sempre bem penteada, calçada e vestida e de uma forma sóbria.
Em 1836/37 as saias já estavam a ganhar volume. Vinte anos depois, era já a época da crinolina, em que as saias desafiaram as leis da física.
A história da Louise de La Vallière é muito curiosa. Quando quis abandonar a corte e virar freira, foi contra a vontade do Rei, que inclusive insistiu para que a senhora escolhesse uma ordem com uma regra menos rígida, do que as carmelitas. Mas a Louise de La Vallière manteve-se inflexível e fez mais ainda, fez um pedido de desculpas formais à rainha, a Maria Teresa de Espanha. Claro, o seu gesto não serviu de nada, pois nesse tempo, já o Luís XIV tinha uma nova amante, a Madame de Montespan e essa não tinha remorsos, arrependimento ou vergonha na cara. lol
Um abraço
Também vou tendo prazer nestas estampas. Também as fui adquirindo, talvez sugestionado por ti, e acabei por pendurá-las pelas paredes da casa de banho, pois pareceu-me que tinham igualmente algo em comum.
ResponderEliminarMas valem a pena pela recordação que trazem da moda de séculos passados e poder comparar o que estas pobres mulheres espartilhadas (e homens, que eles também se encolhiam dentro destes trajes considerados janotas) sofriam dentro destes coletes de forças.
Manel
Manel
EliminarAntes de escrever este post fiz alguma pesquisa sobre o Almeida Garrett e encontrei um texto académico, que transcreve descrições dos seus contemporâneos sobre as suas toilettes complicadas, os seus perfumes, o espartilho que usava e ainda os postiços.
Seria aquilo que nós hoje designamos por uma vítima da moda, ao contrário do poeta Bocage, que andava embrulhado numa fazenda, não se decidindo sobre o corte, pois estava sempre à espera da última moda.
Um abraço
Boa tarde.
ResponderEliminarEstudo exatamente estas gravuras para a minha tese de mestrado. E deparei-me exatamente com esta gravura em "O Recreio: Jornal das Famílias" (Lisboa, 1835-42). Esta gravura em específico pertence ao Tomo II, N. °12 de dezembro de 1836.
Cumprimentos.
Ricardo Braga
EliminarMuito obrigado!!!!
A vantagem de colocar na net imagens destes trastes, que vou comprando, é que muitas vezes aparece alguém do outro lado monitor, que me fornece a peça do puzzle que faltava ou outra qualquer informação preciosa.
Agora que temos a certeza que esta estampa é de Dezembro de 1836, podemos concluir que a imprensa periódica portuguesa andava muito a par das modas internacionais e que talvez as novidades em Portugal não cheguem sempre com cinquenta anos de atraso, pelo menos em termos de indumentária.
Irei actualizar o meu post com as suas informações.
Um abraço muito agradecido