quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Um jovem transmontano na grande guerra de 1914-1918

António Sampaio e um companheiro de armas, França, 28 de Fevereiro de 1918

Aproveito sempre estes períodos de confinamento para me dedicar à organização e estudo das fotografias antigas. Regressei novamente à coleccão de retratos da família materna, das terras frias de Vinhais e encontrei um conjunto de fotografias de jovens mobilizados para o corpo expedicionário português em França, na grande guerra de 1914-1918. Algumas das fotos foram tiradas naquele País e fiquei até um pouco impressionado, pensando que aqueles jovens promissores de 1917 ou 1918 teriam sido chacinados nos campos de Batalha da Flandres, feitos prisioneiros, gaseados ou afectados mentalmente para sempre com os horrores a que assistiram.

Fiquei curioso acerca de qual teria sido o destino destes homens na força da vida e resolvi fazer algumas investigações, pois já tinha ouvido falar sobre alguns sites na internet, que recolhem informações sobre antigos combatentes, bem como conhecer um pouco mais sobre o corpo expedicionário português em França, cuja intervenção na guerra, ficou sobretudo conhecida na história, pelo desastre da batalha de La Lys.

O verso da fotografia. Dedicatória ao meu avô materno, António da Purificação Ferreira

Decidi começar essas investigações por um desses retratos, o de António da Silva Sampaio, um jovem cuja família, os sampaios, ainda é aparentada com com a minha. Esta fotografia foi tirada em França, a 28 de Fevereiro de 1918 e dedicada ao meu avô materno, António da Purificação Ferreira, em que o trata como primo e amigo. 

Nesta colecção de fotografias da família há outros dois retratos deste António da Silva Sampaio tirados em Coimbra.

Nesta colecção de fotografias da família Morais Ferreira, há outros dois retratos deste António da Silva Sampaio tirados em Coimbra, 11 de Novembro de 1917, antes de ser mobilizado, em que se faz fotografar naquilo que me parece uma indumentária académica. São duas fotografias iguais, uma está dedicada aos tios, Clemente da Ressurreição e Maria da Graça Morais, meus bisavôs e a segunda, outra vez ao meu avô materno, António da Purificação Ferreira, que o trata como primo e amigo. 

Dedicatória de António da Silva Sampaio, aos meus bisavós, Clemente da Ressurreição e Maria Graça Morais, dada em Coimbra, a 11 de Novembro de 1917


Dedicatória de António da Silva Sampaio, ao meu avô, António da Purificação Ferreira, dada em Coimbra, a 11 de Novembro de 1917

Embora não saiba com segurança, a origem deste parentesco, creio que este António Sampaio era só primo por afinidade do meu avô Ferreira. Segundo, o que consegui perceber da tradição familiar, a origem deste parentesco assentará na minha trisavô, Francisca Vicência da Silva, casada com um Morais e que teve dois irmãos, José e o André, que se casaram em Nuzedo, uma aldeia vizinha da Quadra e por lá ter-se-iam cruzado com estes Sampaio. Recordo-me vagamente de visitar com a minha mãe as primas Sampaio em Nuzedo-de-Cima. Hoje tudo isto nos parece obscuro e incerto, mas em 1917-1918 os Morais e os Sampaio eram ainda primos muito próximos.

Mas, continuando, nas minhas pesquisas sobre ao participação do contingente português na guerra em França, entre 1917-1918 encontrei um sítio muito bem feito, o http://www.memorialvirtual.defesa.pt, que permite uma busca pelo nome de todos aqueles que tombaram no conflito.

Resolvi experimentar, colocando os nomes que consegui ler na assinatura deste jovem, António da Silva Sampaio, no motor de pesquisa e descobri que este meu parente foi morto em combate em 9 de Abril de 1918. O seu corpo está sepultado em França no Cemitério de Richebourg l`Avoué, Talhão C, Fila 7, Coval 1. O seu nome completo era António Eugénio da Silva Sampaio, foi Alferes e a pertencia à unidade Depósito de Infantaria, Regimento de Infantaria n.º 30. Apesar de já terem passado cem anos deste acontecimento, confesso que me emocionei e revivi por uns poucos segundos a tragédia deste rapaz e o choque, que a sua morte prematura representou para os amigos e a família.


A sepultura de França no António Eugénio da Silva Sampaio mo Cemitério de Richebourg l`Avoué, Foto de http://www.memorialvirtual.defesa.pt

Contudo, como não tinha a certeza absoluta que o jovem sepultado em França e este meu parente afastado fossem uma e a mesma pessoa, até porque eu não tinha conseguido ler Eugénio nas assinaturas, fiz mais uma busca, coloquei o António Eugénio da Silva Sampaio no google e fui ter sítio da Academia Militar de Lisboa, numa página onde prestam homenagem aos seus mortos, e lá estava um registo sobre este primo afastado, mas desta vez com uma fotografia sua, um militar cheio de garbo e confirmei, que o rapaz morto em França era de facto a mesma pessoa do jovem retratado nos arquivos familiares. 

António Eugénio da Silva Sampaio, no site da Academia Militar

Aqui encontrei mais alguns dados que me permitiram de alguma forma esboçar uma pequena biografia. Nasceu em em Bragança, 24 de Janeiro de 1893 e entrou na Academia Militar em 1916, o nº 512 do Corpo de Alunos. Embarcou para França, 8 de Janeiro de 1918 e morreu a 9 de Abril, desse ano. 9 de Abril é o dia da Batalha de La Lys, data que ainda hoje é assinalada em Portugal e o António Eugénio da Silva Sampaio foi um dos 398 homens que pereceram nesse confronto sangrento. A fotografia que enviou ao meu avô a 28 de Fevereiro de 1918, foi tirada cerca de um mês e mais alguns dias antes de morrer.

Continuei as minhas investigações sobre este meu primo afastado, desta vez no Arquivo Histórico do Militar e encontrei nos boletins individuais de militares do Corpo Expedicionário Português o seu registo digitalizado. A informação é escassa, mas indica o nomes dos seus pais, Manuel do Espírito Santo da Silva Sampaio e Maria Adelaide Silva, a paróquia onde nasceu em Bragança, freguesia de Santa Maria e ainda um dado curioso. O jovem António Eugénio da Silva Sampaio foi punido por só se ter apresentado ao serviço no quartel a 12 de Novembro de 1917, em vez de ser no dia 11 do dito mês, como estava estipulado na guia. Ora a 11 de Novembro de 1917 estava este meu primo em Coimbra, a tirar as fotografias que enviou aos meus bisavós e ao meu avô e a outros parentes e provavelmente a divertir-se um pouco, como era natural num jovem com 24 anos. Não consigo é perceber porque é se fez fotografar num traje académico.

A 11 de Novembro de 1917, data em que tinha de apresentar ao Quartel, o jovem António Eugénio da Silva Sampaio, estava em Coimbra a fazer-se fotografar no José Gonçalves, o estúdio usado por todos os estudantes da universidade daquela cidade

Em suma, os retratos deste meu primo afastado, cujo parentesco nem conheço bem as origens, deixaram-se ser apenas as fotografias esquecidas por todos de um velho álbum familiar e tornaram-se testemunhos de como a guerra entrou pela vida das pessoas comuns, bem como símbolos trágicos da inútil participação portuguesa no conflito de 1914-1918.

Alguns links consultados: 

Academia Militar

Arquivo Histórico do Militar, boletins individuais de militares do Corpo Expedicionário português, António Eugénio da Silva Sampaio - Alferes de Infantaria nº 30 código PT/AHM/DIV/1/35A/1/08/2567

Comunicar: boletim da Assembleia da República, 18 de Abril de 2018



PS: Se houver algum descendente desta família Sampaio, que tenha interesse na vida deste tio remoto, terei muito gosto em fornecer cópias digitais destas fotografias, bastando para isso que me contactem por mail. Para acederem ao meu endereço, cliquem na foto do perfil, no canto superior direito do blog.

6 comentários:

  1. Conseguiste encontrar a informação toda. Os parabéns.
    Encontras tudo!
    A história é impressionante e demonstra bem o infortúnio que foi para o contingente português, que teve a infelicidade de participar na I Guerra Mundial.
    Fico sempre muito impressionado com a sorte horrível desses homens.
    Ainda conheci, quando criança, um sobrevivente da Grande Guerra, que vivia lá para os lados da terra da minha mãe, e era um farrapo de um homem.
    Tinha sido gaseado, ficou cego, vivia pobremente, dada a sua incapacidade, e, mais incrível ainda, sem qualquer apoio monetário!!!
    Foi o meu pai que moveu céus e terra para conseguir que aquele antigo combatente tivesse acesso, pelo menos, a uma pensão de sobrevivência por invalidez, o que lhe permitiu, até à sua morte, ter algo mais de desafogo do que tinha.
    Sempre me impressiono muito com estas histórias, que foram absolutamente horríveis nesta guerra.
    São-no em todas as guerras, claro, mas o uso indiscriminado de químicos, e a guerra de trincheiras, constituíram situações que destruíram, se não logo, pelo menos a longo prazo (o que foi bem pior, pois as doenças mentais ou do foro respiratório duram por longo tempo e produzem doenças que, parecendo invisíveis, acabam por matar inexoravelmente e lentamente), os homens que participaram, e foi uma população inteira. Para acabar em beleza surgiu depois a pneumónica, como se não tivesse bastado o flagelo da guerra.

    Achei curioso a punição que este soldado teve porque, na caderneta militar do meu pai, também foi averbada uma outra punição por se ter apresentado tarde no quartel (creio que se apresentou no dia seguinte ao que devia).
    Na altura, não sei se ainda hoje, deveria ter sido uma punição banalizada, sobretudo porque na altura os transportes deveriam ser deficitários, e chegar a tempo a um local não deveria ser tão fácil, como o é hoje.
    Os parabéns pela tua pesquisa que se revelou impressionante, até a lápide conseguiste encontrar!
    Manel

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  2. Manel

    É verdade, desta vez consegui descobrir muitos dados sobre este jovem, que até há pouco tempo era um retrato esquecido de um parente afastado, de que nada sabia.

    Também é verdade que se consegui alguma coisa, foi graças às instituições miliares, que teimam em manter viva a memória dos que tombaram na guerra, sobretudo ao Memorial Virtual, site do Arquivo Histórico Militar, que desenvolveu este site e está de parabéns, pois o dinheiro que custou foi muito bem gasto.

    Quando descobri a campa deste primo afastado num cemitério perdido em França, comovi-me e nem consegui transmitir por escrito esse sentimento.

    Quanto à sua punição, não consegui perceber exactamente o quartel onde o António Sampaio tinha de se apresentar. Mas se estivesse em Bragança, em licença, a visitar a família, demoraria pelos menos uns dois dias ou mais a chegar a Lisboa. Embora em 1917 o caminho de ferro já chegasse a Bragança, teria que mudar 3 vezes de comboio até chegar a Lisboa. Talvez tenha resolvido parar em Coimbra, divertir-se um pouco e tirar as fotografia para enviar aos vários membros da família. Quem sabe?

    Voltei a ler mais ou uma outra coisa sobre as razões que levaram à participação de Portugal nesta guerra no ano de 1916 e aos meus olhos contemporâneos, continuam a parecer-me insuficientes. O governo português tinha receio de perder as colónias e entrou na guerra contra a vontade inglesa. Mais uma vez o sonho colonial perdeu-nos.

    Um abraço

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  3. Olá Luis,

    O seu post veio precisamente na semana em que eu fazia uma pesquisa sobre o CEP a propósito da tradução de uma obra que tenho em mãos. Que coincidência! Também me emocionei ao ler os relatos dos sobreviventes e as circunstâncias históricas do CEP.

    Há um outro site que encontrei - https://portugal1914.org/portal/pt/ - com as histórias e memórias dos combatentes (quer mortos em combate ou sobreviventes). Seria interessante o Luís partilhar a história do seu familiar com o site em questão, de forma a enriquecer o legado e registar a biografia dele.

    Se o Luís tiver interesse neste assunto, aconselho a leitura de algumas memórias:

    "As minhas recordações da Grande Guerra", por Pedro de Freitas, Lisboa: Tipografia da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, 1935

    "A saga de um combatente na I Guerra Mundial: de Chaves a Copenhaga", por Gil Manuel Morgado dos Santos, Gil Filipe Calvão Santos [s. l.]: Âncora Editora, 2014

    "Diário de campanha do General Fernando Tamagnini, comandante do CEP", transcrição e estudo de João Vieira Borges, Isabel Pestana Marques, Eurico Gomes Dias, Lisboa: Comissão Portuguesa de História Militar, 2018

    "A malta das trincheiras: migalhas da Grande Guerra 1917-1918", por André Brun, Lisboa: Guimarães Editor, 1923

    "O bom humor no CEP: França 1917-1918", por Mário Afonso de Carvalho, Lisboa, 1945

    Muito obrigada pela partilha!
    Gabriela

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    1. Cara Gabriela

      Muito obrigado pelo seu comentário.

      Apesar de já terem passado 100 anos dos acontecimentos aqui descritos, fiquei comovido e emocionado quando descobri o que aconteceu a este jovem. Como acredito, que para se conhecer bem história é preciso mais do que estudar os feitos dos grandes homens e os acontecimentos marcantes, achei que seria interessante partilhar estas minhas pesquisas sobre os retratos do António Sampaio, pois dão a um pouco a dimensão mais humana e individual da participação portuguesa no conflito de 1914-1918.

      Neste arquivo familiar, tenho outras duas fotografias de grupo, de jovens combatentes em França, datadas de 1917-1918 dedicadas ao meu avô paterno e que publicarei aqui no blog, assim, que conseguir reunir alguma informação sobre elas.

      Como estou fechado em casa, mão poderei aceder à bibliografia, que me recomenda, a não ser que uma ou outra edição se encontre digitalizada. Mas talvez mencionem, alguns destes jovens.

      Para já vou espreitar, o https://portugal1914.org/portal/pt/ e se conseguir certamente partilharei a história do jovem António Sampaio.

      Além do interesse histórico, que os casos individuais destes jovens de 1917-1918 apresentam, creio também que temos um dever moral de não os deixar esquecer.

      Muito obrigado pelas sugestões bibliográficas e pelo link recomendado.

      Um abraço

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  4. Interessantíssima a sua pesquisa. É uma tragédia, esta morte prematura. Boa tarde!

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    1. Margarida

      Esta história de um parente praticamente desconhecido de uma colecção de fotografias familiares, de que descobre a identidade e a sua morte numa batalha trágica de 1918, na frente francesa é particularmente comovente e um testemunho de como aquele conflito entrou pela vida das pessoas comuns.

      Um abraço

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