Já há uns quantos anos comprei este jarro de faiança inglesa com uma decoração muito invulgar. Normalmente a faiança inglesa do século XIX era decorada com vistas, paisagens com lagos, ruínas, castelos românticos, catedrais góticas ou cenas italianas, umas mais ou menos reais outras imaginadas. Contudo, este jarro foi decorado com um antigo comboio, cuja composição se estende ao longo de toda a peça.
Quando a adquiri, fiz alguma investigação no google sobre ela, mais o que encontrei com esta decoração do comboio foram peças relativamente recentes, marcadas Made in England. Quando encontramos esta marca de proveniência numa peça, já sabemos que é do século XX e muito certamente depois de 1921. Embora algumas fábricas já a usassem depois de 1908, como a Wedgwood, foi depois de 1921, que os americanos regulamentaram uma Lei de 1890, o Tariff act, impondo aos diferentes fabricantes, que quisessem vender os seus produtos nos EUA, a apresentação da marca com expressão MADE IN, seguida do país de origem. Em suma, achei que este jarro era uma coisa do século XX, feita ao gosto do século XX, para satisfazer o gosto de clubes de coleccionadores de assuntos ferroviários, mas mesmo assim, achei-a sempre tão curiosa, que não me consegui desfazer dela.
Há poucas semanas quando procurava informações sobre uma mostardeira de porcelana inglesa, folhei a obra An illustrated encyclopedia of British pottery and porcelain / Geoffrey A. Godden e encontrei reproduzida uma caneca com este motivo do comboio, do segundo quartel do século XIX, fabricada por John & Richard Godwin, marcada com as iniciais impressas. Na mesma obra adiantava que vários fabricantes ingleses produziram variedades deste motivo nas décadas de 30, 40 e 50 do século XIX, usando quase sempre as inicias dos nomes impressas. Fiquei muito feliz achando, que o meu jarro poderia afinal ser uma peça antiga, executa no segundo quartel do século XIX.
A página do Science Museum Group |
Procurei então saber mais sobre este motivo delicioso do comboio e encontrei a página do Science Museum Group, no Reino Unido, que como o seu nome indica, agrupa vários museus de ciência, tecnologia, indústria e ainda ferroviários. Na colecção deste grupo de museus encontrei uma série de canecas e malgas todas com o mesmo motivo decorativo do comboio, datadas entre 1830 e 1850 e todas elas são alusivas à inauguração da primeira linha ferroviária do mundo ligando duas cidades, Liverpool e Manchester, em 1830. Esta linha foi um feito notável, que implicou a construção de tuneis, viadutos e toda uma série de obras de engenharia e deve ter impressionado muito quem viveu o acontecimento e os fabricantes de cerâmica, aproveitaram a ocasião para vender umas recordações aos passageiros ou até mesmo às pessoas, que apenas acompanharam o acontecimento através dos jornais.
Inauguração da primeira linha ferroviária do mundo ligando duas cidades, Liverpool e Manchester, em 1830. Imagem retirada de https://collection.sciencemuseumgroup.org.uk |
Só é pena que as peças de faianças da colecção Science Museum Group estejam tão sumariamente descritas, nas mais das vezes, sem referência às marcas.
As marcas impressas do meu jarro Railway B&B |
O meu jarro apresenta as seguintes marcas impressas na base: uma cartela, indicando o nome do padrão, railway; seguida das iniciais B&B. O conjunto é semelhante da John and Robert Godwin e praticamente idêntico ao da Hampson Broadhurst, mas confesso que aqui, nesta questão das marcas e das suas iniciais me perdi um bom bocado, apesar do recurso ao incontornável site thepotteries.org. A indústria de faiança inglesa no século XIX era um mundo, as companhias, mudavam de nome, associando-se a outras e depois a mais outras e as iniciais das marcas vão se alterando.
Marcas da John and Robert Godwin |
Marcas da Hampson Broadhurst |
Contudo, talvez o mais provável é que as iniciais B&B, correspondam a Bates & Bennett, (1868-1895), que sucedeu a John & Robert Godwin (1834-1866) e este último fabricou este padrão com toda a segurança, mas isto pode ser um palpite.
O sucesso deste padrão terá ultrapassado o segundo quartel do século XIX e continuou a produzido na segunda metade desse século, como será o caso deste meu jarro. Já na segunda metade do século XX, a Portland relançou este padrão do comboio, mas as cores são muito estridentes, a faiança demasiado branquinha e sem a graça das peças antigas.
O nome da locomotiva vai variando consoante a fábrica de de cerâmica. No meu jarro é Express |
Em jeito de conclusão este meu jarro terá sido fabricado pela Bates & Bennett, entre 1868-1895 e representa a inauguração da primeira linha ferroviária do mundo a ligar duas cidades, em 1830.
Alguma bibliografia e ligações consultadas:
illustrated encyclopedia of British pottery and porcelain / Geoffrey A. Godden. - London : Jenkins, 1966
http://www.thepotteries.org/allpotters/71.htm
https://www.rubylane.com/item/454213-TA14045/Antique-19th-Century-Staffordshire-Mug-Railway
Já me tinha esquecido desta peça que tinhas comprado. Foi há tanto tempo que ... esvaiu-se da minha memória.
ResponderEliminarBonita.
E uma belíssima investigação.
Tal como tu, quando quero perceber uma marca e a quem pertence, costumo is ao "The Potteries", que me parece ser o mais acessível e completo, pois outros há que são muito bons, mas é necessário pagar, e não estou para aí virado.
Prefiro tentar adquirir um livro de marcas.
Parabéns pela pesquisa
Manel
Manel. Esta peça andou um bocadinho esquecida, pois estava convencido que seria uma coisa do século XX, com um motivo do XIX. Cheguei mesmo a pensar em oferece-la a umas das minhas sobrinhas, mas como sempre gostei dela, não me consegui desfazer-me dela.
EliminarMas pelos vistos será uma peça original do século XIX, até porque tem as características marcas do tempo. Um abraço
Gosto imenso desta peça e padrão. Boas festas!
ResponderEliminarMargarida. Muito obrigado e festas felizes para si e para os seus
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