terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Uma jarra em opalina do século XIX



Recentemente, comprei esta jarra em opalina decorada com elementos vegetais e insectos por um preço muito convidativo. Embora, não apresentasse qualquer marca, pareceu-me de imediato uma coisa francesa dos finais do século XIX. Os franceses foram os principais fabricantes de opalina no século XIX e invadiram os mercados europeus e americanos com as suas criações.

Apesar da ausência de uma marca tentei descobrir algumas informações sobre esta jarra na obra L'opaline française au XIXe siècle de Yolande Amic, mas sem resultados e de seguida lancei-me no Google fazendo pesquisas em francês pelos termos opaline decoration insectes e fleurs XIX siécle, mas também não encontrei nenhuma peça com a mesma decoração ou forma. Repeti a pesquisa em inglês, para apanhar os sites de venda on-line de antiguidades dos EUA, pois os americanos adoram tudo o seja francês. Encontrei duas jarras exactamente com o mesmo formato, mas estavam identificadas como blue bristol glass. Enfim, fiquei um pouco surpreso, mas Bristol foi um centro vidraceiro muito importante no Reino Unido, que fabricou também vidros mais ou menos semelhantes às opalinas francesas, bem comos os chamados milk glass.




Resolvi então recomeçar as minhas pesquisas pelos termos blue bristol glass vase, até que cheguei ao portal de antiquários americano, o Rubylane, que é sempre muito bom. Os comerciantes que aqui colocam as suas mercadorias à venda conhecem bem antiguidades, devem ter bons peritos a aconselha-lhos e as atribuições, que fazem são normalmente fiáveis, ao contrário do e-bay, onde as informações sobre peças à venda não são de confiança, pois é o sítio onde o senhor-toda-gente, anuncia as tralhas, que tem à venda lá em casa e tudo o que é do século XIX é classificado sumariamente como vitoriano.



No referido Rubylane estavam à venda duas destas peças com estes motivos de flores, passáros e insecto e nas respectivas descrições, esclareciam que no mercado americano as opalinas deste azul, são invariavelmente classificadas como Blue Bristol glass, quando na verdade essas peças em azul-turquesa eram fabricadas na Boémia, a actual república Checa. Refiz novamente a minha pesquisa e percebi que a há uma confusão generalizada nesta matéria. Por exemplo, no Worthpoint estava à venda uma destas jarras com flores, pássaros e insectos classificada como antique french bohemian blue opaline glass. Isto é, em algumas páginas de internet estas peças são designadas como vidro azul de Bristol e noutros com opalina francesa em azul da Boémia.

Continuei as minhas buscas no Google e fui-me apercebendo que estas opalinas são com efeito de origem chega e muito provavelmente da fábrica de Harrach, situada numa localidade a Norte de Praga, Harrachov e cujas origens remontam ao século XVIII. Ao longo de todo o século XIX esta fábrica teve um enorme crescimento, exportando muito dos seus produtos para o estrangeiro, mas adaptando-os ao gosto dos mercados locais, como foi o caso da Inglaterra, onde os produtos checos apresentavam uma tonalidade azul ao gosto de Bristol. De tal forma esta adaptação foi bem-feita, que muitas vezes torna-se difícil distinguir os produtos checos dos ingleses.

Decorações típicas da produção Harrach das décadas de 80 e 90 do século XIX. Imagem retirada de https://www.sellingantiques.co.uk/379276/stunning-19thc-large-15-bohemian-turquoise-oapline-glass-vase-enamel-decoration-flowers-butterflies/


Em todo o caso, as borboletas, pássaros e insectos combinados com flores e plantas foram decorações típicas da produção Harrach das décadas de 80 e 90 do século XIX.

Há uma excelente página sobre as produções Harrac, o Mad about the glass, para quem queira saber mais sobre esta página um vídeo no youtube feito por uma amadora de antiguidades que experimentou exactamente as mesmas dúvidas que eu perante uma jarra em azul de Bristol

Em suma, esta jarra que comprei estando quase certo de que seria francesa, é designada no mercado americano como blue Bristol Glass, mas terá sido mais provavelmente fabricada na Boémia por volta das décadas de 80 ou 90 do século XIX.



Alguma bibliografia e links consultados:

Bristol and other coloured glass / John Bedford. - London : Cassell, cop. 1964

L'opaline française au XIXe siècle / Yolande Amic. - Paris : Librairie Gründ, 1952.

Cristal da Boémia / Vlastimil Vondruska, Antonin Langhamer. - Alfragide : EDICLUBE, 1997












5 comentários:

  1. Tenho a sensação de ter vistos peças semelhantes entre as que pertenceram à minha avó ou tia avó maternas. Vou procurar. Obrigada pela partilha! Bom dia!

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    1. Margarida

      As opalinas estiveram muito na moda durante todo o século XIX e mesmo inícios do século XX, embora, nesse último período a sua qualidade tenha decaído.

      Os franceses dominaram o mercado das opalinas, mas como se viu neste post outros fabricantes europeus produziram também opalinas ou vidros como uma aparência semelhante.

      Neste post, especulei um pouco sobre a origem desta peça, pois ela não apresenta marca e há menos informações sobre a indústria checa de vidros, apesar de ser de excelente qualidade, em termos de desenho, execução e ainda de processos químicos, pois obtiveram cores e materiais surpreendentes.

      Um abraço


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  2. Este assunto é para mim um mistério. Nunca entendi muito bem o que significa "vidro coalhado" por exemplo. Por vezes dizem-me que este vidro tem, à transparência, um certo ar azulado, mas creio que isto é algo que não me parece muito correto. Isto de "um certo ar azulado" não tem grande significado. É vago e pouco científico.
    E o vidro coalhado só pode ser branco? Ou há-o noutras cores?
    As opalinas acabam por estar mais definidas, na forma como se apresentam.
    E não é tão complicado perceber o que são.
    Mas o "vidro coalhado" para mim é um mistério. Cada pessoa com quem falo tenta explicar-me as caraterísticas, mas tudo fica sempre algo nebuloso e, por vezes, até contraditório.
    Creio que as pessoas que me tentaram elucidar também o não sabiam, ou então teriam informações incorretas.
    Mas este teu estudo sobre as opalinas é deveras apaixonante, pois são vidros tão bonitos, mas agora coloca-se-me algumas dúvidas técnicas. Será que as decorações são colocadas quando? Será que após a peça básica ser produzida em vidro, na cor base, é então aposta a decoração e volta ao fogo?
    Será que a decoração é colocada a frio e fixada de uma forma qualquer especial.
    Confesso a minha ignorância completa sobre as técnicas de produção destas peças.
    Quanto aos centros de manufactura delas, confio perfeitamente nas tuas pesquisas, pois não tenho mais conhecimentos adicionais.
    O mundo das peças antigas é imenso e o seu estudo ainda peca por pouco claro e pouco concludente.
    Não quero deixar de te dar os parabéns pelas tuas tentativas de determinação dos centros produtores de opalinas, que me parecem muito válidas e elucidativas sobre o que é possível encontrar.
    Manel

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    1. Manel

      Há uma grande confusão com a terminologia nesta área.

      Opalina é um termo mais francês. Por cá, os museus portugueses preferem usar o termo vidro coalhado para designar a opalina.

      Li que a dita opalina é um vidro em cuja composição entrava óxido de estanho e cinzas de ossos. Mas para nós comuns dos mortais, sabemos lá nós identificar a composição química de uma peça?

      Os ingleses usam também o termo opaline, mas distinguem-no do Milk glass, que se poderá traduzir por vidro leitoso. Por outro lado, os checos produziram opalinas, mas não sei se usaram a mesma composição química dos franceses.

      Nos meus textos nunca me aventuro por esses aspectos das técnicas e materiais, com receio de escrever disparates.

      No entanto, creio que pelo menos em meados do século XIX, em França, a decoração era um processo à posteriori e havia oficinas só de pintores /decoradores, que trabalhavam sobre os produtos das grandes fábricas de vidros.

      Um abraço e obrigado

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