domingo, 12 de março de 2023

Burgueses, fidalgos e brasileiros na Madalena, Chaves

Foto Universal, Rua da Cedofeita, Porto.  1916

Recentemente, comecei a explorar o interior uma caixa de papelão, cheia de fotografias antigas, que trouxe de casa do meu pai, após a sua morte. Há um núcleo de retratos, mais antigo, uns ainda do século XIX, outros tirados logo início do século XX. Quando se abre estas caixas com fotografias, há tanto tempo fechadas, a primeira reacção é de pânico e interrogamo-nos. Quem é esta gente, como é que as vou identificar será que vou deixar cair estes rostos, que pareciam tão vivos, no esquecimento perpétuo?

Mas, passado esse momento de aflição, fui rever todos os elementos, que o meu pai compilou pacientemente, quer da família, quer dos ramos colaterais, com pequenos apontamentos biográficos e cópias de fotografias e apercebi-me que este núcleo fotográfico dizia respeito aos Alves, família burguesa e abastada do bairro da Madalena em Chaves, que se ligou aos Montalvões através do casamento Ana da Conceição de Morais Alves (1881-1974) / José Maria Ferreira Montalvão (1878-1965) em 1903. A família Montalvão era antiga, com pergaminhos, vivia numa casa com pedra de armas e detinha extensas propriedades rurais, pelo menos à escala transmontana e os Alves eram burgueses ricos, de modo que através do casamento dos meus bisavós, juntou-se o nome ao dinheiro.




A primeiro fotografia data de 1916 e foi tirada na Foto Universal, na Rua da Cedofeita, no Porto e é um retrato de grupo dos Alves e dos Montalvões e identifiquei aqui a figura número 1, como a minha bisavô Aninhas (Ana da Conceição de Morais Alves), a nº 2 é o marido, o José Maria Ferreira Montalvão, com um certo ar de fidalgo marialva, a 3, é o seu sogro, o Francisco Luís Alves, que foi director do extinto Banco de Chaves, os jovem nºs 4 e 5, não os consegui identificar, a 6 é a tia Marica (Maria da Conceição Alves, 1876-1956), a tal senhora que viveu um amor contrariado com um jovem, que veio a ser o Monsenhor Alves da Cunha, o 7 é o irmão da Maricas e da Aninhas, o meu tio bisavô Luís da Conceição Morais Alves, advogado e que casou com a 16 de Janeiro de 1914 com Alice Júlia de Macedo de Andrade Couto Alves, a figura nº 8. Na correspondência contemporânea desta fotografia era designada pela família como Alicinha.

Luís da Conceição Morais Alves (8-12-1884/1-11-1931), meu tio bisavô

Há uns anos, no funeral da prima Lídia, no Porto, encontrei um senhor já de uma certa idade, descendente destes Alves, o primo Luís M. Alves de Oliveira, que conhecia o meu blog e estivemos a conversar sobre a história da família. Ocasiões tristes, os funerais têm sempre este lado social de permitir o reencontro de parentes que há muito que não se viam ou quem sequer se conheciam. Muito gentilmente o primo Luís M. Alves enviou-me algumas fotografias antigas dos Alves, acompanhadas de algumas explicações muito curiosas. Mas as imagens remetidas eram de péssima qualidade e como o primo tinha sido tão simpático, não tive coragem de lhe responder que nada daquilo poderia ser publicado no blog, mas o e-mail foi religiosamente arquivado.

Quando comecei a tratar deste núcleo dos Alves, tratei de recuperar este e-mail de 2013, com informações úteis e percebi, que tinha os originais de duas das tais fotos de má qualidade, que o primo me enviou.

Baptizado da pequena Antónia Amélia em 7 de Janeiro de 1915. Sem marca de fotógrafo

A primeira fotografia enviada pelo meu parente foi tirada por ocasião do baptizado da pequena Antónia Amélia, em 7 de Janeiro de 1915, primeira filha do casal, Luís Alves e Alice. O meu primo contou-me um pouco da história da família desta tia-bisavó, a Alice. O seu pai, que vemos ao centro na foto com um ar muito digno, era Cônsul do Brasil na Corunha e a tia Alice apesar de ter nascido no Porto, tinha nacionalidade brasileira. 


O meu tio bisavô Luís Alves com os Andrade Couto e as suas duas filhas pequenas. Sem data, nem marca de fotógrafo.

Na segunda fotografia, onde além da pequena Antónia Amélia, se encontra também a segunda filha do casal, a Elsa, constam ainda os irmãos da tia Alice, Carlos Couto, que trabalhou no Banco Nacional Ultramarino, na Praça da Liberdade no Porto e o João, que nas palavras do meu primo, era bon vivant, que levou a vida a viajar pelo Mundo. Segundo ainda o meu primo, a família da tia Alice era originária do Rio Grande do Sul, no Brasil.

Fiquei cheio de curiosidade, pressentindo que esta família da tia bisavó Alice, eram daqueles brasileiros de torna-viagem. Gente que partiu para o Brasil, regressou rica, abrindo negócios em Portugal, construindo casas imponentes, mas que mantinha um pé cá e outro lá, para cuidar dos seus interesses económicos nos dois países em simultâneo. Mas como poderia eu saber mais alguma coisa sobre esta família? 

Escrevi ao meu primo, pedindo mais elementos, mas não me respondeu e até fiquei inquieto, pensando se teria sobrevivido a esta pandemia horrível. Resolvi-me lançar numa busca desenfreada na net, nomeadamente nos catálogos arquivos distritais do Porto e Vila Real e percebi que teria que pesquisar pelo apelido de solteira da tia-bisavó Alice, Andrade Couto e de facto ao fim de umas quinze ou vinte tentativas, encontrei no Arquivo Municipal do Porto, um Termo declarativo de nacionalidade de João Ferreira de Andrade Couto, morador na Rua da Cedofeita, datado de 1909, em que naturalizava brasileiros seus filhos, Alice Júlia, nascida em 5 de Agosto de 1893 e Carlos, nascido em 13 de Dezembro de 1895, ambos na freguesia de Santo Ildefonso. Os dados coincidiam com a história contada pelo primo Luís M. Alves de Oliveira e resolvi consultar então no Arquivo Distrital do Porto, o ano de 1893, do livro de baptimos da Freguesia de Sto. Ildefonso, para saber mais sobre esta tia bisavô luso brasileira.


Alice Júlia de Macedo de Andrade Couto Alves (1893-1967)

Neste livro encontrei os seguintes dados, a Alicinha nasceu a 5 de Agosto de 1893, em Santo Ildefonso, Porto. Era filha de João Ferreira de Andrade Couto Júnior, bacharel em filosofia, natural de freguesia ignorada e de Júlia Macedo de Andrade Couto, natural da freguesia de S. Pedro, Rio Grande do Sul. Os pais residiam em St. Ildefonso, Porto. A Alice Júlia era neta paterna de João Ferreira de Andrade Couto e de Amélia Júlia Ferreira de Andrade e materna de Francisco José de Macedo e Maria Galvão de Macedo. Os padrinhos foram o Avô, João Ferreira de Andrade Couto casado, capitalista e Dona Ana de Macedo, solteira. Portanto, tudo continuava a bater certo, com os dados indicados pelo primo. 

Aproveitei e consultei igualmente, o Arquivo da Universidade Coimbra, onde há o registo da passagem do pai da Alice nos cursos de matemática e filosofia, onde é identificado como João Ferreira de Andrade Couto Júnior, natural do Rio de Janeiro. Este senhor tinha o mesmo nome do pai e por isso usava termo júnior, a seguir ao apelido, uma prática ainda hoje corrente no Brasil e rara em Portugal. Mas não parei e voltei ao Arquivo Municipal do Porto e descobri o testamento do avô da Alice, registado no Rio de Janeiro e que faleceu em 1894. O João Ferreira de Andrade Couto nasceu em Couto dos Cucujães, actual concelho de Oliveira de Azeméis em 7 de Janeiro de 1832 e deixou uma enorme fortuna, avaliada em duzentos e trinta contos de reis e que foi distribuída pelos seus 4 filhos.

Cônsul do Brasil na Corunha, João Ferreira de Andrade Couto Júnior posa com grande dignidade


Estes dados confirmaram o meu palpite de que estes Andrade Couto eram brasileiros de torna viagem e muito ricos. Também explicam que a primeira fotografia tenha sido tirada na Foto Fernandes, na Rua da Cedofeita, no Porto, pois estes Andrade Couto tinham por ali residência. É natural, que algum encontro de família, reunindo os Alves e os Andrade Couto e os Montalvões tenha ocorrido nessa casa do Porto e o momento foi celebrado com uma ida ao estúdio fotográfico, para ficar para a posterioridade. 


João Andrade Couto foi um bon vivant.

Também consegui identificar, os dois jovens janotas, presentes na primeira e última fotografia, o Carlos e o João Andrade Couto e perceber porque é este último foi um bon vivant. Dispunha de parte da fortuna, que o avô, João Ferreira de Andrade Couto acumulou nas terras do Brasil e entreve-se a goza-la. Quanto às duas senhoras mais velhas das duas fotografias, segundo o meu primo, aquela que consta duas fotografias, seria a sua bisavô, a Júlia Macedo de Andrade Couto, mulher de como João Ferreira de Andrade Couto Júnior, mas parece-me bastante mais velha que o marido. A doce senhora de cabelos brancos do segundo retrato não faço a menor ideia quem seja.

Júlia Macedo de Andrade Couto?

Enfim, para rematar, estes Alves, que se cruzaram com os Andrade Couto, viviam paredes meias com a casa de Chaves da família Montalvão, no bairro da Madalena. Conta-se até, que uns vinte ou vinte e cinco anos depois destas fotografias, a filha mais nova de José Maria Ferreira Montalvão e da Aninhas enamorou-se de um jovem, que os país consideraram indesejável. Mas, com a cumplicidade da tia Alice e de uma das suas filhas, a Elsa, o pretendente indesejado era recebido na casa dos Alves e ia para uma varanda de sacada e a um sinal qualquer combinado surgia da varanda da casa vizinha, a mais jovem filha dos Montalvões e os dois estavam ali uma ou duas horas, num verdadeiro namoro de janela.

A fotografias antigas têm sempre esta capacidade de contar histórias.

Esquema da genealogia dos Alves e Andrades Couto




Fontes consultadas:

Processo de inventário obrigatório, Luís da Conceição Morais Alves; Inventariante(s): Alice Júlia de Macedo de Andrade Couto Alves, 1931
Arquivo Distrital de Vila Real
CÓDIGO DE REFERÊNCIA
PT/ADVRL/JUD/TJCCHV/C-B/082/1061


Arquivo Municipal do Porto
CÓDIGO DE REFERÊNCIA
PT-CMP-AM/PUB/CMPRT/SG-SCN/161/A.PUB.2337


Livro de baptimos da Freguesia de Sto. Ildefonso, 1893
Arquivo Distrital de Vila Real
CÓDIGO DE REFERÊNCIA
PT-ADPRT-PRQ-PPRT12-001-0082_m0222


Documento/Processo, 1894/04/03 – 1894/04/03
Arquivo Municipal do Porto
PT-CMP-AM/PUB/ABOR/8/RT11873


João Ferreira de Andrade Couto Júnior
Arquivo da Universidade de Coimbra
CÓDIGO DE REFERÊNCIA
PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/014415

6 comentários:

  1. Muito bom! Mas me perco com tantos detalhes e os nomes...em São Paulo uma das famílias mais ricas e tradicionais do Estado, eram os Alves de Lima. Hoje nem se ouve mais falar, mas eram a nata da nata, fazendas, plantações de café, acho que com as sucessivas crises, a fortuna da família foi diminuindo.
    Quando se fala sobre a alta sociedade paulistana o nome Alves de Lima sempre aparece, mas nunca relacionado ao Rio Grande do Sul.
    Abraços, Luís e parabéns pelas pesquisas que estou sempre a ler.

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    1. Jorge

      Muitas vezes as famílias têm o seu tempo. São ricas e poderosas e depois o dinheiro, a influência desaparecem e até o apelido perde-se

      Quando andei a fazer uma pesquisa sobre este Andrade Couto, de que não sabia nada, percebi que alguns dos dos filhos de João Ferreira de Andrade Couto, o pai, o tal senhor que nasceu em Couto dos Cucujães 1832, deixou filhos no Brasil, mas não lhe segui o rasto, pois ainda tornaria o texto mais complicado.

      Em todo o caso, o teu comentário, fez-me perceber que deveria ter incluído no post, uma árvore genealógica muito simplificada, para as pessoas não se perderem no meios de tantos nomes.

      Em todo o caso, estes Andrade Couto são um fenómeno muito típico da sociedade portuguesa do século XIX e inícios do século XX, os tais brasileiros de "torna viagem". Esta expressão designa, gente que partiu para o Brasil, enriqueceu e que regressou a Portugal, tornando-se industriais, negociantes e até mecenas da educação. Constroem grandes casas, segundo modas das Américas, que ficaram conhecidas em Portugal, por "casas de Brasileiros". Muito desses brasileiros de torna viagem, mantem negócios em Portugal e no Brasil. Nesse sentido, o João Ferreira de Andrade Couto Júnior quis que os filhos nascidos em Portugal tivessem nacionalidade brasileira, certamente para lhe permitir continuarem a gerir os negócios do Brasil.

      Um grande abraço português

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  2. A pouco e pouco as pessoas saem do seu anonimato. Não é fácil, a esta distância, mas, com a tua paciência e os teus contatos, as coisas vão-se resolvendo.
    Continua, que é sempre um prazer ler
    Manel

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    1. Manel

      Esta caixa de papelão com fotografias dos Alves tornou-se uma espécie de vício. Comecei a tratar uma fotografia e a seguir, como quem puxa o fio de um novelo, vieram uma série de histórias atrás e consegui descobrir esse lado da família, os Alves, de quem sabia pouco.

      Talvez por causa da investigação genealógica, que fiz o texto ficou um bocadinho complicado e talvez faça um pequena representação gráfica genealógica, para que se perceba melhor o texto.

      Um abraço e obrigado pelos teus comentários tão encorajadores

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  3. nestas fotografias acho que se pode reconstruir e também nos fazer recuar a outros tempos

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    1. António

      Com um pouco de paciência consegue-se identificar estas fotografias antigas, mas sobretudo há que não deixar morrer os mais velhos, para lhes pedir todas as explicações possíveis. Neste caso, usei a compilação do meu pai sobre a história da família e um e-mail precioso trocado com um primo afastado há cerca de 10 anos.

      Um abraço de Lisboa

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