Desde há um tempo descobri o encanto das opalinas, esses vidros em cuja composição entrava óxido de estanho e cinzas de osso, conhecidos em português por vidros coalhados. Embora já fossem fabricadas em Veneza desde o século XVI, foi no século XIX, em França, que a produção de opalinas atingiu o seu apogeu decorativo e técnico. É certo que outros países também fabricaram vidros com composições semelhantes, nomeadamente a Inglaterra, na cidade de Bristol e a Boémia, na actual República checa,
Mas o que aparece mais nos mercados de velharias em Portugal são opalinas francesas da segunda metade do século XIX e que se compram preços razoáveis.
Na última feira de Estremoz comprei esta jarra muito bonita, que foi durante anos a fio usada para pôr flores, pois ainda tinha dentro restos de um lodo no interior, que foi uma chatice remover. A peça foi-me vendida como francesa e de facto o seu estilo decorativo foi obviamente inspirado na porcelana de Sèvres do século XVIII. Digamos que esta jarra é uma reinterpretação arte nova da porcelana de Sèvres do tempo de Luís XV.
Decidi então confirmar esta minha impressão, fazendo uma série de pesquisas por imagem no Google e encontrei uma jarra exactamente igual no portal de antiguidades WordPoint.com, mas cujo fabrico estava atribuído ao centro vidreiro Harrach, ou Harrachov, na Boémia, do período Loetz, cerca de 1880.
Fiquei um bocadinho desconcertado pois achei esta jarrinha com um estilo muito francês e também não me pareceu que tivesse sido fabricada por volta de 1880. A sua decoração já é muito 1900. Procurei no google por Harrarch e por Loetz e percebi que correspondem a dois centros de fabrico distintos da Boémia, o primeiro na cidade de Harrachov e o segundo em Klostermühle, hoje em dia, Klášterský Mlý. Em suma, o antiquário que tem isto à venda no Word Point confundiu alhos com bugalhos. Em todo o caso, prossegui as minhas buscas na net pelas opalinas Harrachov e de Loetz, em Klášterský Mlý e não encontrei nada semelhante. Os vidros checos de cerca de 1900, no chamado estilo secessão, nome usado na Europa Central para a Arte Nova, são sempre muito imaginativos, quase delirantes e pouco nada tem a ver com esta jarrinha, uma reinterpretação arte nova da porcelana de Sèvres.
A mesma jarrinha que estava à venda no Word Point aparecia também reproduzida no Pinterest, com a mesma legenda indicando, que era da Boémia, de Harrach, mas alguém deixou um comentário, chamando a atenção que a peça poderia ser eventualmente de Legras e resolvi explorar essa hipótese. Este Legras era o Senhor François-Théodore Legras (1839-1916), director das Verreries de Sant Dennis e que durante vigência da sua direcção, modernizou completamente a fábrica, conseguindo que os seus produtos fossem premiados várias vezes na nas exposições universais entre 1880 e 1900. A produção das Verreries de Sant Dennis era muito diversificada e ia desde produtos utilitários, a objectos de luxo, passando por criações arrojadas ao nível de vidreiros franceses famosos como Gallé, Daum ou Lalique.
Até há pouco tempo muito mal conhecida, a obra de François-Théodore Legras foi objecto de um catálogo sistemático, "François-Théodore Legras, verrerie artistique et populaire française / Marie-Françoise Jean-François Michel, Dominique et Jean Vitrat. -Paris : éditions Manufacture d'Histoire, 2012.
Jarra à venda no e-bay |
Conjunto posto à venda pelo Leiloeiro Drouot, |
Em suma esta jarrinha de flores em opalina terá sido fabricada por volta de 1900, muito possivelmente pela Legras et Cie (Verreries de Sant Dennis) e é um exemplo da qualidade dos produtos dessa fábrica, uma reinterpretação elegante ao gosto de 1900 do estilo da porcelana de Sèvres do Século XVIII.
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Lindíssima! Bom Sábado!
ResponderEliminarCara Margarida
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário e pela fidelidade com que segue este blog. Um abraço
Que belo texto e que bela jarrinha! Bom domingo
ResponderEliminarMuito obrigado e votos de uma boa semana
EliminarVamos lá a ver se agora consigo deixar-te um comentário. Mudei o browser.
ResponderEliminarTu és como as formiguinhas, que trabalham e trabalham, até chegar a uma conclusão satisfatória.
Muito bem.
Ficamos nós mais enriquecidos com o conhecimento e tu consegues deslindar, através da pesquisa, aquilo que o tempo fez esquecer, e que não é fácil trazer à superfície de novo.
Boa continuação
Manel
Manel.
EliminarEstas coisas da internet estão sempre numa mudança demasiado rápida e continua e muitas vezes deixamos de poder fazer operações que antes eram simples e rápidas. Por vezes travo lutas titânicas nestas redes sociais contra alterações e bloqueios nos computadores.
Quando as peças não estão marcadas, como é o caso dos vidros e opalinas, tenho que entrar sempre no campo da especulação, o que pode dar origem a erros grosseiros. Neste caso, tive sorte e encontrei dois vendedores de antiguidades, com peças com decorações idênticas às minhas e que referiam a mesma bibliografia para as atribuir às Verreries de Sant Dennis. Um deles foi a leiloeira Drouot, que é uma casa de prestígio e muito credível.
Um abraço e muito obrigado