terça-feira, 13 de agosto de 2024

Um prato de Miragaia marcado




Nos últimos anos tenho publicado pouco sobre faiança portuguesa. Não porque tenha perdido o interesse, mas coleccionar terrinas, molheiras, pratos, jarras e travessas é uma prática que implica ter espaço e na assoalhada e meia em que tenho vivido até agora, já não há paredes livres, nem tampouco tampos de móveis para expor mais peças. Alguns dos pratos foram até parar ao tecto, de acordo com uma inspiração colhida no Palácio de Santos em Lisboa.

Mas a carne é fraca e como estou em vias de mudar de casa, comprei noutro dia por um preço absolutamente irrecusável um prato de sopa, do motivo País, com a marca incisa, SP, dentro de uma reserva oval. Quando o adquiri, já não me recordava exactamente a que correspondia a marca SP, mas sabia que este motivo País tinha sido produzido por quatro fábricas, Miragaia, Santo António de Vale da Piedade, Alto da Fontinha e ainda Viana. Como as peças de Viana são uma variante mais característica este prato só ó poderia ser das três primeiras fábricas e portanto o preço que paguei foi baixo. Os exemplares marcados têm sempre maior valor económico, mas também um interesse acrescido para o conhecimento e evolução e produção desta ou daquela fábrica.

A marca incisa, SP, dentro de uma reserva oval


Cheguei a casa e foi consultar o catálogo da exposição Fábrica de Louça de Miragaia. - Porto : Museu Nacional do Azulejo, 2008, que é fundamental para quem se interessa por faiança e logo na página 250, estava reproduzida esta marca, como sendo de Miragaia, do segundo período de laboração da fábrica, entre 1822-1850. Fiquei todo contente, pois tinha acertado na mouche e comprado um prato Miragaia autêntico.




Em termos de funcionalidade, parece-me um prato de sopa. Mas curiosamente, no catálogo da exposição de Miragaia, os autores não usaram as expressões prato de sopa ou raso, mas sim prato com covo acentuado ou pouco acentuado. Já tinha lido que a terminologia para designar a louça de servir neste 2º quartel do século XIX era diferente daquela que usamos hoje dia, o que provavelmente explica essas designações dos autores do referido catálogo. Consultei então o Itinerário da faiança do Porto e Gaia, do qual consta um glossário dos termos usados na época. Assim, o prato raso individual, no qual se serviam alimentos sólidos era designado por prato ladeiro ou de guardanapo. Ao prato apropriado para comer sopa, de caldeira mais funda da que o prato ladeiro chamava-se prato sopeiro.

Em suma, este é um prato sopeiro com a decoração País, fabricado por Miragaia, na cidade do Porto, entre 1822-1850.



É certo que o prato foi muito mal tratado ao longo dos seus quase duzentos anos de existência e por isso foi mais barato, mas também não vou usa-lo. Irá para uma parede na minha nova casa a aí terminará os seus dias numa reforma tranquila.



Alguma bibliografia consultada:

Fábrica de Louça de Miragaia. - Porto : Museu Nacional do Azulejo, 2008.

Itinerário da faiança do Porto e Gaia. - Lisboa : Instituto Português de Museus, 2001.

11 comentários:

  1. Belíssimo! Parabéns pela compra, e felicidades na nova casa!! As "cicatrizes" para mim só acrescentam história à peça.

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    1. Fábio

      Ainda estou em processo de mudança. Também é por essa razão que tenho escrito tão pouco. Agora ando a embalar todos estes tarecos, mas a casa para onde vou é bastante maior.

      Como tu referes as mazelas do prato, além da autenticidade, conferem-lhe a beleza que o tempo vai deixando nas peças.

      Um grande abraço

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  2. Olá, Luis !
    Os teus blogs fazem-me imensa companhia. A variedade temática, o profissionalismo da pesquisa ( com os ais inevitáveis de quanto ela é penosa...) o texto sempre gostoso com que nos prendes, o desafio a procurar nas nossas casas quaisquerm blog tão interessante.

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    1. Continuação:
      quaisquer coisitas quiçá parecidas com as múltiplas que apresentas, são um bem que me acompanha ! Obrigada . Até breve. Um abraço vinhaense da B. e da L.

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    2. Caras primas

      Muito obrigado pelas vossas palavras. Tentar saber mais sobre os tarecos velhos que temos em casa, que eram dos pais, os avôs ou de uma tia bisavó, torna sempre as peças mais valiosas. E nem é pelo dinheiro, é pelo conhecimento que adquirimos.

      Bjos de Lisboa

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  3. Um prato muito bonito. Gosto muito deste tipo de decoração. Bom dia!

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    1. Margarida.

      O motivo País é dos mais sedutores da faiança portuguesa e aparece pouco no mercado.

      Um abraço

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  4. Este motivo é algo que é difícil de encontrar, ainda que, de vez em quando, lá surge uma destas preciosidades.
    Eu só tenho um covilhete, igual a um que também tens, com este motivo, e mais um outro prato, que creio não ser de Miragaia, mas de uma outra fábrica, possivelmente do Porto, que também fabricava este padrão.
    Vamos andando a escavar o filão das feiras, pode ser que surja outro exemplar, o qual parece ter tido tanto sucesso junto do público da época.
    Manel

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    1. Manel.

      Este motivo é um encanto, mas aparece pouco nos mercados de velharias, pelo menos no Sul. Este apresenta a particularidade de estar marcado inequivocamente como Miragaia. Tenho uma terrina com o motivo país, mas sem marca e tanto poderá ser Miragaia como santo António do Vale da Piedade ou Fontinha.

      Um abraço

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  5. Salve Luis! Setembro findou e lembrei-me do aniversário do Velharias. Não poderia deixar passar em brancas nuvens, como diz o ditado brasileiro, uma data tão especial. Felicitações d´além mar , da úmida e primaveril Pelotas.

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    1. Edwin

      É muito gentil da sua parte lembrar-se do aniversário deste blog. Este ano não o comemorei. Mudei de casa e tem sido uma trabalheira inaudita. Mudar de casa é sempre complicado, mas quando se colecionam trastes e velharias é mais complicado. Ainda para mais fiz também obras na casa nova. Mas o apartamento é mais do dobro do que a minha antiga casa.

      Logo que estiver mais calmo, com as coisas todas no sítio, recomeçarei a escrever aqui.

      Um grande abraço

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