quinta-feira, 14 de agosto de 2025

À procura das origens nas terras frias de Bragança: a prima Berta



Na genealogia que tracei da família do meu avô materno António da Purificação Ferreira, ficaram uns buracos negros por preencher, isto é, pessoas que eu ainda conheci, que sabia que eram deste ramo familiar, como a prima Berta, ou de que apenas ouvi falar, como a tia Natividade, mas que não fazia a menor ideia em que lugar se encaixavam na árvore genealógica.

Da prima Berta, lembrava-me que tinha sido enfermeira num hospital em Águeda, nunca casou e quando se reformou foi viver para a casa de Souto Covo, em Vinhais. Os meus primos, os meus irmãos e eu gostávamos dela. Todos os finais de tarde, a prima Berta pegava naquelas crianças ou pré-adolescentes e levava-nos a passearmos até ao Santo António. Era um caminho aprazível, arborizado com negrilhos, castanheiros ou carvalhos. A meio da estrada havia uma fonte dedicada ao Santo António com uma água muito fresca e saborosa. Nós, os Lisboetas, que estávamos habituados à água da torneira de Lisboa, muito calcária, com sabor a desinfectante, beber daquela fonte era um prazer, que nunca se esquece. Depois, chegados ao Santo António a vista sobre aquelas serras transmontanas, onde não se vê uma aldeia sequer era um deslumbramento. Creio que a Tia Berta, como nós lhe chamávamos foi de certo modo responsável pelo gosto que desenvolvi por aquela paisagem de montanhas, onde se sente a solidão e o isolamento, como em mais nenhuma parte do País.

O passeio até ao Santo António. A tia Berta é a segunda a contar da esquerda. Fotografia de meados dos anos 30. A senhora mais velha é a minha avó Adelaide, as minhas tias e tios, a minha mãe ao lado da menina com a boneca, que é a Teresa Lima Barreto 


Mas o hábito de passear da vila até ao Santo António já devia ser antigo na família, há uma fotografia de tirada em meados dos anos 30 com a tia Berta e família, nessa estrada, certamente por ocasião de uns desses passeios, e que terá até metido um piquenique.

No dia do passeio ao Santo António terá havido uma merenda



Em todo o caso, nem sabia tão pouco se Berta era o seu verdadeiro nome ou um diminutivo de Alberta, Adalberta, Felisberta ou de outos desses nomes que estiveram tão moda no início do século XX. Contactei com a minha prima Anabela, que herdou do avô uma boa memória para os acontecimentos familiares do passado ou talvez antes o prazer de escutar as histórias dos mais velhos. Anabela conhecia o nome daquela prima, Berta Benedita e adiantou-me que estava sepultada no cemitério de Vinhais, no quinhão da família e pôs-me na pista certa, pois lembrei-me que há uns anos tinha fotografado da sua sepultura, certamente com a ideia que um dia aqueles dados me seriam úteis. Lá vasculhei os meus arquivos digitais e encontrei a fotografia da lápide, Berta Benedita, 4.2.1899 /15-1-1987. 


Lápide da Tia Berta no Cemitério de Vinhais


Contudo o lapícida engatou a data de falecimento e alguém mandou corrigir a inscrição, pintando por cima 1977. A partir daqui parti para a consulta dos arquivos paroquiais, primeiro Terroso, Espinhosela de onde uma parte da família Ferreira era oriunda, mas como não encontrei nada fui até Bragança, a cidade onde a maioria destes meus antepassados nasceu, casou ou morreu e com efeito a Berta Benedita nasceu na paróquia de Santa Maria no dia 5 de Fevereiro de 1899, em vez de ser no dia 4 como está indicado na sepultura. A Berta era filha natural de Constância Ferreira, natural de Fontes de Transbaceiro e neta de Manuel António Ferreira e Doroteia de Jesus Pires e filha de pai incógnito. A sua mãe Constância era uma das irmãs do meu avô e portanto a Berta era sobrinha do António da Purificação e prima direita da minha mãe dos seus irmãos. A menina teve por padrinhos, a sua tia Cândida Augusta e António dos Santos da Cruz Rocha, estudante. Talvez este último fosse o pai biológico, mas enfim, é uma mera especulação.


O assento de baptismo de Berta Benedita. Era filha de pai incógnito


Fui então procurar registo de nascimento da Constância, irmã do meu avô, em Fontes de Transbaceiro, mas achei logo a coisa estranha, porque só o primeiro filho dos meus bisavôs, a Cândida Augusta, tinha nascido naquela aldeia em 3-1-1884. Os restantes filhos de Manuel António Ferreira e Doroteia de Jesus Pires (casados em 25-11-1853) nasceram em já Bragança, respectivamente em 20.10.1886 e 9-1-1889. Esta Constância não se encaixava aqui.


Pensei então que a minha bisavó, a Doroteia de Jesus Pires, tinha tido um anterior casamento, realizado em Fontes de Transabaceiro, a 6 de Maio de 1869, com Manuel de Morais e fui procurar a descendência deste casal e com efeito, no dia 24 de abril de 1876, tiveram uma menina, a Constância de Jesus. Portanto a Berta era filha da Constância de Jesus, uma meia-irmã do meu avô. Seguindo o mesmo raciocínio, lembrei-me que a célebre tia Natividade, de que minha mãe e tias contavam episódios cómicos, cujo assento de nascimento eu não encontrava, fosse igualmente filha da Doroteia de Jesus e Manuel de Morais- E com efeito, confirmei que, a Natividade da Assunção nasceu em 27 de Fevereiro de 1870, em Fontes de Transabaceiro, filha de Manuel de Morais e da referida Doroteia. Portanto era meia imã do meu avô.


Os descendentes e ascendentes de Doroteia de Jesus Pires


Quanto à prima Berta Benedita é um mistério como é que uma menina filha de pai incógnito e de uma mãe, que era jornaleira, o que na linguagem nestes registos paroquiais designa uma mulher humilde, que trabalha à jorna, se tornou enfermeira. Nesta época o mais natural é que a menina nem fosse mandada à escola e ficasse a trabalhar nos campos. Mas alguém providenciou que a pequena Berta tivesse uma educação para lá do conhecimento das primeiras letras. Talvez o pai biológico, a madrinha, a minha tia-avó, a Cândida Augusta ou outro parente qualquer tivessem providenciado os seus estudos e até uma formação. Enfim, só posso especular sobre o assunto.



A tia Berta em 1932. Estaria a trabalhar no hospital de Águeda desde 1923 


Na época em que a Berta Benedita era jovem, a guerra de 1914-1918, aumentou exponencialmente a necessidade de enfermeiras qualificadas e nos anos 20 havia pelo menos três cursos de enfermagem em Portugal, um Lisboa, no Hospital de são José, outro em Coimbra e outro junto do Hospital de Santo António, no Porto. Talvez a Berta Benedita tenha frequentado algum deles





O que é certo é na família, temos fotografias da Tia Berta nos anos vinte e trinta em pleno serviço no Hospital, com o uniforme e um ar muito profissional. A minha irmã lembrava-se até do nome da instituição, Hospital Asylo Conde De Sucena, onde teria trabalhado com o Dr. António Pinto Breda e a prima Anabela acrescentou as estas memórias, mais um facto interessante, que a Berta Benedita foi também parteira e ajudou a nascer o poeta Manuel Alegre, em 12 de Maio de 1936.

Depois deste trabalho, pelo menos consegui reviver de alguma forma a vida da Prima Berta e descobrir quem era a Tia Natividade. Claro meia dúzia de parágrafos não explicam quem foram estes seres humanos, mas a maioria de nós pouco ou nada deixa para a posterioridade


O avô paterno de Doroteia de Jesus, Manuel Pires era natural de Gimonde e e acrescentei essa aldeia ao mapa das origens dos Ferreira


segunda-feira, 11 de agosto de 2025

À procura das origens nas terras frias de Bragança: a filha do fidalgo

Retrato de António da Purificação Ferreira, existente na Casa de Souto Covo, Vinhais. O passe-partout é em seda, as flores são casulos de bicho-da-seda cortados e o bordado a fio de prata. Certamente, um trabalho da minha avó Adelaide Maria.


No meu anterior post tentei traçar as origens do meu avô materno António da Purificação Ferreira (20.10.1886-12.2.1949), que tinham caído no esquecimento dos seus descendentes. O meu avô descendia de uma família de pequenos funcionários. O seu pai Manuel António Ferreira foi guarda da polícia civil, o avô, Francisco Paulino Cândido, professor primário e o bisavô, Manuel Paulino Ferreira foi assentista na praça-forte da cidade de Bragança. Assentista significa que era fornecedor de mantimentos para as tropas, mediante quantia assentada. Esta gente nasceu e viveu sobretudo em Bragança, mas alguns deles de aldeias das cercanias dessa cidade, como Fontes de Transbaceiro, Terroso e Vila Nova da Serra em Donai.

Genealogia da família ferreira simplificada



Desta gente sem relevância social, destacava-se pelo seu apelido sonante a minha trisavó, a mulher de Francisco Paulino Cândido, Maria Angelina Robalo Taborda, filha de um tal Francisco Xavier Robalo Taborda, natural de Freixo de Espada-a-Cinta. Estes Robalo Taborda eram gente de condição social alta e achei muito estranho, que uma das suas meninas casasse com um modesto professor primário.

Decidi então tirar estes assuntos a limpo. Nos assentos de baptismo dos seus filhos, pelo menos daqueles, que encontrei, o Manuel António (4-11-1854), o António José (27-12-1856) e Cândida Paulina (20-12-1858), referem sempre que são netos maternos de Francisco Xavier Robalo Taborda, natural de Freixo-de-Espada-à-Cinta e de Maria do Rosário Vieira, de Bragança. Em 25 de Novembro de 1853, no registo de casamento desta antepassada com Francisco Paulino Cândido, meu trisavô, o pároco não mencionou a sua filiação, mas foi nomeada como Maria Angelina Robalo. O Francisco Paulino Cândido, seu marido morreu em 1881 em Fontes de Transbaceiro, já viúvo, mas não encontrei o assento de óbito da Angelina, onde se indicaria a idade do falecido e a paróquia onde nasceu, o que me  permitiria, apurar como é esta família de condição, Robalo Taborda, se misturou com uma gente simples, os Ferreira.

Antes de casar com o meu trisavô, Francisco Paulino Cândido Ferreira, a Maria Angelina teve um primeiro casamento com Francisco Manuel de Carvalho, do qual teve uma filha, a Maria 



Mas tinha a informação que a minha trisavó, tinha casado anteriormente, com Francisco Manuel de Carvalho, tenente do exército, falecido em 27 de Fevereiro de 1848. Lembrei-me então procurar o assento de casamento destes dois e encontrei-o na freguesia da Sé em Bragança, a 12 de Fevereiro de 1846 e Maria Angelina Taborda foi referida como filha natural de Maria do Rosário e de pai incógnito e baptizada em Prada. Bem que podia eu procurar o seu registo de batismo nas centenas e centenas de nascimentos das duas freguesias de Bragança.


Assento de casamento de Maria Angelina Robalo Taborda com Francisco Francisco Manuel de Carvalho. 12 de Fevereiro de 1846, Sé, Bragança  



Maria Angelina Taborda foi referida como filha natural de Maria do Rosário e de pai incógnito e baptizada em Prada.


Estava descoberto o mistério, Maria Angelina era filha bastarda de um senhor de condição elevada e não era de Bragança, como registos posteriores indicavam, mas sim de Prada, uma aldeia já no Concelho de Vinhais, na freguesia de Vila Verde. Provavelmente, antes que, a gravidez fosse evidente, a sua mãe, Maria do Rosário Vieira, retirou-se para a sua aldeia de origem para dar à luz discretamente o fruto do seu pecado. Mas, estes filhos bastardos sabiam perfeitamente quem era o pai e como era de costume no século XIX usavam os apelidos deste como toda a naturalidade e foi o que a Maria Angelina fez sempre.

O mapa com as terras por onde esta gente nasceu, viveu e morreu.

Sobre o pai, o Francisco Robalo Taborda posso fazer algumas especulações. Na década de 20 do século XIX, quando é presumível o nascimento da Maria Angelina, andava por Bragança, um Francisco Taborda Robalo Ferreira de Azevedo, Cavaleiro da Ordem de Cristo, Alferes de infantaria e que casou muito bem em 18 de Fevereiro de 1828 na paróquia de Santa Maria daquela cidade, com a Dona Francisca Inácia de Pimentel, mas este fidalgo era natural de Penamacor.

O mais provável é que o pai fosse oriundo um ramo transmontano dos Robalo Taborda, de Freixo-de-Espada-à-Cinta, talvez o Francisco Xavier Robalo Pinhateli Taborda Pinto da Gama, nascido nessa localidade em 29-12-1789. Mas, não tenho notícias de que desse Senhor tenha andado por Bragança por volta dos anos 20 do século XIX. Enfim, quem sabe a resposta a estas minhas dúvidas já morreu há mais de século meio.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

À procura das origens nas terras frias de Bragança


António da Purificação Ferreira em 1911


Embora me tenha dedicado bastante à história familiar, noutro dia ao ver umas fotografias de militares do Corpo Expedicionário Português de 1917-18 dedicadas ao meu avô materno, António da Purificação Ferreira, descobri que sabia muito pouco da sua família.

Tinha uma ideia que era de um nível social inferior ao da minha avó. Quando se conheceram ele era um jovem empregado de comércio no estabelecimento do Sr. Fernandes, em Vinhais e ela provinha de uma família de lavradores abastados. O namoro decorreu com a cumplicidade da tia Adelaide e do marido, o referido Senhor Fernandes e contra a vontade dos pais dela lá casaram em 23-02-1910. Ela era praticamente uma miúda e ele tinha uns 24 anos.


Retrato do meu avô em Vinhais, em 1903 com 16 anos dedicado à sua mãe, a Doroteia de Jesus Pires. No centro está o patrão com uma caneca e um copo  na mão. Deve ter sido dia de festa, que mereceu uma fotografia. Do lado direito, o António da Purificação parece um menino frágil e desprotegido. Neste tempo não se falava em exploração do trabalho infantil. 





Mas o jovem António da Purificação deveria ter as suas qualidades, pois em 1918 estabeleceu-se por conta própria, com o apoio financeiro do Sr. Fernandes, tio por afinidade da sua mulher e do Morgado de Rio de Fornos, segundo o que o meu pai compilou anos 90 do século XX.




Através da consulta aos arquivos on-line, tratei então de conhecer melhor as origens deste meu avô e consegui remontar ao início do século XIX, ao dia 14 de Fevereiro de 1809, quando na paróquia da Sé, em Bragança foi baptizado um menino, Francisco Paulino Cândido, nascido a 4 do referido mês. 

Assento de baptismo de Francisco Paulino Cândido, de 14 de Fevereiro de 1809. Este senhor é o meu trisavô

Este menino era filho natural, quer dizer, os seus pais não eram casados quando ele nasceu. O pai era de Bragança e chamava-se Manuel Paulino Ferreira e era assentista na praça da referida cidade. Assentista significa que era fornecedor de mantimentos para as tropas, mediante quantia assentada. O menino Francisco era neto paterno de Justiniano António Ferreira e segundo uma nota ao lado do assento, seria da Azambuja e de sua mulher Ana Maria Gertrudes, esta de Bragança. A mãe, Maria do Carmo, quando teve este bebé, já era viúva, residia em Bragança e era natural de uma aldeia a Noroeste de Bragança, Vila Nova da Serra, na paróquia de Donai e era filha de Francisco José Rodrigues e de sua mulher Francisca Leonarda, ambos da referida aldeia.

Só voltei a ter notícias do Francisco Paulino Cândido em 1831, já com 22 anos e estaria prestes a ordenar-se com padre no Seminário de Bragança, conforme a Habilitação de genere, que encontrei referenciada no Arquivo Distrital de Bragança. Este documento é basicamente um inquérito para saber da idoneidade do candidato a sacerdote e como o jovem Francisco Paulino Cândido era bastardo, os pais acorreram à paróquia em 1831, declarando que tinham casado depois do nascimento do menino e que portanto o jovem era filho legítimo, conforme consta no averbamento do assento de baptismo.


No averbamento, declara-se que os pais casaram posteriormente e que o menino era afinal filho legítimo. 

Não sei o que terá acontecido entretanto, mas o meu trisavô, Francisco do Francisco Paulino Cândido não chegou a fazer-se padre e casou-se a 25 de Novembro de 1853, na paróquia da Sé em Bragança com Maria Angelina Robalo Taborda, residente naquela cidade e viúva de Francisco Manuel de Carvalho. 


Maria Angelina Robalo Taborda era viúva de Francisco Manuel de Carvalho, tenente do exército. Diário de Lisboa. Diário de Lisboa, n.º 119, 22 de Maio de 1850


Terá sido um bom partido, a Maria Angelina Robalo Taborda pois tinha sido casada um Tenente do exército, do qual teve pelo menos uma filha a Maria, em 5 de Outubro de 1846 e enviuvou em 1848. O pai de Maria Angelina, Francisco Xavier Robalo Taborda era natural de Freixo-de-Espada-à-Cinta de uma família com pergaminhos oriunda da Beira, que casou ou teve uma ligação com uma Senhora de Bragança, Maria do Rosário Vieira. Fiz algumas pesquisas na net sobre este meu quarto avô, que parecer ter sido igualmente oficial, mas nunca encontrei o assento de baptismo da Maria Angelina, nem tão pouco o de óbito, para confirmar. 

Quanto ao meu trisavô, o Francisco Paulino Cândido, embora fosse natural de Bragança, na altura residia numa aldeia da freguesia de Parâmio, cujo nome foi um sarilho decifrar. Recordei-me então de certa vez, há mais de 40 anos, de fazermos uma estrada secundária, que liga Vinhais a Bragança, pelo Norte através do Parque Natural de Montesinhos, para visitar um primo da parte deste meu avô paterno. Percorri no Google maps novamente essa estrada e consegui perceber o gatafunho caligráfico, Fontes de Transbaceiro!

Sendo o Francisco Paulino Cândido natural da cidade Bragança não sei porque residia nessa aldeia. Talvez lá tivesse terras, herdadas da família da mãe, cuja aldeia Vila Nova, na paróquia de Donai não é longe dali. Mas creio que há uma razão profissional. Em 1862, no Diário de Lisboa, nº 138 de 21 de Junho, é publicada uma relação dos indivíduos, a quem foram concedidos títulos de capacidade para o magistério primário particular das disciplinas abaixo mencionadas e no Distrito de Bragança, consta o nome do meu trisavô, para a instrução primária. 


Diário de Lisboa, nº 138 de 21 de Junho, de 1862. Francisco Cândido Paulino é habilitado a dar aulas na instrução primária


No seu assento de óbito de 21-2-1881, da paróquia de Parâmio, confirmei que de facto este meu antepassado era professor primário. Provavelmente residiria Fontes de Transbaceiro porque ministrava aulas nalguma aldeia dali, ou até mesmo em sua casa. Há uns tempos li uma monografia sobre a Mofreita, uma aldeia não muito longe desta, em que por alturas da República, não existia em ainda um edifício para a escola e a professora primária dava aulas na sua casa.

Mas voltando a vida de casados de Maria Angelina do Francisco Paulino, os dois tiveram pelo menos três filhos, que nasceram na aldeia com o nome poético de Fontes de Transbaceiro, o Manuel António, (4.11.1854). o meu bisavô, o António José (27-12-1857) e ainda a Cândida Paulina (20.12.1858

Como já referi anteriormente, o Francisco Paulino Cândido morreu em de 21-2-1881 em Fontes de Tranbaceiro e já era viúvo então. Por mais que procurasse, não encontrei o assento de óbito da Maria Angelina, que terá morrido entre finais de 1858 e o início de 1881.


Cândida Paulina, minha tia bisavô


A Cândida Paulina casou com um Júlio Augusto Esteves e instalaram-se em Lisboa muito cedo e nos últimos vinte anos do século XIX, tiveram uma ampla prole. Tenho fotografias desse lado familiar, da Cândida Paulina com ar um pouco rústico, fotografada com os seus brincos e colares de ouro e também da filha a Maria Joaquina Ferreira Esteve, esta já com um ar mais fino e até bonita. A minha mãe dava-se muito com uns netos desta Francisca Paulina, os Esteves, os primos, Graciano, a Júlia, o Francisco e o António.


A prima Maria Joaquina Ferreira Esteves em 28.9-1918



Quanto ao Manuel António, (4.11.1854), meu bisavô, casou uma Doroteia de Jesus Pires, natural Terroso, Freguesia de Espinhosela, uma terra perto de Bragança, que era filha de Francisco Pires e Francisca Vicência Afonso. Nos seus primeiros anos de casado, o Manuel António era lavrador e residia em Fontes de Transbaceiro. A primeira filha, a Cândida Augusta nasceu a 3 de Janeiro de 1884 nessa localidade ainda e só depois o casal ter-se-á mudado para Bragança e segundo filho, meu avô, nasceu nessa cidade, na paróquia de Santa Maria, a 20 de Outubro de 1886, embora só tenha sido baptizado a 2 de Fevereiro, do ano seguinte, quase 4 meses depois do nascimento, o que na altura não era comum.



Cândida, que assinou o seu retrato em Bragança, em 1909 era a irmã mais velha do meu avô e nasceu em 3 de Janeiro de 1884. Retrato de Correia e Moreira, Porto


Uma terceira filha, a Maria Antónia, nascida em Santa Maria de Bragança a 9 de Junho de 1889, só foi baptizada a 2 de Fevereiro de 1890!!

Este meu lado familiar sempre foi um bocadinho desleixado em lidar com questões administrativas e pelos vistos, a tradição já vem de longe. Este casal teve mais filhos, cuja existência se conservou na memória familiar, como uma Natividade, de quem eu ouvi falar em miúdo, um João, mas não consegui encontrar os assentos de baptismo de nenhum deles. 


Mas voltando ao meu bisavô, o Manuel António Ferreira, no assento de baptismo da primeira filha, a Cândida Augusta, foi referenciado como lavrador, mas nos assentos de baptismo dos filhos seguintes, a sua profissão mudou para guarda da polícia civil, o que certamente explica a mobilidade desta família  e porque é o meu avô, nascido em Bragança, foi parar ainda jovem a Vinhais, onde se empregou num estabelecimento comercial. Provavelmente, o pai, que era guarda da polícia civil terá sido transferido para Vinhais e levou a família consigo. Depois disso, António da Purificação casou com a Adelaide Maria em 23 de Fevereiro de 1910 e dessa união nasceram, muitos filhos, entre os quais a minha mãe, Teresa do Menino Jesus, nascida em 1927, em Vinhais.





Estas investigações sobre os antepassados do meu avô materno, que resultaram apenas em duas páginas, levaram-me umas boas três semanas e mesmo assim fiquei com algumas lacunas. Bragança neste século XIX já era cidade, sede de dioceses e a partir de 1831 capital de Distrito. Tinha duas paróquias e a população era muito maior do que as terras em que já fiz trabalhos de genealogia, como Montalegre, Chaves e Vinhais e aldeias vizinhas. Aqui 20 anos de baptizados são 800 folhas para ver uma à uma com caligrafias por vezes complicadas.

O mapa com os locais mencionados neste texto



Em todo o caso, consegui perceber que o meu avô proveio de uma família de pequenos funcionários, um assentista, um professor primário e um guarda da polícia civil, que nasceram ou viveram num, meio urbano, Bragança e que só provavelmente a mulher do professor primário, a Maria Angelina Robalo Taborda, minha trisavó, seria filha de gente de condição mais elevada. O seu pai, meu quarto avô, natural de freixo-de-Espada-à-Cinta, Francisco Robalo Taborda é o único, que veio fora da cidade de Bragança ou aldeias vizinhas. Até agora é o meu antepassado mais Sul, que conheço. De todos ramos familiares que já estudei ou fiz a genealogia, todos eles nasceram, viveram e morreram na raia, junto à fronteira com a Galiza.


Francisco Robalo Taborda é o antepassado mais Sul, que conheço. Todos os meus antepassados viveram sempre mais à norte, na raia com a Galiza ou Leão 



O meu avô materno, António da Purificação já homem feito, denotando prosperidade. Um janota com a sua bengala e o palhinhas


segunda-feira, 26 de maio de 2025

Um testamento em 1860: o legado destinado às mulheres

O testamento, que conserva o lacre com o qual foi fechado


Até há pouco tempo acreditava que quase toda a documentação histórica do antigo solar da família Montalvão, tinha sido vendida em 1986 juntamente com a livraria da casa. Mais tarde, através das conversas com o meu pai percebi que afinal se tinham conservado muitas cartas do tempo dos meus trisavôs. Depois da morte do pai, fiquei com essa documentação, que vou tratando paulatinamente e aos poucos tenho encontrado documentos mais antigos, relativamente à administração da casa ou notariais. Afinal e felizmente, nem tudo se perdeu.

Um dos documentos interessantes, que descobri foi o testamento do meu quarto avô, João Manuel Ferreira Montalvão (2-5-1806/ 23-02-1861), escrito a 8 de Novembro de 1860. Sei pouco deste antepassado e nas notícias, que vão aparecendo dele há uma certa confusão com outro João Manuel Ferreira Montalvão Ferreira Montalvão (1767-1844), que era seu tio, portanto irmão do pai. Um miguelista convicto, esse tio teve uma actividade política intensa, chegou a presidir à Câmara Municipal de Chaves em 1828 e D. Miguel concedeu-lhe até o uso da medalha, da sua real efígie e ainda foi feito cavaleiro da Ordem de Cristo em 1824. O meu quarto avô, também João Manuel Ferreira Montalvão parece ter tido uma existência mais tranquila, obviamente dentro do que seria possível num período da nossa história, tão complicado, marcado pela guerra entre Liberais e absolutistas. Ainda assim participou na administração camaria de Chaves em 1850 e 1851 num período já mais estável do país. Os documentos que encontrei no espólio com o seu nome são sempre relativos a compra de propriedades ou de administração da casa agrícola.

Nasceu em Outeiro Seco e casou dentro do seu meio social, a fidalguia rural, em 23 de Janeiro de 1837, com Maria Emília de Morais Sarmento (14-08-1818/ 14-4-1874), de uma aldeia vizinha, Santo Estevão.

Deste matrimónio nasceram 5 filhos, Miguel José (1838-1890), que foi advogado, António Vicente (1840-1919), um militar com uma carreira brilhante, Ana (1842), Henriqueta (1847-1873), outra Ana (1851) e ainda minha trisavó Maria do Espírito Santo (1856-1902). As duas Anas morreram muito cedo, ainda crianças. Os três primeiros filhos nasceram em Santo Estevão, o que me leva a crer que este casal viveu pelo menos até 1842 no solar dos Morais Sarmento nessa aldeia. 

O solar dos Morais Sarmento em Santo Estevão



Terão mudado de residência para Outeiro Seco ainda antes de 1847, ano em que nasce já nessa aldeia a Henriqueta. Não sei exactamente em que casa viveriam naquela terra, já que os registos paroquiais referem-nos simplesmente como residentes em Outeiro Seco. Não me parece que viveriam no solar dito dos Montalvões, pois esse tinha calhado ao seu outro tio, José António Ferreira Montalvão, que casou com uma Campilho. Aliás essa casa permanecerá formalmente na posse dos Campilho Montalvão até 1902, ano em se iniciou o processo de compra pelo meu lado familiar.


Em 1860 o Solar dito dos Montalvões estava na posse do ramo Campilho Montalvão



Creio que viveriam quase em frente à casa acima referida, num tipo de solar muito rústico, mas com tectos de masseira e eu ainda conheci em pé.

O meu quarto avô, o João Manuel Ferreira Montalvão teve ainda um filho natural, nascido na década da 30 do século XIX, de uma tal Brígida Silva, o Francisco Luís. Segundo Montalvão Machado este filho espúrio foi criado e educado em casa do meu quarto avô, mesmo após o casamento, com D. Maria Emília Morais Sarmento. O meu antepassado financiou certamente a sua educação num seminário e este fez-se padre e assinou sempre os seus assentos paroquiais, como Francisco Luís Ferreira Montalvão, até morrer em 12 de Julho de 1908, em Fornelos, Fafe, onde era abade. Como já aqui referi muitas vezes, no século XIX a bastardia fazia parte da organização familiar e a as crianças nascidas fora do casamento eram educadas com o acompanhamento dos pais e usavam até os seus apelidos sem serem perfilhados.

Apesar de bastardo, o Padre Francisco Luís assinava os seus registos com os dois apelidos da família paterna, Ferreira Montalvão. Livro de assentos de óbitos, 1907 da paróquia Fornelos, Fafe,


Deste meu tetravô, sei também o que Montalvão Machado refere sobre ele na genealogia da família teve pelo menos um grande predicado, naqueles tempos de instrução rudimentar: fez educar todos os seus filhos, fazendo deles um sacerdote, um advogado e um militar muito distinto. Mesmo as filhas tiveram alguma educação e sabiam ler e escrever. Tenho umas quantas cartas dirigidas à Henriqueta e um número significativo de cartas escritas pela Maria do Espírito Santo. Esta minha trisavó tinha uma bonita caligrafia, mas redigia mal e não fazia uma única vírgula. Para a época, em que a taxa de analfabetismo feminino andaria pelos 90 por esse cento ou mais já era muito bom.

A assinatura do que quarto avô, João Manuel Ferreira Montalvão (2-5-1806/ 23-02-1861)


Mas em 8 Novembro de 1860, com 54 anos, o João Manuel Ferreira Montalvão estava de cama muito doente e sabendo que a morte é certa e incerta a hora resolveu fazer o seu testamento, arrumando os seus assuntos terrenos antes de partir. Desejava que o funeral e bênção de alma fossem feitos segundo a vontade de sua mulher Dona Maria Emília de Morais Sarmento e nomeia-a sua testamenteira. Institui por seus únicos e universais herdeiros a todos os seus filhos, Miguel, António, Henriqueta e Maria, mas a sua preocupação é fazer um importante legado às duas filhas ainda meninas, a Henriqueta, que tinha 13 anos e a Maria do Espírito Santo com 4 anos apenas, composto por terras lavráveis, vinhas, olivais, hortas, pomares e soutos. Este legado seria satisfeito pelas forças de um terço sem diminuir a da minha mulher da parte que lhe corresponde nas propriedades legadas. Presumo que os restantes dois terços seriam para os irmãos, além que estaria só a legar a sua própria parte da metade dos bens do casal.

Este testamento foi feito numa época anterior ao primeiro código civil português em 1867 e antes da extinção dos morgadios em 1863 e as leis do direito sucessório eram diferentes das da actualidade. Temos uma ideia feita sobre esses tempos, em que se privilegiaria um único filho varão, evitando o parcelamento da propriedade. Mas o meu quarto avô não era morgado e nesta época as mulheres eram também contempladas ou até favorecidas nos testamentos, conforme Margarida Durães, explica na obra Estratégias de sobrevivência económica nas famílias camponesas minhotas: os padrões hereditários (sécs. XVIII – XIX). Mas no Minho, a densidade populacional e era muito maior e o número de terras disponível menor e filhas minhotas eram sobretudo favorecidas com joias em ouro ou dinheiro.

Neste testamento não se mencionaram pratas, joias, panos ricos ou móveis e é bem certo, que a família os tinha. À beira da morte, o meu quarto avô não perdeu tempo com isso e quis foi prover as filhas com a grande riqueza destes fidalgos rurais, terras. Estas garantiriam o sustento das filhas caso não casassem, mas também as tornaria noivas mais desejadas por outros jovens fidalgos do mesmo meio. No fundo este legado era um dote.

A minha trisavô, Maria do Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão foi uma das beneficiadas neste testamento.
 

A terra é a principal era a fonte de riqueza e a principal preocupação da vida destes meus antepassados. Já mais tarde, durante o último quartel do século XIX, a maioria das cartas dirigidas por Liberal Sampaio à minha trisavó, Maria do Espírito Santo, uma das beneficiadas deste testamento versam a administração das terras, tais com a venda do cereal, a poda das vinhas, a construção de um poço, uma égua que está prenha ou rendas a serem recolhidas. Mais ainda, preocupavam-se em acrescentar o seu património com mais terra. Entre 1911 e 1912, no tempo das incursões de Paiva Couceiro, durante a caça aos padres, quando o meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio estava fugido em Espanha, o filho escrevia-lhe dando conta das diligências para adquirir um lameiro, uma cortinha ou um pinhal de acordo com as recomendações do pai.

Nos anos 30 do século XX, o meu pai recordava-se ouvir o meu bisavô, que era o homem que pagava mais contribuição predial de todo o distrito de Vila Real. Hoje todas essas terras, que faziam a grande riqueza da família foram partidas e repartidas por muitos herdeiros, nenhum dos quais se dedica à agricultura e pouco ou valem.

Mas este testamento do meu quarto avô datado de uns 3 meses antes de morrer é um testemunho muito eloquente desses tempos em que a terra era uma fonte de riqueza e por isso, deixo aqui no final a sua transcrição.


Eu João Ferreira Montalvão casado residente e natural do lugar Outeiro Seco do julgado e comarca de Chaves, achando-me doente de cama, mas em meu perfeito juízo claro entendimento e plena liberdade , receando a morte que é certa e incerta a hora resolvi fazer como faço meu testamento e disposição de última vontade da sua maneira que se segue. Tanto que falecer quero que meu funeral e bênção de alma seja feito segundo a vontade de minha mulher Dona Maria Emília de Morais Sarmento, pois que dele tudo confio e por isso que a nomeio para minha testamenteira. Instituo por meus únicos e universais herdeiros a todos os meus filhos que são Miguel, António, Henriqueta, Maria. Deixo à minha filha Dona Henriqueta a propriedade do sítio do Sabugueiro tapada composta de terra lavradia, castanheiros, e oliveiras, bem assim de vinha de poente com sua terra lavradia contiguo à dita propriedade do Sabugueiro. Deixo a minha filha Maria a propriedade também chamada do Sabugueiro tapada e consta de terra lavradia e oliveiras, que parte com José Joaquim Durão e com o caminho de Vilela Seca e mais uma terra lavradia pela parte de fora da dita cortinha do Sabugueiro, com uma oliveira que parte com o dito José Joaquim Durão e finalmente lhe deixo mais a horta chamada das olgas, tapada com suas oliveiras e mais árvores de fruto. Declaro que este meu legado que deixo às ditas minhas duas filhas lhe será satisfeito pelas forças de um terço sem diminuir a da minha mulher da parte que lhe corresponde nas propriedades legadas (visto o casal se achar em comum) no resto dos bens da minha meação (1). Assim dou por findo o meu testamento e disposição de última vontade, a qual quero se cumpra e guarde como nela se contem e a mandei escrever a José Benedito Gonçalves da vila de Chaves que depois ser escrita ma leu conforme a havia ditado e por isso a assino neste lugar de Outeiro Seco aos oito dias de Novembro de 1860

(1)-Quando se fala em partilha de bens, a meação corresponde à metade do património comum de um casal, a que cada cônjuge tem direito



Bibliografia e ligações consultadas:


Estratégias de sobrevivência económica nas famílias camponesas minhotas: os padrões hereditários (sécs. XVIII – XIX)” / Margarida Durães
In
Boletim de História Demográfica". XII:35 (Jan.2005) 1-24
https://members.tripod.com/historia_demografica/bhds/bhd35/margarida.pdf

Os Montalvões / J. T. Montalvão Machado. - Famalicão: Tip. Minerva, 1948

Famílias transmontanas : descendência de Francisco de Moraes, Palmeirim : ligações familiares e outras famílias de Trás-os-Montes / Francisco Xavier de Moraes Sarmento- . Ponte de Lima : Carvalhos de Basto, 2001.

História moderna e contemporânea da Vila de Chaves através das actas e jornais da época / Júlio Montalvão Machado. – Chaves: Grupo Cultural Aquae Flaviae, 2012

Um agradecimento ao Joaquim Caetano pela ajuda na transcrição de uma ou outra palavra no testamento


domingo, 4 de maio de 2025

As peças de um processo: Francisco Manuel de Morais (1891-1916)

 

Já por várias vezes escrevi sobre Francisco Manuel de Morais, o meu tio-avô paterno que morreu prematuramente num acidente de caça em Vinhais, nas vésperas de ser mobilizado para a Primeira grande Guerra Mundial. Quem acompanha este blog, pensará que me estou a repetir, mas encontrei mais documentos interessantes sobre a fugaz vida deste tio-avô, que permanecerá sempre jovem na memória da família.

Consultei o seu registo de baptismo, de 13 de Abril de 1891, da paróquia de Nossa Senhora da Assunção da Vila de Vinhais e descobri que o menino já tinha sido baptizado em casa por estar em perigo de vida. Parece que o destino desde cedo conspirou contra ele. Nasceu pelas onze horas da manhã do dia 20 do mês de Marco desse ano, na rua de Cima, numa casa, que ainda conheci. O baptizado oficial foi realizado uns 20 dias depois por Abílio Augusto da Silva Buíça, abade de Vinhais e que foi o pai do célebre Manuel de Buíça, o regicida, um dos homens que matou o Rei D. Carlos e o Príncipe Luís Filipe, no ano de 1908. É curioso, pois já é segunda vez, que encontro este cruzamento de destinos dos Buíças com os meus antepassados. No espólio da família paterna, encontrei uma carta datada de Novembro de 1888, escrita pelo Abade de Buiça a convidar o meu trisavô, o José Rodrigues Liberal Sampaio a pregar um sermão na festa da Imaculada Conceição em Vinhais. Bem sei que é uma curiosidade, mas não deixa de ser um apontamento interessante. Todos nós aspiramos a ter antepassados, que tenham estado próximos de figuras que fizeram história.

O assento de registo de baptismo de Francisco Manuel, de 13 de Abril de 1891. Foi baptizado pelo Abade de Buíça, o pai do regicida, Manuel Buíça


No mesmo assento de baptismo, o Abade de Buíça registou o nome dos pais, meus bisavó, Clemente da Ressurreição Morais e Maria da Graça Pires. O padrinho, foi o seu tio, o padre Manuel Agostinho de Morais, pároco na Freguesia de Santalha e do qual eu creio que tenho um retrato em jovem, um homem bonito e bem-parecido. Aliás, neste meu lado familiar, das terras frias de Vinhais, eram no geral pessoas bonitas.

O padre Manuel Agostinho de Morais foi seu padrinho


Como já aqui contei, o meu bisavô, Clemente da Ressurreição Morais ambicionou estudar medicina na juventude, mas a mãe, a Francisca da Silva, ter-lhe-á dito, ou és padre ou não és nada. E com efeito, o jovem Clemente abandonou o seminário e tornou-se um simples lavrador. Numa carta de 8-3-1914 escrita à irmã, o Francisco de Morais refere o génio sombrio de meu pai e ao qual a sua jovem amada a Estela iria, desanuviar o espírito. Não sei o exactamente em que consistiria, esse génio sombrio mas talvez o Clemente da Ressurreição fosse um homem frustrado, por não ter podido realizar os desejos da sua juventude.

Francisco Manuel de Morais frequentou o colégio de São Dâmaso em Guimarães


Mas este filho, mais velho, o Francisco de Morais iria concretizar as suas ambições e auferir de uma boa educação, longe dos seminários. Assim, no ano lectivo de 1902 /1903, com cerca de 11 anos o Francisco Manuel frequentava o Colégio de São Dâmaso em Guimarães, conforme um documento, que encontrei na caixa de madeira onde estão arquivados estes papéis da família materna. Naquela folha discrimina-se as despesas todas do rapaz, incluindo com livros, a saber: um catecismo; uma gramática latina; aritmética, gramática e leituras portuguesas; gramática francesa; geografia; botânica, zoologia; desenho; tradução francesa; significados de francês; dicionário de latim; história e ainda o Cornélio. Pagar um colégio longe de casa, viagens e livros seria caro para uma família de lavradores de uma vila transmontana, mas o desejo de instrução do seu pai, realizado no filho justificava todos os gastos. E o Francisco Manuel não terá desiludido o pai e foi aceite na Faculdade de Medicina do Porto, que a julgar pelas cartas de que disponho frequentou entre 1914 e 1916. Na caixa de madeira onde se guarda este espólio, os pais reuniram alguns recortes de imprensa, que anunciavam os resultados do filho. Em 27-6-1916, no terceiro ano, na quarta cadeira de patologia externa, o Francisco de Morais foi aprovado com distinção, com 17 valores!

Os pais reuniram alguns recortes de imprensa, que anunciavam os resultados do filho


Também do mesmo ano encontrei o bilhete-postal de um amigo, Alípio Teixeira, datado de 3 de, que lhe perguntava como vamos de Caça? e ainda outro de dia 12 desse mês, onde anuncia que chegará brevemente a Vinhais. Pelo teor dos postais, o Alípio e o Francisco Manuel eram compinchas, camaradas de farras.




Bilhete-postal de um amigo, Alípio Teixeira. Segundo rumores que corriam na vila, este padre teria provocado acidentalmente a morte de Francisco Manuel


Quando cerca de 80 anos mais tarde, o meu pai fez o levantamento mais sistemático destes acontecimentos, corria ainda na vila a história, que teria sido Padre Alípio Teixeira, que teria morto acidentalmente o meu tio-avô durante a caçada.

Também deste mês de datado deste mês de Setembro de 1916, mais exactamente do dia 6 encontrei um documento que me impressionou, a licença de caça, que o Francisco Manuel tirou na Câmara Municipal de Vinhais.



 licença de caça de Francisco Manuel tirada um mês antes de morrer num acidente de caça...


O fatal acidente de caça, que tiraria a vida deste meu tio-avô, ocorreu a 4 de Outubro de 1916 e a principal fonte para o acontecimento é uma carta de 11 de Outubro de 1916, dirigida pelo pai do Francisco Manuel, o meu bisavô Cemente da Ressurreição a Joaquim da Cunha Cardoso Júnior, um dos condiscípulos de Medicina do filho. Nesta carta, o meu bisavô agradece as condolências e explica o que passou Terá usado a espingarda para baixar um ramo de uma figueira de forma a colher os frutos melhores e a arma disparou-se sozinha, pondo fim à sua vida. Ao contrário dos rumores, que circularam durante muitas décadas pela vila não foi o padre Alípio Teixeira que o matou acidentalmente.

Todos estes documentos parecem fazer parte de um processo judicial, uma investigação sobre uma morte, conduzida por um detective de algum romance policial, mas sem uma conclusão nem tão pouco um final feliz.



Carta de 11 de Outubro de 1916, dirigida pelo meu bisavô Cemente da Ressurreição a Joaquim da Cunha Cardoso Júnior, um dos condiscípulos de Medicina do filho onde explica o acidente que tirou a vida a Francisco Manuel de Morais