quarta-feira, 17 de março de 2010

Uma bambochade: Corps de garde de Sébastien Bourdon

Creio que foi o ano passado que comprei esta gravura emoldurada por 10 euros na Feira de Belém. A feirante não havia maneira de despachar o mono e ficou toda contente quando algum tonto se ofereceu para leva-la e ainda por cima pagando-lhe 10 euros.

A gravura foi executada por um tal Jacques Coelemans, um gravador holandês, que viveu mais ou menos entre 1670 e 1735 e é muito provavelmente uma obra do início século XVIII. Foi executada segundo um quadro de Sébastien Bourdon, intitulado Corps de garde.

Retrato de Sébastien Bourdon por Hyacinthe Rigaud


Este Sébastien Bourdon (1616-1671) foi um pintor muito popular na sua época, excelente em todos os géneros, cujas obras enchiam as casas da clientela parisiense. Foi um dos fundadores da Academia Real de Pintura e Escultura e chegou a ser o pintor oficial na corte da célebre Rainha Cristina da Suécia, a soberana que mais tarde Greta Garbo imortalizou nos écrans do cinema. Trabalhava muito para os gravadores, de tal forma, que hoje já só é conhecido por esta última actividade e a sua pintura está esquecida, apesar de ainda no início do século XIX ser apreciadíssimo por gente tão ilustrada como o poeta alemão Goethe.

Este Corps de garde, trata-se de um exemplar de um género menor, conhecido pelo nome de bambochades que Sébastien Bourdon aprendeu durante a sua estada em Roma (1634-1637) com o pintor Pieter Van Laer (1592-1642). As Bambochades eram cenas mais ou menos burlescas ou pitorescas, que representavam cenas do quotidiano, passadas em mercados, tabernas, com soldados brigões e bêbedos e outros tipos populares. A origem do nome vem da palavra italiana Bamboccio, que era a alcunha depreciativa que davam em Roma a Pieter Van Laer e que quer dizer mais ou menos títere ou boneco sem graça.

O que é certo é Sébastien Bourdon teve sucesso com as suas Bambochades em Paris. Encontrei na base Joconde (a base dos museus de França) uma umas quantas delas, sendo que uma é muito parecida com a minha, Soldats jouant aux cartes dans um corps de garde, que está no Museé de Picardie


Claro, as bambochades eram um género menor e depois o pintor distinguiu-se nas cenas bíblicas, que eram consideradas os grandes temas para os pintores realmente notáveis

2 comentários:

  1. É interessante este termo que parece ter tido origem nas proporções disformes de van Laer, as quais foram por ele passadas igualmente para a tela, quase como numa imagem reflectida de si mesmo.
    E este hábito de retratar o dia-a-dia, que poderia ser sórdido, das classes mais desfavorecidas da cidade de Roma, está em absoluto contraste com os temas mais em uso no Sul da Europa.
    Esta concepção do quotidiano está mais relacionada com a obra produzida no Norte da Europa, sobretudo pelos pintores flamengos. Não admira pois esta pouca apreciação que os italianos tinham por este género de pintura que escapava aos temas clássicos, tão caros à sociedade vigente, como os de cariz religioso/mitológico ou de retrato das classes dominantes.
    Também gostei muito do retrato que de Bourdon fez Rigaud. Aliás, a relação entre os dois é desfasada no tempo, pois Rigaud tinha 12 anos quando Bourdon morreu.
    Estes artistas, são ambos originários do midi francês, Rigaud é catalão à altura do seu nascimento (nasceu com o nome de Hiacint Francesc Honrat Mathias Pere Martyr Andreu Joan Rigau) e Bourdon de Montpellier.
    E é aqui que se estabelece a relação entre os dois, pois Rigaud, que fez a sua aprendizagem em Montpellier, tomou Bourdon, a par de Van Dyck e Rubens, como marco director para o desenvolvimento do seu estilo tão ligado ao Barroco, e que se estende, como é do conhecimento geral, aos reinados de dois Luíses, o XIV e o XV.
    A um dos auto-retratos de Bourdon, adquirido por Rigaud, este adicionou-lhe o panejamento que aqui aparece nesta gravura que apresentas. Aliás, a esta gravura, de 1730, foi-lhe adicionado, julgo que pelo gravador, Laurent Cars, um enquadramento sob a forma de uma janela em pedra, que serve para dar mais força e equilíbrio à obra, e que era um recurso muito utilizado entre gravadores deste período.
    E faz lembrar um outro retrato, este anterior, de 1701, do próprio Rigaud, feita por Pierre Drevet (com base numa pintura de Coypel), onde o pintor é mostrado emoldurado também por uma janela de pedra, com o cavalete atrás e o panejamento dianteiro, arranjo que o pintor deve ter gostado tanto que o deve ter sugerido para esta gravura que apresentas.
    Mais uma vez o texto excedeu o que pensava, mas foi uma forma de reorganizar as minhas ideias também
    Manel

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  2. Estive a ver algumas "bambochades" do Pieter Van Laer e são de facto semelhantes às pinturas que o Sr. Sébastien Bourdon pintou nos seus tempos romanos e gostei muito do teu post

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