sexta-feira, 15 de outubro de 2010

S. Bento de Núrsia


Como todos os seguidores deste blog já sabem tenho uma paixão por registos de santos do século XVII, essas imagens piedosas, que antigamente as pessoas guardavam nos livros de orações ou então emolduravam com restos de passsamaneria, aproveitada de vestidos ou de trajes eclesiáticos.

Esta gravura de S. Bento de Núrsia de pequenas dimensões foi muito bem executada. Mas, não é só o seu desenho muito preciso, que me interessa, é também a figura, porque uma boa parte do que é hoje o nosso continente e a nossa cultura, deve-se a este Santo, que a Igreja católica transformou muito justamente em Santo Padroeiro da Europa.

S. Bento de Núrsia (480- c. 547) é o fundador da regra e ordem de S. Bento e o pai do Monaquismo ocidental.

Antes de S. Bento o monaquismo era uma prática mais ou menos desorganizada e sobretudo individual. As últimas décadas do Império romano e os tempos que se lhe seguiram foram de intensa fé e havia muitos homens e mulheres, que abandonavam o conforto das cidades para procurarem uma vida de despojamento, passada a meditar e rezar, em locais ermos e afastados do mundo. Normalmente faziam-no a título individual e depressa houve exageros de fé e devoção, que raiavam quase a loucura. O mais célebre desses eremitas, foi S. Simeão o Estilita, (392 - 459) que viveu no alto duma coluna de 17 metros, durante 39 anos.

Outro caso conhecido é o de Maria Egipcíaca (século V), que deixou para trás uma vida de cortesã de luxo na cidade de Alexandria, para viver no deserto durante 47 anos na mais completa solidão, tendo apenas Deus por companhia. Ao fim desses anos, quando São Zózimo a encontrou no deserto as roupas tinham-se desfeito e apenas os seus longos cabelos lhe cobriam a nudez.
Sta. Maria Egipcíaca do Museu Nacional de Arte Antiga

Outros devotos juntavam-se em comunidades religiosas, mas cada qual vivia um pouco à sua maneira e era muito vulgar os conflitos estalarem entre os seus membros.

Com S. Bento de Núrsia esses excessos e loucuras acabaram. Fundou uma comunidade baseada numa regra. Segundo esta Regula monasteriorum a comunidade passa ser dirigida por um abade (que quer dizer, pai, em grego), que a faz respeitar aos monges quatro princípios essenciais: a moderação, a gravidade, a austeridade e a doçura.

A regra vai servir de inspiração à organização de todas as comunidades monásticas do cristianismo ocidental e sobre ela directamente se edificam duas grandes ordens religiosas, que ajudaram a formar a Europa, Cluny e Cister, que são reformas da primitiva ordem de S. Bento. Os eremitas, anacoretas e outros individualistas deixam de ter lugar neste novo espírito de organização religiosa.


Relativamente à iconografia, S. Bento é aqui representado como Abade, com o respectivo bastão e traz na mão um cálice de onde sai uma serpente, que é alusão aos problemas que teve na organização de um mosteiro em Vicovaro, em que os monges insatisfeitos com as suas tentativas de impor a autoridade na vida da comunidade o tentaram envenenar, Segundo a lenda, quando S. Bento abeirou os lábios do cálice contendo o vinho envenenado, saiu uma serpente e o recipiente desfez-se em pedaços.

A gravura saiu das oficinas de um tal Santos, que segundo o Roteiro da Colecção do Museu Nacional de Soares dos Reis. Lisboa: IPM, 2001, p. 88 é um dos gravadores impressores mais activos da cidade do Porto.

8 comentários:

  1. Talvez, e estamos no campo das hipóteses, pois as distâncias quer geográficas quer temporais, são grandes, se este homem tivesse vivido algumas décadas antes, o destino de Hipatia não tivesse sido o que foi.
    É verdade que Hipatia se encontrava em Alexandria (recentemente foi realizada pelo espanhol Alejandro Amenabar uma película, "Ágora", que circula à volta da vida desta mulher), do outro lado do Mediterrâneo relativamente ao local de Itália onde este Bento nasceu e viveu, mas foi uma das mulheres mais notáveis do seu tempo, tendo tido uma influência que se estendia para lá do local onde habitava, atingindo mesmo o imperador através de laços criados com discípulos que se movimentavam no estrato mais elevado da sociedade da época, e refiro-me não só a uma camada com influência política, económica e religiosa como também, e sobretudo, intelectual, mas acabou barbaramente assassinada.
    Segundo alguns historiadores, este acto perfeitamente gratuito foi perpetrado por monges e anacoretas que teriam vindo dos seus ermos, à mistura com arruaceiros cristãos de baixo estrato social, que terão acorrido ao chamamento de S. Cirilo de Alexandria, cuja vida e obra ficou maculada por este assassínio bizarro e algo fútil.
    Sei que se tratava da sobrevivência do paganismo e da cultura filosófica antiga, de base clássica, dialética (já tal tinha sido intentado pelo imperador Juliano algum tempo antes - ele foi assassinado poucos anos antes do nascimento de Hipatia) face ao avanço cristão, dogmático, ignorante, totalitário e redutor!
    Não será necessário mencionar o vencedor desta contenda! É claro para todos nós!
    Mas, à época, este "salve-se quem puder" em que caíu este cristianismo primitivo foi regrado por homens como este, Bento de Núrsia, por sorte para a sobrevivência da própria religião.
    Entendo a importância que tem na sociedade cristã o exemplo (que se pretendia que fosse positivo, apesar de ser discutível o valor atribuído) estabelecido pelas vidas destes homens e mulheres dedicados à contemplação e à existência na mais completa solidão, por vezes em condições tão extremas como este Simeão, o Estilista (Buñuel produziu uma pequena metragem muito interessante sobre este personagem) ou Maria Egipcíaca (por pouco anos esta mulher não conheceu Hipatia, mas deverá ter conhecido seguramente a sua história), no entanto, em termos de utilidade social, considero-os perfeitamente inúteis; parecem-me até dotados do mais extremado egoísmo! Não serviram a ninguém a não ser a si mesmos.
    Não lhes discuto a opção, foram, afinal, livres de escolher a sua carreira, devo até mesmo esclarecer que os respeito pois, contra todos os conceitos tidos como normais à época, tiveram existências inusitadas, orientadas por uma vontade própria, mas, relativamente à utilidade que poderiam ter tido numa sociedade organizada, de nada serviram!
    Desculpa o arrazoado, mas impunha-se-me alguma ordenação aos pensamentos originados por este teu post
    Manel

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  2. Sabe, Luís, quando comecei a ler este post não reconheci logo neste santo o S. Bento fundador da ordem beneditina porq não sabia q ele era natural de Núrsia. Sei pouco de vidas de santos e da História da Igreja também só conheço os factos mais relevantes q marcaram a história da Europa e do mundo.
    Achei muito curiosos, quase inacreditáveis, os casos extremos de eremitas q aqui conta. Só conhecia os chamados "desertos", locais afastados da vida profana, onde se refugiavam comunidades de monges, cada um isolando-se dos restantes, durante longos períodos de tempo, em pequenas ermidas desprovidas de qualquer conforto. Houve uma comunidade dessas, os Carmelitas Descalços, aqui bem perto, no convento e cerca do Buçaco, q quando foi instalada, no séc. XVII, se chamou ao local o Deserto do Buçaco.
    Quanto ao seu gosto por registos de santos, parece-me não só estar muito ligado ao gosto por arte sacra, mas também à paixão por livro antigo, porq no meu caso está.
    Estes registos afinal são gravuras e tanto as gravuras como as páginas escritas têm em comum a mancha de tinta sobre suporte de papel e no passado uma função semelhante como veículos de informação: a página escrita para letrados, a imagem da gravura para iletrados. Aliás, a palavra gravura parece q vem duma palavra grega q significa escrever ou desenhar. A evolução da arte da gravura acompanhou sempre muito de perto a ilustração de livros, desde a xilogravura até à gravura em metal, e só se emancipou mais a partir do grande A.Durer.
    Estou com esta conversa toda porq adoro encontrar gravuras nos livros antigos q compro e tenho não só religiosas, mas também de animais e plantas em livros de história natural. Também já vi boas exposições de gravuras: uma foi "Os Caprichos" de Goya, no CCB e também vi uma do Albrecht Durer há uns anos no Museu do Prado, se não me engano.
    Obrigada por me ter feito reviver tudo isto.
    Um abraço
    Maria A.

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  3. Olá Luís
    Gostei deste seu post sobre S. Bento de Núrsia e dos outros santos que lhe antecederam.
    Sobre estes últimos,acho interessante a visão que Milan Kundera apresenta sobre eles, no livro"A valsa dos Adeuses".
    Ele compara-os a atletas de alta competição,que têm como fim último dos seus sacrifícios,o reconhecimento e a admiração pública.
    Pessoalmente,e com a visão simplista que tenho sobre estes assuntos,concordo com ele,embora, também ache, que deveria haver alguma loucura nestes comportamentos.
    Um abraço e boa semana de trabalho.
    Maria Paula

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  4. Cara Maria Andrade

    De facto a paixão pelos registos de Santos tem muito a ver com o gosto pelo livro antigo. Julgo até que as oficinas de gravadores de santinhos deviam também trabalhar para os impressores livreiros, produzindo as gravura das espécies bibliográficas, mas nunca encontrei informação sobre este assunto. Por exemplo, o Debrie tanto fazia estampas de santinhos como ilustrações para livros. Tenho que ir à livraria da Biblioteca Nacional ver se encontro imformações sobre estes impressores de registos religiosos, pois tenho ideia que a BN tem publicado um outro estudo sobre a matéria

    O Deserto é o sítio onde o santo, o monge ou o louco vai à procura de Deus, mas também onde vai ser tentado pelo Diabo.O deserto é ausencia do humano, a terra de nenhures onde se está só frente ao bem e ao mal. Por esses motivos, esta gente meia louca parte para o deserto, só, a procura de uma verdade qualquer ou para fugir ao mundo romano, que está a soçobrar às mãos dos invasores bárbaros.

    Abraços

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  5. Cara Maria Paula

    Estas personalidades que descrevemos aqui viveram um período particularmente complicado da história, em que uma vasta zona do planeta mudou em massa de religião e por outro lado assiste à destruição do seu mundo por hordas de povos bárbaros assassinos. Não viviam no nosso conforto e segurança e por essa razão tendiam a procurar soluções de vida estranhas e loucas

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  6. Caro Manel

    Alexandria, a terra natal de Maria a Egipcíaca, de Hipácia ou de Sta Catarina é uma das cidades com mais brilho cultural de toda a antiguidade. Embora sendo oficialmente de cultura e língua helénicas absorveu elementos da velha cultura egípcia, do judaísmo que ali tinha uma grande comunidade, bem como de muito outros povos do mundo antigo, cujo nome já nos é estranho. Mesmo depois da morte do paganismo a grande tradição de pensamento não morreu. Uma boa parte dos teólogos que alimentaram as discussões sobre a definição dos dogmas do Cristianismo veio da cidade de Alexandra, como S. Clemente ou Origenes, que usaram nas suas reflexões os quadros da filosofia grega.

    Esta Maria Egipcíaca é uma figura com uma certa importância pois confundiu-se inteiramente com a personagem de Maria Madalena Arrependida, quer em termos históricos, quer em termos iconográficos. A devoção popular tendeu a juntar as duas figuras numa, e a Madalena arrependida, por influência da cortesã do Egipto, também foi posta a viver no deserto, cobrindo-se apenas com os cabelos. Em termos de iconografia, se as imagens não tiverem legendas é impossível distingui-las

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  7. Caro Luis

    Uma vez que neste artigo refere Santa Maria Egípcia, deixo-lhe aqui o link para outro dos meus registos...

    http://tinypic.com/r/vii1jt/6

    Do que lhe posso dizer sobre ele é que existiu em tempos uma irmandade na igreja de nossa senhora dos martires em Lisboa que cuidava do altar nela existente ligada á devoção dessa santa...penso que este registo faria parte de um diploma de confrade, pois cheguei a ver alguns no arquivo da paróquia dos martires em Lisboa...
    Cump.
    ET

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    1. Caro Mano del Tajo

      Que coisas curiosas me conta.

      Adoraria ter uma estampa com Maria Egipcíaca. enfim, gostamos sempre mais das pecadoras, embora arrependidas, do que das outras, que conheceram uma vida inteira de virtude.

      Um abraço

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