Por vezes, enlouquecemos e queremos ter uma qualquer peça insensata em casa, para a qual não temos espaço, mas ainda assim vamos em frente e depois de uma negociata de ciganos, damos por nós a transportar uma cornija e capitel em talha dourada num saco do Pingo Doce, a subir com aqueles 9 ou 10 kilos, uma calçada lisboeta daquelas a pique e finalmente três andares sem elevador de um prédio desengonçado e antigo.
Depois, abrimos o saco e... como dizem os brasileiros, caímos na real e percebemos que não há 40 cm de parede livre em casa. Segue-se um momento de desespero, mas rapidamente a esperança regressa, quando nos lembramos da frase daquele coleccionador francês, que dizia, que quando encontramos uma boa antiguidade a preço de ocasião, devemos sempre compra-la, pois uma boa peça encontra sempre o seu lugar em casa.
Pede-se a opinião de amigos, desviam-se uns pratos para o lado, umas travessas passam para outra parede, tira-se o berbequim do armazém e lá se consegue encaixar a cornija num sítio adequado que respeite a sua concepção original, pois este elemento arquitectónico foi desenhado para correr entre a parede e o tecto.
Pronto, foi tudo isso que recordo desse período de insanidade mental.
Agora, que recuperei a minha lucidez, investiguei alguma coisa sobre talha dourada e apesar de ter apenas um fragmento de um todo decorativo, consegui apurar que pertence à primeira fase da talha dourada barroca portuguesa, designada pelos especialistas como 1ª fase: estilo nacional (entre 1675 e 1725) e cujas principais características são colunas torsas (ou retorcidas) profusamente ornamentadas com motivos fitomorfos (folhas de acanto, cachos de uva, por exemplo) e zoomorfos (aves, geralmente um pelicano); coroamento formado por arcos concêntricos; revestimento em talha dourada e policromia em azul e vermelho.
Vi uns quantos altares barrocos deste período do estilo nacional, dos quais destaco o da Igreja de Minde (em cima)ou o Altar de S. João Evangelista no Museu Regional de Beja (em baixo) e neles estão sempre presentes este tipo de cornijas com com uma cabeças de anjinhos nos capitéis
E de onde terão vindo estes "Cornija e capitel em talha dourada", tão bonitos...
ResponderEliminarereis
Olá Luís
ResponderEliminarDe facto a peça é linda.
Gosto da antiguidade que carrega, mais ainda do busto de Santo cravado na quina do capitel abaixo da cornija.
O sítio que o colocou é demais!
A sua casa é um autêntico Museu. Reparei que na parede tem exposta uma pia de água benta em faiança, que tal um dia destes fazer um post?
Aprecio o seu gosto refinado na escolha das peças, fã dos dourados, sabia, mas atrever-se a comprar um capitel dessa envergadura, é coisa de Homem!
Bem, tem uma coisa a seu favor. A casa é só sua, põe lá o que bem entender,apenas se aconselha na questão estética, uma vez que está limitado ao espaço,quase já não tem um canto,parede,nicho,nesga...nada...até já pendurou um anjo na quina do tecto em madeira, lindo,numa imitação ténue do salão do Solar dos Montalvões!
De si, espero sempre um post fantástico, e assim o tem sido ao longo do tempo que o conheço.
Parabéns, a peça é invejável, só fico com pena tal como o comentador anterior na dúvida...de onde terá vindo???
Roubada, por certo tal como aconteceu no Solar de Outeiro Seco e de muitos outros com capelas particulares...e assim se vai o nosso património.
Porém este ficou cá, consigo, muito bem estimado, pior seria se fosse comprado por um turista.
Beijos
Isabel
que sorte, a sua, de morar em portugal, berço das coisas mais lindas que vc consegue nos trazer. a peça é lindíssima ( sou um aficcionado por arte sacra e azulejos, daí ser seu seguidor assíduo); se eu conseguisse uma peça dessas, construiria uma casa para ter onde por.
ResponderEliminarque sorte, a sua, por ter ladeiras lisboetas para subir;
que sorte, a sua, por ter uma feira da ladra perto de casa...
quanto a mim, só me resta dizer: caí na real e só posso "ter" essas peças lindas através deste blog.
abraço.
Caro E Reis
ResponderEliminarSeja bem vindo ao meu blog.
Comprar antiguidades é comprar um passado, uma história, que por vezes é dramática ou triste.
Volte sempre
Cara Isabel
ResponderEliminarDe facto o tecto da minha casa, que aproveitou a estrutura da própria água furtada, inspirou-se nos tectos de maceira do velho solar de Outeiro Seco. Foi uma obra recente na minha casa, inspirada em velhas soluções arquitectónicas e decorativas.
Aquilo que a Isabel chama Santo é um anjinho, que tem um par e são tb elementos que fizeram parte de algum altar, entretanto desmontado.
Um dia falarei na Pia de água benta, que parece ser uma Miragaia genuína, mas isto das faianças, nunca se tem a certeza
Beijos
O Bernardo é sempre uma simpatia e agrada-me imenso que o meu blog lhe deia prazer. O seu comentário foi escrito com muita graça.
ResponderEliminarO Brasil tb tem um belo património. Um amigo meu foi visitar as velhas cidades de Minas Gerais e voltou encantado
Abraço
Qualquer peça antiga terá pertencido a um qualquer conjunto original, e cuja recriação é, ou muito difícil ou, na maior parte dos casos, impossível.
ResponderEliminarE acontece isso com quase todas as obras antigas que se adquirem, seja um museu, seja um particular.
No entanto descansa-me mais saber que esta ou aquela peça estão a recato de vandalismo ou destruição gratuita, como é o caso do altar da capela que foi da tua família. Isso sim, aflige-me!
Neste caso, ainda bem que está protegida e a dar prazer, que é afinal um dos intuitos principais do acto criativo, visto que a sua funcionalidade é algo de secundário.
Manel
Atrasada, como sempre.
ResponderEliminarLinda a cornija e capitel!
Perfeito, o local escolhido,para a colocar!
Ainda bem que fez o negócio,e suou as estopinhas, para carregar estas peças. Estão a salvo,numa casa, que as merece em pleno.
Delicio-me a espreitar a sua casa, quando o Luís o permite.
Já tinha reparado no tecto de maceira, ou,simplesmente inspirado, neste.A Maria Isabel tirou-me as palavras da boca. Ia pedir-lhe, para fazer um post sobre a pia de água benta.
Fico à espera
Abraços
MariaPaula