terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Uma mostra resumida da faiança coimbrã entre os séculos XVIII a XIX

Este blog que mantenho regularmente há quase um ano e meio produz muitas vezes uma interacção muito engraçada com alguns dos seus leitores. Lembram-se da seguidora misteriosa que nos tinha proporcionado imagens da sua bela colecção de faiança?

Pois bem, agora apareceu uma segunda seguidora, que também prefere manter-se no anonimato, e que nos enviou imagens de um pequeno um conjunto de faianças extremamente significativo, que decidi publicar na íntegra.

Como sabem, não sou grande adepto de apresentar muitas peças de uma só vez. Tal como todos os outros especímenes do sexo masculino, sofro daquela característica, que franceses designam por mono-tâche, isto é, trato um só assunto ou tarefa de cada vez. No entanto, como a nossa segunda seguidora misteriosa enviou imagens de um conjunto tão coerente, praticamente uma amostragem da produção coimbrã entre o século XVIII e o século XIX, resolvi publicar todas as peças de uma só vez.

Motivo semelhante aos azulejos de figura avulsa


O primeiro é um prato do Século XVIII, cujos motivos se costumam atribuir à família Brioso. Estes Briosos foram uma dinastia de ceramistas que viveram em Coimbra no século XVIII.

Numa Sociedade Antigo Regime, como era a Portuguesa desta época, as profissões passavam de pais para filhos. Se se nascia oleiro ou sapateiro, morria-se com a mesma profissão e era quase certo que os filhos, netos e bisnetos viessem exercer o mesmo ofício. Também era muito comum, indivíduos do mesmo mester casarem entre si. Assim, estes Briosos casaram com outras famílias de ceramistas de Coimbra, como os Paiva, ou os Leal, que por sua vez já se tinham casado com famílias de Lisboa, mas provenientes do Bairro de Santa Catarina, um dos centro cerâmicos por excelência na capital

Embora a existência destes ceramistas coimbrões tenha sido muito estudada pelos investigadores, há uma certa dificuldade em relaciona-los com a produção existente daquela época, pois como já estão mesmo a adivinhar, raramente assinavam as peças e como casavam entre si é natural, que fizessem obras parecidas.

Mas, enfim, através de muitas comparações, os estudiosos costumam atribuir peças com esta decoração deste prato à família Brioso, como se pode ver comprovar numa obra semelhante do Museu de Alberto Sampaio, inventário c 211. A principal diferença é que o prato da nossa amiga apresenta um tema central que é muitas vezes visto em azulejo de figura avulsa.



Depois, a nossa segunda seguidora misteriosa, envia-nos um segundo prato com uma Dama, também do século XVIII, que representa uma segunda tendência da produção coimbrã, em que o tema ultrapassa o covo e invade toda a superfície do prato e é usada a pintura a esponja.

Esta decoração é a antepassada da célebre loiça ratinha, que dominou todo o século XIX coimbrão e se prolongou mesmo até ao início do século XX. Por essa razão estes pratos são conhecidos por pré-ratinhos.

Para rematar esta pequena história da produção coimbrã, a nossa segunda seguidora misteriosa, envia-nos dois ratinhos com motivos florais, mas que tem a particularidade de apresentarem inscrições.



O primeiro é um prato com a inscrição “Coimbra” e o segundo, um jarro com a inscrição “Bom Vinho”.

Ao contrário de outras faianças, os ratinhos apresentam formas pouco variadas. Há pratos, palanganas e os recipientes para servir vinho e pouco mais. E mesmo estes últimos são muito mais difíceis de achar nos mercados de velharias, que os pratos, pelo que o jarro é uma peça rara, pela qual a nossa amiga tem imensa estimação e nós uma grande admiração.
 
Este texto foi escrito a partir da leitura da obra Cerâmica de Coimbra: do Século XVI – XX / de Alexandre Nobre Pais, João Coroado, António Pacheco. Lisboa: Edições Inapa, 2007.

14 comentários:

  1. Olá Luís!
    Magnífico este conjunto de peças de fabrico coimbrão!
    São todas muito boas, mas para mim a jóia da coroa é o pré-ratinho com figura de dama. Dou por mim maravilhada a apreciar todos os pormenores…
    Já viu como ele passava bem por arte contemporânea? Aquela composição assimétrica, quase sem moldura, o desenho dos olhos, as linhas do penteado, tudo me deixa encantada… Lembra-me um q representa a Rainha Santa Isabel e está no Museu Machado de Castro, se não me engano, mas este surpreendeu-me!
    Ainda bem q há boas colecções , públicas e privadas, de faiança portuguesa antiga e que está a ser conservado este valioso património.
    Isto suscita-me uma reflexão q é a seguinte: graças às novas tecnologias, estes coleccionadores de boas peças de faiança, neste caso as suas seguidoras misteriosas, podem partilhá-las connosco sem correr riscos, o q nos torna mais ricos e mais felizes, mas certamente também lhes dá algum prazer porq todos nós gostamos de mostrar os nossos tesouros a quem os aprecie…
    Muito obrigada a esta senhora e ao Luís, que disponibilizou o seu tempo para nos fazer chegar não só as fotos, mas também o texto q tão bem as enquadra.

    ResponderEliminar
  2. Sendo a proprietária destas peças é um verdadeiro prazer partilhá-las convosco. Tenho seguido este blog, bem como o da Maria Andrade, e verdadeiramente fiquei impressionada pela qualidade e quantidade de conhecimento partilhado entre vós!
    Desejo que esta mostra de faiança, e outras que lhe possam seguir, sejam um modesto contributo para melhor conhecer a faiança produzida em Coimbra e que tantas vezes é tida tão pouco em conta...

    Quanto às peças propriamente ditas posso assegurar que as formas ratinho são de uma dificuldade extrema de conseguir. Temos falado com pessoas que dedicaram a sua vida à compra e venda de velharias, alguns deles os ciganos de Estremoz mencionados pelo Luís:), e muitos nem sequer sabiam da existência destas peças. O catálogo Os Ratinhos faiança popular de Coimbra é uma obra fundamental mas infelizmente está esgotado desde 1999! Outra obra muito interessante é o catálogo da I Exposição de Colecções Particulares de Coimbra em 1965, deste não tenho o original mas posso partilhar a cópia que tenho.
    Uma vez mais obrigada e até breve!

    ResponderEliminar
  3. Olá Luís
    Senti-me na minha praia. A faiança de Coimbra da minha terra.
    Parabéns à seguidora anonima na vontade de mostrar algumas peças de inegável valor. Uma delícia, todas peças de Museu.
    Os pratos em azul um deslumbramento, sem palavras.
    O ratinho policromado e a infusa muito bonitos sobretudo porque contêm inscrições.

    No meu último post,infusa em tons de vinho com flores e esponjados, sem asa, muito semelhante a esta aqui apresentada, poderá ser Coimbra, pelo rendilhado abaixo do bico também comum nas bacias ratinho.

    Estas peças sim, trocava tudo o que tenho e acho que não chegaria...
    Bem haja à seguidora anónima pela boa vontade e prazer em nos mostrar tão raras belezas.
    Beijos
    Isabel

    ResponderEliminar
  4. Por esta mostra consegue-se entrever a ligação entre a cerâmica pré-ratinho e a já considerada de "ratinho". O aparecimento das espirais, dos esponjados, as cores características destas peças, o uso de uma geometrização herdada da civilização islâmica, mas já adaptada à arte ocidental e uma subdivisão pouco comum de um esquema decorativo subdividido em 7 partes iguais, como é o caso do último prato.
    São comuns as subdivisões geométricas ornamentais segundo esquemas que dividem a circunferência em 3, 4, 5 e 6 partes, menos frequente as de 2 e 8, mas 7 creio que não é fácil encontrar!
    A minha preferência vai para o esquema quase perfeito do 2º prato, em que os motivos se casam e interpenetram de uma forma extremamente equilibrada, e depois, claro, para o prato com a figura de dama que a Maria Andrade referiu, e que poderia ser perfeitamente atribuída a um artista do século XX! Sem qualquer problema.
    Se me dissessem que era de um expressionista ou de um pré-cubista não me admiraria nada!
    Poderia ser também um Modigliani com olhos, um Matisse quiçá mesmo Picasso.
    Um agradecimento à dona das peças por as ter disponibilizado e a ti que fizeste o trabalho de investigação que tornou mais claro este assunto.
    Manel

    ResponderEliminar
  5. Ola Luis como está?

    Eu adoro as peças das antigas fabricas de coimbra..

    Mas as peças que mostra são muito elegante! A peça com a dama é para mim o mais interessante!!

    Visite o meu blog, preciso da sua ajuda no Pote com figuras mitologicas.

    Cumprimentos

    Flávio Silva

    ResponderEliminar
  6. Este blog cada vez está melhor, não só a nível das imagens, como também pelas explicações e comentários, que demonstram verdadeiro saber e gosto pelo mundo das faianças.
    Quanto aos catálogos, onde se mostra e fala da Faiança Ratinha, sei de mais alguns, dos quais poderei indicar os nomes, se assim o entenderem.
    Cumprimentos
    if

    ResponderEliminar
  7. Muito obrigado pelo seu comentário, que vindo da sua parte tem um significado especial.

    No meu post http://velhariasdoluis.blogspot.com/2009/10/faianca-ratinho.html listei alguma bibliografia sobre faiança ratinho, mas receberei com muito gosto o título de mais catálogos ou livros que conhecer.

    Os estudante de arte, coleccionadores e antiquários agradecerão certamente que exista algures na internet uma boa lista bibliográfica sobre os Ratinhos

    Abraços

    ResponderEliminar
  8. Manel

    Confesso-te que nunca me tinha passado pela cabeça contar as partes em que se divide um prato. Mas, faz todo o sentido, até porque poderá ajudar a definir um padrão, que permita identificar fábricas.

    Abraço

    ResponderEliminar
  9. Cara Maria Isabel

    Estes post também foi feito um bocadinho a pensar em si, que sempre apreciou tanto as louças de Coimbra e as peças tradicionalmente atribuídas ao Brioso,

    Abraços

    Luís

    ResponderEliminar
  10. Maria Andrade

    A Maria Andrade e o Manel tem toda a razão. Esta Dama em faiança pre-ratinho poderia ter saído das mãos de um Picasso ou de um Miró e estar agora numa colecção particular de um ricalhaço americano a valer milhões. É uma peça verdadeiramente modernista.

    Abraços

    ResponderEliminar
  11. Olá Luís

    Mais uma vez agradeço a sua disponibilidade em partilhar com os apreciadores de faiança portuguesa, especialmente a Ratinha, os seus conhecimentos.Essa partilha enriquece-nos a todos.
    Indico algumas referências bibliográficas, que talvez possam ajudar a esclarecer esta faiança, cada vez mais rara e apetecida.
    CARVALHO, Francisco Augusto Martins - "Antigas Fábricas de Cerâmica em Coimbra" in Algumas Horas na Minha Livraria, Coimbra, 1910.
    CARVALHO, J.M. Teixeira de - "Cerâmica Coimbrã no século XVI". Coimbra, 1921.
    LEPIERRE, Charles - "Estudo Chímico e Tecnológico sobre a Cerâmica Portuguesa Moderna". Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, 1912.
    Mello, Adelino António da Neves e - "Apontamentos sobre a História da Cerâmica em Coimbra". Portugália Editora, 1886.
    VASCONCELLOS, Joaquim de - "Catálogo de Cerâmica Portugueza". Porto, 1909.
    MENDES, José Maria Amado - "Memorial Histórico da Exposição Distrital de Coimbra 1884". Coimbra, GAAC, 1985.

    Cumprimentos
    if

    ResponderEliminar
  12. Apesar de não ser dono do blog, não quero deixar de agradecer à última comentadora a sua disponibilidade em colocar aqui esta bibliografia preciosa para quem gosta deste mundo.
    Esta disponibilidade nem sempre existe desta forma, e é algo que sistematiza o que está editado.
    Bem haja
    Manel

    ResponderEliminar
  13. Cara If

    Muito obrigaqdo pela sua bibliografia que irei lançar no post http://velhariasdoluis.blogspot.com/2009/10/faianca-ratinho.html. Ali ficará uma lista muito completa, certamente útil aos estudantes de arte, coleccionadores e antiquários.

    Abraços

    ResponderEliminar
  14. JOAQUIM JOSE MOREIRA NORONHA FERRAZ16 de abril de 2017 às 12:32

    Bom Dia
    Vivo em Coimbra e tenho um jarra para vinho ratinho produzida pela oficina de alfredo oliveira com respectivo simbolo

    ResponderEliminar