sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Alexandria


Alexandria é uma daquelas cidades míticas a que nunca fui, mas à qual já viajei vezes sem conta através dos livros. Fundada por Alexandre o Grande no Delta do Nilo, a cidade desde logo se assumiu como uma terra estrangeira no Egipto, habitada por gregos e judeus. Esta capital cosmopolita de ruas rectilíneas vai ser ao longo do primeiro milénio da sua existência berço de movimentos espirituais, que influenciaram decisivamente a civilização ocidental, como o neoplatonismo de Plotino e Hipácia. Aqui o antigo Testamento foi traduzido pela primeira vez do hebraico para o grego, por Fílon, um sábio judeu helenizado, que preparou o caminho para a conquista do mundo pelo cristianismo, uns séculos mais tardes. Nos finais do Império romano, Alexandria foi a cidade de Santa Catarina, que como vimos anteriormente, a tradição misturou com a figura de Hipácia e ainda de Clemente de Alexandria, um dos teólogos mais importantes do Cristianismo. Aliás, nos primeiros séculos da sua existência, a religião cristã contrói a sua teologia e a sua interpretação dos ensinamentos de Cristo a partir do neoplatonismo da escola de Alexandria.

Liz Taylor, a eterna Cleópatra

Alexandria é também Cleópatra, que nós imaginamos sempre com o rosto de Liz Taylor ou com o nariz que Uderzo lhe deu na banda desenhada Astérix e a Cleópatra. Mas para mim Alexandria é também o romance o Quarteto de Alexandria de Lawrence Durrell, um dos livros que marcou a minha passagem para uma visão adulta do mundo. Nesta obra, Alexandria é cenário de uma novela contada por 4 personagens diferentes e a mesma história é narrada de forma diferente por cada uma delas, que não só alteram a sequência cronológica, como os transformam os próprios acontecimentos. Neste livro desconcertante, aprendi, que a mesma realidade é representada de forma diferente por cada ser humano e que temos que ter cautela quando afirmamos que há uma única verdade e uma realidade possível de identificar e categorizar linearmente. Isto serviu-me para a vida, para a História ou para coisas mais simples como a faiança ou a gravura.



O farol que se vê aqui não é o original. O mítico farol caiu nos finais da Idade Média


Este meu fascínio por esta cidade, que já nem sequer existe, pois tudo foi inteiramente modernizado com torres de betão e o farol, a biblioteca ou o museu há muito que desapareceram, fez-me desde logo gostar desta gravura inglesa do século XIX, representado Alexandria e que mostro hoje.

The age we live in a history of the nineteenth century

Esta estampa, que pertence ao Manel, foi gravada e editada por J. Ramage e E. P. Brandard e em tempos fez parte de um livro, um manual de história inglês, intitulado The age we live in a history of the nineteenth century, from the peace of 1815 to the present time, publicado em 4 volumes pela W. Mackenzie de Londres.


A parte do livro de onde foi tirada a estampa

A gravura fazia parte do 4º volume, que saiu em1880 e era uma de muitas que ilustrava a obra do Reverendo James Taylor (1813-1892), uma história contemporânea do Séc. XIX. As estampas destes livros representam homens de estado da época e vistas sobre cidades do mundo, todas elas de muito boa qualidade, não fossem os ingleses os primeiros turistas do mundo e que se cedo se especializaram no desenho de paisagens e vistas de monumentos. Pessoalmente, gosto particularmente da imagem St. Petersburgo, vista como se tivéssemos num avião ou da cidade de Sebastopol, na Crimeia, onde umas poucas décadas antes da publicação deste livro, ingleses, franceses e russos tinham travado uma guerra sangrenta (enfim, o adjectivo é redundante, pois não serão sangrentas todas as guerras?).


Sebastopol na Crimeia

Como nem sequer dinheiro tenho para pagar bilhetes de avião em companhias de Low Cost, através das estampas, voltei hoje a Alexandria e ainda sobrevoei Sebastopol e St. Peterburgo.

St. Petersburgo como que vista do ar


4 comentários:

  1. Gostei muito deste post, não só pela bela gravura do Manel, mas pelas referências que faz ao livro donde foi tirada e à cidade de Alexandria.
    Aprecio muito estas edições inglesas do séc. XIX e até fui rever um livro meu que é também objeto de estimação, "The History of London" de Walter Besant, numa edição de 1893. Tem uma capa muito bonita, os cortes dourados e está cheio de gravuras mas todas a preto e branco e a maioria sem autoria atribuída.
    Quanto à tetralogia do Lawrence Durrell, houve uma altura que quis muito lê-la, mas não a encontrei logo e assim fiquei até hoje sem ler "O quarteto de Alexandria". Agora, graças à sua referência, estou novamente com vontade de ler a obra, vamos lá ver se é desta...
    Um abraço

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  2. O Quarteto de alexandria marcou os meus vinte e poucos anos. Não sei se aos 48 teria o mesmo impacto em mim, mas em todo o caso o Durrel continua a ser considerado um dos grandes autores em língua inlesa do séc. 20. Por outro lado, traz-nos uma Alexandria cosmopolita dos anos 40, habitada por gregos, italianos, arménios, coptas e egípcios, ambiente que se perdeu depois da independência do Egipto.

    Aguardamos por um post com as gravuras da sua história de Londres.

    Abraços

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  3. Uma das razões porque adquiri esta gravura, para lá do seu desenho belíssimo, e pelo prazer que tenho em ver e descobrir gravuras/desenhos de cidades antigas, é seguramente o farol que se vê.
    Ainda que este não seja o verdadeiro, aquele que me excitava a imaginação quando, ainda rapaz, lia sobre as sete maravilhas do mundo.
    Pensava em construções grandiosas, de pedra calcária (como este), onde no topo eu ficava sempre a imaginar como conseguiriam eles construir um fogo tão grande, que pudesse ser visto de muito longe.
    A sua construção na ilha de Faros deu-lhe o nome porque ficou conhecido até hoje - farol - e serviu de modelo a todos os faróis construídos desde então.
    Foi destruído no séc. XIV, e ainda não consegui perceber se a sua destruição está ligada ao grande tsunami que destruiu Alexandria em 365. Se bem que este tsunami esteve ligado ao violento tremor de terra que assolou Creta.
    Esta cidade também esteve ligada, na minha imaginação, à sua biblioteca fabulosa, que, recriava, recheada com a melhor literatura possível de ser encontrada à época, e a sua destruição pelo fogo, como era vulgar acontecer às bibliotecas! A leitura fazia-se à luz de candeeiros de chama aberta e qualquer descuido seria desastroso!
    E finalmente, à vida de Hipatia, que me foi contada como lenda e que, mais tarde, voltei a ler como figura histórica que realmente parece ter existido.
    Por tudo isto a cidade de Alexandria, que hoje deve ser mais uma cidade cheia de subúrbios tenebrosos, encheu a minha imaginação de grandes encontros de culturas, conquistas, monumentos grandisos, para lá do facto de ter sido um cadinho de diferentes raças, religiões, tradições e línguas, o que deve ter constribuído para o seu lendário prestígio e carisma.
    As "vistas em olho de pássaro", fabricadas no passado, são fenomenais, e fico sempre admirado como as conseguiam eles desenhar sem grandes possibilidades de ter acesso aos meios contemporâneos de "ver do céu".
    Claro que as desenhavam à escala, com base numa planta desenhada em perspetiva rigorosa, donde levantavam as volumetrias que viam, ou imaginavam, mas ainda assim, o trabalho é de mérito, em termos de desenho
    Manel

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  4. A minha falta de atenção dá nestas coisas! Entre o tsunami e a destruição do farol vão 1000 anos!!!!!! Pelo que qualquer relação é puro fruto da minha fértil imaginação e da pressa de escrever sem voltar atrás para para rever. Não tenho emenda!
    Vivo numa corda bamba...
    Mas pelo menos não faço as coisas por menos! Quando erro é por um milénio!
    Manel

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