quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O Imcontro da Snra


Datada certamente do século XVIII, esta estampa é um dos muitos cristos que espreitam das paredes da minha casa e é talvez um dos meus preferidos. Representa, uma das estações do Calvário, o quarto passo, em que Jesus encontra a sua mãe, aqui representada como a Nossa Senhora das Dores, com uma espada trespassando o seu Coração.



Para os mais novos ou aqueles que não tiveram uma educação católica, as estações do calvário representam os vários momentos da paixão de Cristo, desde a sua condenação passando pela morte, até à deposição no túmulo. O caminho da cruz é uma cerimónia religiosa, que ocorre na Páscoa, que comporta muitas vezes uma procissão, intercalada por prédicas e meditações, diante de 14 quadros ou estampas, crucifixos ou capelas dispostas dentro ou fora da igreja, que representam a subida ao monte Calvário onde Cristo foi morto. Como em cada um desses momentos, se pára ou melhor se estaciona, cada um dos passos é conhecido pelo termo estação.

Esta cerimónia da reconstituição do Calvário foi trazida da Terra Santa pelos franciscanos, que a introduziram na Europa e foi tendo várias variantes, já que assenta mais na tradição do que foi a vida de Cristo e menos nos Evangelhos. Para os menos familiarizados com estas coisas da Igreja, para além das quatro versões oficiais de Lucas, Marcos, João e Mateus há mais relatos da vida de Cristo, a chamada literatura apócrifa e muitas vezes são esses textos que mais influenciram a arte e as tradições populares, como por exemplo, todos os episódios mais pitorescos da fuga para o Egipto, com nossa senhora, o Menino Jesus, S. José e o burrinho.


Mas em todo o caso, no Século XVI, a Igreja Católica definiu as Estações do Calvário em XIV, que passo discriminar de em seguida, pois dão muito jeito para se perceber o que se vê no interior das igrejas e ao longo das aldeias e vilas portuguesas:

1 - Jesus é condenado à morte

2 - Jesus carrega a Cruz

3 - Jesus cai pela primeira vez

4- Jesus encontra a sua mãe

5- Simão de Cirene ajuda Cristo a carregar a sua cruz.


o 5º passo, segundo uma obra da época

6 -Santa Verónica limpa o rosto de Jesus

7 - Jesus cai pela segunda vez

8 - Jesus encontra as mulheres de Jerusalém que choram

9-  Jesus cai pela terceira vez

10- Jesus é despojado de suas vestes

12- Jesus morre na cruz

13- Jesus morto nos braços de sua Mãe

14 - Jesus é sepultado



Esta minha estampa, em que o tema da paixão que é pela sua natureza muito cruel foi tratado com uma certa suavidade muito característica da arte portuguesa. A estampa, não está assinada, mas o nome é indicado o nome do vendedor, Francisco Luís Pinheiro, que tinha uma loja em frente aos Mártires, no nºo 27, segundo os Subsídios para a história da gravura, de Luís Chaves.
Meditações sobre a Paixão de Cristo. Uma obra do séc. XVIII.


A estampa terá sido destacada de um livro de meditações sobre a vida de Cristo ou talvez fizesse parte de um conjunto de folhas soltas, destinadas a adornar as paredes de uma igreja.

7 comentários:

  1. Este é um tema que aprecio muito e tento ler com atenção aos posts do LUÍS, pois tenho grande dificuldade na interpretação, datação e/ou autoria das gravuras/ casas / gravadores e autores, isto sem contar as várias técnicas de impressão/acabamentos, chapas...se é um gravura ou uma estampa enfim...uma vida inteira a aprender.

    Contudo :))), acho de uma enorme curiosidade o texto na última foto, onde o autor examinou "in loco" as estações... :)

    Um abraço

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  2. Caro José Oliveira

    Eu também sou amador nesta área. Contudo, talvez por ter trabalhado muitos anos com livro antigo sei ver de imediato pelo aspecto do papel se a estampa é antiga. As estampas do século XVIII apresentam um papel grosso, que visto à luz apresenta umas estrias. Muitas vezes tem manchas de humidade, uma cor amarelada e enfim toda uma série de marcas do tempo que uma estampa actual, ainda que impressa a partir de uma matriz antiga não tem.

    A decoração também ajuda a datar uma estampa, como no caso desta, a cercadura, tipicamente barroca de meados do XVIII.

    O termo mais correcto para a folha de papel é estampa. Gravura será antes o nome da arte, pois as estampas são feitas a partir de matrizes gravadas.

    Em todo o caso, sou tb um ignorante à procura de saber mais sobre esta arte que me apaixona

    Abraços

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  3. Boa tarde

    Interessante esta sua estampa, eu também sou possuidor de algumas dessas estampas do sec XVIII e XIX que muito aprecio. È também curioso o facto do Luis ter também esse livro de meditações sobre a via crucis, pois eu também tenho um exemplar completo com as gravuras correspondentes do mesmo ano de edição. Atente no facto de que na edição posterior (1786) já não apresentar as respectivas gravuras, portanto torna esta nossa edição ainda mais especial...um destes dias vou também colocá-la no meu blog com imagens de algumas dessas gravuras...

    Abraço

    E.T.

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  4. Luís,
    A sua coleção de gravuras dos século XVIII é invejável.
    Nesta, para além da cena pungente, muito bem concebida e desenhada, e do pormenor interessante do casario em pano de fundo, achei uma delícia a ortografia da legenda, "O Imcontro da Snrª".
    Este pormenor suscita-me uma reflexão que é o facto de a língua portuguesa ter uma história, ter tido uma evolução até chegar à forma como a conhecemos hoje, teve que ir sendo fixada por normas e por isso, ao contrário de muita gente, não me causa muita impressão ou muito incómodo que ela esteja de novo a sofrer alterações na escrita (embora não concorde muito com algumas delas).
    Voltando à cena da gravura, um dos passos da Paixão, para mim foi muito útil que aqui tenha registado os 14 passos ou estações; eu até pensava que eram só 12! Mas, como sabe, eu não sou muito "esperta" nestas coisas :)
    Agradeço-lhe esta partilha constante que é tão enriquecedora.
    Um abraço

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  5. Caro ET

    Adoro as estampas deste livro, representando com uma grande ingenuidade os passos do Calvário. Este post foi também um pretexto para mostrar um bocadinho dessa obra.

    Abraços

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  6. Cara Maria Andrade

    Obrigado pelas suas palavras.

    Para nós, que vivemos indiferentes às práticas católicas, a iconografia cristã já representa um mistério, uma cifra para a qual é preciso uma chave e talvez por isso a arte sacra seja tão fascinante.

    Um abraço

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  7. Boa tarde

    Entretanto encontrei uma das minhas estampas esta dedicada a Stª Barbara da mesma oficina que produziu a sua (frente aos Martires), que coloquei no meu blog...
    Cump.

    E.T.

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