Um dia na feira de Estremoz o Manel comprou já não sei que velharia e o feirante como brinde, deu-lhe esta chávena e pires.
Esta peça que era obviamente do início do século XIX deixou-nos aos dois encantados com a sua elegância neoclássica, bem como a sua pormenorização, já que na chávena e pires estão impressas ao todo três cenas distintas, todas elas representando uma mãe e um filho, em momentos de grande ternura.
A peça não tem marca de fabrico, apenas um número, que se deve referir talvez à decoração.
Fotografei e a peça e fui para o Google e claro, no www.rubylane.com, o melhor site de antiguidades de toda a net, descobri uma primeira chávena, muito semelhante a esta, datada dos primeiros anos do séc. XIX, e que me forneceu as primeiras pistas.
Chávena e pires à venda no www.rubylane.com |
A chávena e o pires foram feitos em lustrina, um tratamento especial dado ao vidrado da faiança, que lhe confere um brilho especial. A decoração da chávena foi feita segundo uma técnica de impressão muito inovadora para a época o bat printed, em que os desenhos eram impressos com um pontilhado, criando um aspecto delicado e adaptando-se muito bem a superfícies curvas
Chávena e Pires da Dawson, da colecção do Victoria & Albert Museum |
Depois continuei as minhas pesquisas, desta vez em livros e numa obra de Geoffrey A. Godden, intitulada, British Pottery and Porcelain, descobri um conjunto ainda mais parecido com este, fabricado pela Dawson, cerca de 1815 e pertencente à colecção do Victoria and Albert Museum. Parti para o site daquele museu inglês, que tem uma colecção estupenda de faiança e porcelana e lá encontrei uma imagem da chávena referida no livro, mais outras peças idênticas, sempre à volta do tema da maternidade, com senhoras em trajes estilo império, em momentos de ternura com os seus filhos.
Prato do Victoria & Albert Museum, executado segundo desenho de Adam Buck |
Acabei por descobrir que todas aquelas peças de faianças foram decoradas a partir de desenhos de Adam Buck (1759-1833), um pintor irlandês, que desenvolveu um trabalho de retratista e miniaturista em Londres, no mais puro estilo neoclássico.
Estampa segundo desenho de Adam Buck do V& A Museum |
A chávena e o pires do Manel foram feitos certamente segundo um desenho de Adam Buck e à volta de 1810/1820. Todo o pormenor da decoração destes objectos cerâmicos objectos acusa o toque de um pintor minaturista.
Auto retrato de Adam Buck e sua família. |
Grande pesquisa, Luis.
ResponderEliminarEu adoro encontrar dados de peças, e agora com a Internet, você pode encontrar tanto ...
Atenciosamente
Piola
Viva Luís,
ResponderEliminarInteressante o seu texto e toda a pesquisa que o sustenta. Com certeza deve ter notado que um dos desenhos da chávena trata-se de uma reprodução do autoretrato do autor, quando representa a mulher e o filho.
De altíssima qualidade a chávena e o pires.
PS. Regrassado agora da Feira da Ladra, onde me perdi com os azulejos, século XVII e XVIII !!!
Abraço
C.
Uma pérola. Belissima peça...
ResponderEliminarQue peças maravilhosas! Nunca tinha visto nenhuma assim... Muito obrigado pela partilha! Tenho 52 anos e se há quatro anos me tivessem dito que eu ainda havia de passar horas fora do trabalho, agarrada ao pc a aprender mais e mais, até ficar viciada, eu diria que era impossível, pois bastava-me ter de usar computadores no trabalho... E agora... O bichinho nasceu com a UAB e parece-me que não vai para... Bem hajam!!!
ResponderEliminarAna Silva
Olá Luís,
ResponderEliminarEste seu post transportou-me a uma época da minha vida profissional, os últimos anos, em que eu, sempre que podia, procurava alívio para a pressão do dia a dia embrenhando-me a fundo no mundo das faianças e das porcelanas inglesas , em livros, catálogos, sites e programas da BBC (juntava o útil - prática intensiva de inglês - ao agradável)
Foi nessa altura que travei conhecimento com os “black basalts”, os “creamwares”, os "flow blues”, os “pink lustres”... e também com os “bat prints” segundo Adam Buck.
Tudo isto me fascina, mas entretanto com o blogue, deixei-me seduzir por outras áreas das velharias e descurei mais estas.
Esta é uma categoria muito especial da produção cerâmica inglesa, que eu aprecio muito, e de que até hoje ainda só consegui comprar um bule. Vi em tempos uma chávena, mas achei-a cara e depois arrependi-me de não a ter comprado.
Dou-lhe os parabéns por, a partir da sua pesquisa, ter construído um texto claro e muito interessante, muito bem ilustrado, algo que eu até hoje não me dispus a fazer sobre o meu bule.
E o Manel pode ficar a saber que fiquei roidinha de inveja por ele ter conseguido uma peça destas como oferta
Abraços
Cara Piola
ResponderEliminarA net é uma coisa fantástica com possibilidades fantásticas de pesquisa e um instrumento muito eficaz para identificar peças, muito embora, também tenha consultado um ou outro livro.
Abraços
Caro C!!!!
ResponderEliminarFico contente com o seu regresso a este blog. Quando vi o auto retrato do Adam Buck e da sua família, dissiparam-se as dúvidas que ainda tinha quanto a fonte de inspiração destas peças e tive a certeza que esta chávena e pires tinham sido decorados segundo um desenho dele.
Os azulejos são sempre uma perdição. Eu já deixei de os comprar, mas é uma coisa que me apetece sempre levar. controlo los meus ímpetos para não começas a colocar azulejos nos tectos.
Abraços
muito obrigado, caro Pollitikus, um, grande abraço
ResponderEliminarAna Silva
ResponderEliminarFico muito feliz por gostar deste blog e espero poder contar com as suas opiniões. Este blog e o grupo de pessoas que aqui se formou, algumas delas com blogues idênticos, formamos uma pequena tertúlia muito estimulante.
Abraços
Muito obrigado pelo incentivo. por agora sou apenas aprendiz, pelo que não se minto com capacidade para emitir opiniões. Sigo de perto todos os blogues dos elementos desta tertúlia e até os que eles seguem. O intuito é aprender. Sempre gostei de "velharias" e sou conhecida na família por ser a única que tem peças de todos os familiares mais velhos (talvez por isso me identifique com os post's em que fala das peças que herdou ou que lhe ofereceram)!
EliminarAbraço,
Ana Silva
Maria Andrade
ResponderEliminarHá bem pouco tempo não sabia nada sobre loiça inglesa. Ouvi falar de lustrina a primeira vez no seu blog, há coisa de um mês. Mas os ingleses e os americanos tem a loiça britânica muito bem estudada e é fácil encontrar informações sobre as suas peças. Está tudo muito sistematizado.
Se eventualmente a chávena fosse portuguesa, andariamos todos aqui aos papeis a discutir a atribuição da peça. A Maria Andrade e eu diriamos que a peça era do Norte, o manel e a IF seriam de opinião que era de Viana e a Maria Isabel de Coimbra. Enfim, precisamos de ter a faiança portuguesa bem estudada como os ingleses.
Abraços e obrigado pelas suas simpáticas palávras
Antes de tudo peço desculpa pelo pedido que vou fazer aqui nos comentários. Tenho uma peça em terracota (uma escrava preta, com um cesto nas mãos) que não consigo datar, pois não tem marcas. Posso enviar-lhe em mail com uma fotografia e os dados, para ver se conheçe alguma parecida. Agradecia a ajuda. Obrigado
ResponderEliminarPS- Se me poder ajudar qual o mail para que envio a foto?
Caro Politikus
EliminarSe souber, terei muito gosto em ajuda-lo. O meu endereço de e-mail está indicado no meu perfil
Abraços
Pois Luís, tu lá conseguiste encontrar a informação que me escapava, pois não sabia nada sobre esta técnica de decoração cerâmica, a qual, por ser algo complicada, parece ter sido abandonada muito cedo, segundo li posteriormente. Obrigado pela tua pesquisa!
ResponderEliminarO design da peça é fantástico, e a decoração é de uma delicadeza que me deixou fascinado, ainda que nada soubesse dela inicialmente.
Também é verdade que, nesta altura, me falta o tempo para passar à roda do pc, mas, ainda assim, tinha feito já uma primeira pesquisa, ainda que infrutífera.
A ti se deve o ter encontrado o fio da meada!
Gostei muito da peça e o vendedor que ma ofereceu é na verdade uma pessoa com quem simpatizo, e que me vai fazendo preços muito em conta, os únicos que vou conseguindo pagar!
Na verdade, passo a vida a dar com o homem em todo o sítio; é efetivamente uma coincidência pegada, pois até já o encontrei mesmo em frente à porta da minha casa!
Manel
Luís,
ResponderEliminarO tecto poderá ser uma possibilidade!!!!
O interessante dos azulejos, são as suas múltiplas aplicações, uso, possibilidades até criativas. Ainda que, para mim, a parede seja mesmo a melhor hipótese. Agora ando a "tratar" das paredes da capela! Assim paredes, por enquanto não me faltam!!! Há aqui é uma duplicidade de sentimentos, se por um lado vou construindo painéis nas paredes que vou revestindo, por outro lado há azulejos que saem dos seus espaços originais para sempre. E todos sabemos que não resultam apenas de demolições. Pelo menos comigo, fica a garantia que não saem do país!
Abraço
C.
Caro C
ResponderEliminarTambém por vezes me preocupa a proveniência dos meus azulejos. Uma vez no blog, já tive um comentário prevenindo-me de forma muito educada, que os meus azulejos poderiam ser rapinados.
Enfim, também sei que a maioria dos portugueses acham os azulejos antigos um horror e enquanto não os arrancam das suas casas não sossegam.
A sua capela certamente que vai ficar um espanto.
Abraços
Manel
ResponderEliminarEu é que tenho que agradecer-te teres-me deixado usar a tua chávena aqui no blog.
Para quem quiser saber mais sobre a técnica bat printed, que é complicada pode ler esta explicação no rubylane.com http://ruby-lane.hubpages.com/hub/Invention-of-18th-Century-Ceramic-Transfer-Printing
Luís,
ResponderEliminarEfectivamente penso que teremos as duas situações, ainda que acredite que a balança pese mais para um lado do que para o outro! Muitos azulejos sairão de forma ilícita das paredes que ornamentam há séculos e esses serão os que saem do país em maiores quantidades (há uma série de sites norte americanos onde podemos encontrá-los à venda, estando disponiveis em quandidades "industriais". Não acredito que resultem de demolições. Mas também não sei se temos um crime menor, quando um proprietário de um imóvel altera de forma arbitrária elementos estruturantes de uma gramática decorativa, como são os azulejos nas construções pombalinas. Se não me identifico com o racionalismo contemporâneo, não vou morar para um bairro de linhas minimalistas para depois encher a casa de "azulejos escavacados". Ainda que se consigam interpretações actuais com azulejos portugueses do século XVIII, como algo que resultou muito bem na decoração do Restautante "Faz Gostos LX", na Rua Nova da Trintade (http://www.fazgostoslx.com/galeria.html).
A capela tem sido um projecto que tenho vindo a desenvolver e que ainda é para continuar. Precisava de algum restauro, pensei alargar um pouco os trabalhos e incluir azulejos, que não tinha. Claro que tem envolvido muita pesquisa e prospecção, de modo a não criar uma "manta de retalhos". Mas está a ficar interessante.
Abraço
C.
Caro C
EliminarObrigado pelo link. Já conhecia aplicações semelhantes. As possibilidades decorativas dos azulejos são ilimitadas. O Gaudi usava azulejos partidos e compunha desenhos com eles. Mas, claro, é sempre preferível coloca-los segundo os esquemas originais da época da sua criação.
O projecto da capela deve ser muito giro e é bom saber que alguém está a reconstruir em vez de destruir. Fico logo com a cabeça a fervilhar a imaginando o espaço
Um abraço
Caro Luís,
ResponderEliminarNão há dúvidas de que, este seu blogue, é mesmo o local de encontro de uma tertúlia, que se interessa por tudo o que é belo!
Claro que achei a chávena uma delícia, e fiquei toda roída por ela não me ter calhado a mim!
Esse seu amigo Manel é um homem de sorte!
No entanto, e continuando a comentar os demais posts entretanto colocados, não posso deixar de frisar que, e suponho que, tal como acontece com algum do belo património de azulejaria, o mesmo vem acontecendo com, imagine-se, os belos muros rústicos que ainda vão resistindo pelos campos (agora incultos).
Na zona de Abrantes/ Sardoal, houve quem fosse abordado por espanhóis, com o intuito de comprarem as pedras que compõem esses muros…
O que se sabe, é que muitos deles têm desaparecido a coberto da noite, e depois aparecem as ditas pedras em Espanha, sendo vendidas a peso de ouro, para construção de moradias de estilo rústico…
Imagine o que agora seria se alguém começasse a “desviar” aquelas belas pedras cobertas de musgo, líquenes, e heras, que tanto carácter dão à nossa bela Sintra!
Enfim, foi só um mero desabafo.
Abraço
Alexandra Roldão
Cara Alexandra
ResponderEliminarPercebo perfeitamente o que escreveu, mas parece que poucos no nosso País querem hoje saber dos muros em pedra. Preferem o cimento e e depois os espanhois vem cá apannhar a pedra.
Já agora, aproveito para fazer propaganda a um dos seguidores deste blog, o Zé Júlio, que faz jardins com muros em pedra!!!! http://o-bau-do-zejulio.blogspot.pt/2012/03/pedra.html
Espreite o seu blog e certamente ficará encantada com um homem ainda jovem que reiventa a arte da pedra. É também um homem que reutiliza mareriais de demolições.
Abraços