sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Novas histórias acerca da estampa representando uma viagem na Rússia


A 23 de Abril de 2012, publiquei aqui uma gravura pertencente ao meu amigo Manel, representando um luxuoso trenó, dir-se-ia uma casa ambulante, viajando pelas imensidões geladas da Rússia. Na época, em que escrevi o texto, interpretei esta estampa de finais do XVIII como a representação de alguma viagem de Catarina a Grande (1729-1796) através da Rússia. A imperatriz russa sempre excitou a imaginação dos artistas e escritores ocidentais pelo seu fausto, pelos inúmeros amantes que cumulou de honrarias, alguns deles muito mais novos que ela, mas sobretudo pelo poder que exerceu de forma despótica, mas esclarecida sobre o maior país do mundo. Por estas razões achei que a legenda Empress of Russia's Travelling Equipage só se podia referir a Catarina a Grande.
O coche trenó da col. Armoury Chamber do Kremlin. Foto retirada de http://www.grayareasymposium.org

Há cerca de uns quatro ou cinco meses passou-me pelas mãos um catálogo do Armoury Chamber, do Kremlin, em Moscovo, que entre muitos tesouros, conta com uma colecção de coches sumptuosos. Enfim, todos sabemos do fausto em que vivia a grande nobreza e família real russas. No meio daqueles dourados todos descobri um trenó luxuoso, que correspondia em tudo à casa deslizante representada na estampa. Esta mistura de coche real com trenó foi construída em 1732, pintada por um senhor provavelmente francês, um tal Jan Michelle e pertenceu a duas imperatrizes, Anna Ioannovna e Elisabeth Petrovna, ambas filhas de Pedro o Grande. Mas, quando li esta informação, não liguei muito e achei que este coche trenó certamente também teria sido usado por Catarina da Rússia, casada com o sobrinho de Elisabeth Petrovna e era uma viagem da grande Catarina, que estaria representada na estampa. 
Imperatriz Isabel por Van Loo. Peterhof State Museum Reserve
Contudo, fui lendo aqui e acolá e fiz mais umas pesquisas na net e descobri que a cena da gravura representa afinal uma viagem, que a Imperatriz Isabel (1709-1761) fez de St. Petersburgo para Moscovo e que ficou absolutamente lendária. Filha de Pedro o Grande, Isabel tomou o poder ao imperador Ivan VI através de um golpe de estado em 1741 e pelo que percebi da história, que é uma intrigalhada palaciana do arco-da-velha, Elisabeth Petrovna teve que se fazer entronizar à pressa, o que foi complicado, porque a augusta princesa vivia em St. Petersburgo e a coroação dos czares da Rússia fazia-se em Moscovo, a cerca de uns 700 km dali. Fizeram-se então preparativos absolutamente loucos para que esta longa viagem no meio da neve e do gelo se fizesse em apenas 3 dias. A Princesa Isabel juntamente com duas criadas foi metida neste coche trenó ao qual foram aparelhados 28 cavalos.


Os vinte e oito cavalos aparelhados
Foi montada toda uma logística ao longo das sete centenas de km que separam as duas cidades e mobilizados muitos homens, para assegurar as várias mudas de cavalos. Isabel viajou dia e noite, conseguindo chegar a Moscovo no prazo previsto para a coroação, tendo usado ao todo a impressionante soma de 800 cavalos.

Elizabeth Petrovna por Louis Tocque. Hermitage. A Imperatriz Isabel não era uma senhora dada à simplicidade

11 comentários:

  1. Afinal, Luís, o seu palpite inicial não estava muito longe da verdade histórica. Mas agora chegou mesmo lá!
    É impressionante a opulência em que viviam estas imperatrizes russas! E como estas viagens eram preparadas, os meios que era necessário ativar, as pessoas envolvidas... enfim, um mundo bem outro do que nós conhecemos! E talvez seja isso mesmo que nos atrai para estas histórias e também para a literatura russa, cheia de personagens inesquecíveis!
    Beijos

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  2. Maria Andrade

    Esta estampa do Manel sempre me fascinou. Sempre pressenti que representaria algo de extraordinário, mas nunca consegui decifrar exactamente o quê. E agora estou muito contente, porque finalmente percebi que representa uma viagem com uma logística imperial, que envolveu ao todo 800 cavalos e é bem típica dos excessos e luxos da Rússia czarista.

    bjos

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  3. Mais um bom trabalho de detetive.
    Sabia que esta czarina que viveu 53 anos, filha de Pedro o Grande, tinha tomado o poder de sopetão, depondo o czar Ivan VI (tal como faço muitas vezes trocaste o "VI" por "IV", pois o Ivan IV foi aquele cognominado de "Terrível", e esse, esta Isabel, não teria deposto seguramente) através de uma revolução palaciana sem qualquer derrame de sangue, o que foi notável para a época.
    Aliás, durante a vida desta soberana esta tentou sempre ser fiel à sua palavra, evitando sujar as mãos com sangue alheio.
    Desta forma, este Ivan VI foi aprisionado juntamente com a sua família num castelo, longe dos centros de poder, só sendo assassinado posteriormente, aquando da subida ao trono da grande Catarina.
    Esta Isabel, uma francófila, era tida como uma das belas mulheres da corte russa, sendo uma Imelda Marcos do seu tempo, ao possuir milhares de pares de sapatos e, segundo contam as más línguas, cerca de 15 000 vestidos de baile.
    Era, no entanto, considerada uma regente relativamente competente, que fez face ao poderio da Prússia e ao culto Frederico, o qual esteve muito próximo de ser batido pela coligação da Áustria/França/Rússia na Guerra dos 7 anos. Foi por um triz!
    Como "não há bela sem senão", cometeu o erro de restituir o poder à antiga aristocracia russa, o qual tinha sido cerceado, e muito avisadamente, pelo seu pai, Pedro o Grande.
    Foi extremamente orgulhosa da sua imagem sendo uma mulher vaidosa, o que causou alguns problemas à posteriormente célebre Catarina, quando esta não passava de uma princesa consorte e, ainda por cima, estrangeira.
    Não conhecia esta história de corrida contra o tempo de Isabel, mas, apesar da distância no tempo, ainda consigo entender a sua premente necessidade no jogo pela tomada do poder.
    O carro da senhora era verdadeiramente sumptuoso, o que a minha gravura não deixa adivinhar, apesar de o podermos supor, atendendo à época e ao país em causa.
    Ainda bem que adicionaste esta informação àcerca da minha gravura, pois, desta forma, tornou-se histórica, dando conta de um dos muitos momentos decisivos no percurso daquele país.
    Manel

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  4. Manel

    Muito obrigado pelo teu reparo. Já tratei de corrigir o número de ordem do Czar Ivan.

    Achei imensa graça conseguir interpretar o significado desta estampa. Fui uma daquelas pequenas vitórias, que não dão nas vistas, mas nos enchem de satisfação.

    Esta Imperatiz Isabel foi mais uma daquelas figuras russas, que espantou o Ocidente com o o luxo dos trajes e a opulência da sua corte. Esta estampa, que representa a sua viagem para Moscovo é um dos exemplos dessas extravagâncias russas, que alimentaram a imaginação dos ingleses ou dos franceses.

    Talvez estas extravâncias de Isabel se tenham sobreposto na memória das pessoas às suas qualidades de estadista.

    A Imperatriz Isabel era uma admiradora incondicional de tudo que era francês e iniciou uma era de francofilia na corte russa, que perdurou pelos reinados seguintes, tornou-se um dos traços característicos da cultura das classes dominantes russas e só terminou em 1917.

    Abraço

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    1. É verdade, aliás, foi já o pai de Isabel, Pedro o Grande, que iniciou todo o processo de modernização da Rússia e a sua abertura ao exterior, sendo a França, Holanda e Inglaterra os países que talvez mais o tenham influenciado. É interessante que a Holanda tivesse sido um destes países, onde deu conta da moderna metodologia de construção de navios, dada a força naval da Companhia das Indias. Aqui também tomou contato com a arte dos Países baios, uma das que reputo de mais interessante, sobretudo na paisagem
      Manel

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  5. Ola Luis, voltei uma vez mais a este "rectangulo à beira mar plantado" e adorei conhecer este episódio da história da opulente Russia, impressionante os meios movidos em torno do caso...imagine-se a quantidade de homens envolvidos neste trajecto e os demais acontecimentos ao longo da viagem, afinal 700 kms de neve são bem diferentes de 700 kms de auto-estrada......verdadeiramente impressionante!

    Um grande abraço Luis.

    Marília Marques

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  6. Voltei! Luis acabei de "devorar" o post acerca da Terrina do Manel com o 1ºcarimbo da Fabrica de Sacavem, peço desculpa por deixar aqui o meu comentario acerca desse post mas não queria deixar de felicitar o Manel por tão bela aquisição! É mesmo um achado, daqueles que nos fazem ver os catálogos das leiloeiras em busca do "tesouro" e percorrer feiras e vasculhar tanto bancas bonitas e elegantes como amontoados de peças dispostas sem o minimo de ordem pelo chão ou mesmo caixotes de peças ao desbarato....é um verdadeiro tesouro digno de um de "Caçador" como o Manel.

    Um abraço para si Manel. Fico contente pois sei que lhe dá o devido valor.

    Desculpe Luis, foi mais forte que eu! :-)

    Marília Marques



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    1. Marília, que bom "vê-la" de novo por cá.
      Peço ao Luís autorização para lhe agradecer o seu comentário e dizer-lhe que é sempre gratificante sabê-la por perto.
      Um grande beijinho de boas vindas
      Manel

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  7. Cara Marília

    Fico contente que tenha regressado à nossa companhia, não sei se provisoriamente, pois este rectângulo à beira-mar plantado está a tornar-se uma coisa complicada. Mas não é para escrever sobre desgraças que estamos aqui.

    Calculei a distância entre Moscovo e St. Petersburgo mais ou menos a olho. Talvez no século XVIII, com as estradas existentes, a distância ainda fosse maior e depois fazer essa viagem em 3 dias, no meio do Inverno russo com temperaturas de 40 graus negativos deve ter sido uma verdadeira epopeia, de tal forma que a História registou para sempre este episódio.

    Quanto à terrina dos primórdios de Sacavém foi realmente um golpe de sorte do Manel. E depois é uma peça que nos faz sentir até certa medida orgulho de sermos portugueses, que mostra que fabricámos boas peças ao nível da faiança inglesa.

    Bjos e obrigado pelos seus simpáticos comentários

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  8. Parabéns pela excelente história que propocionou aos leitores do seu blog!

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  9. Caro Ramiro

    Muito obrigado pela sua simpatia!!!!

    Um abraço

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