sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Travessa Cantão popular




Os seguidores deste blog devem estar certamente fartos de Cristos, pensando que este blog mais parece uma emissão da antiga RTP, em dias de Domingo de Páscoa, quando davam sempre aqueles filmes tramados sobre a Paixão de Cristo. Presumo que hoje já se devem ter deixado disso e transmitam nesse dia concursos tontos ou algum reality show, em que um grupo de jovens cozinheiros ou top models vivem todos na mesma casa e competem por nem sei bem o quê.

Por variar então de tanto Cristo, hoje queria mostrar aqui uma travessa de cantão popular, que mostra a criatividade com que este motivo foi tratado pelas oficinas cerâmicas portuguesas.
O jovem Chang, a sua amada a bela Koong-se, perseguidos pelo pai da rapariga, o feroz mandarim
O Willow-pattern que serviu de inspiração ao cantão popular, também nesta travessa foi simplificado, esvaziado do seu sentido original e os motivos orientais são adaptados livremente. Mesmo assim, nesta minha peça, mantem-se a ponte, com os três personagens da história do padrão do salgueiro, o jovem Chang, a sua amada e bela Koong-se, perseguidos pelo pai da rapariga, o feroz mandarim.

Das três casas originais da história, o palácio do mandarim, a casa da criada e a casa onde o casal encontra o refúgio final, nesta travessa só restaram duas. As nuvens e o mar transformaram-se nuns grandes olhos, que recordam o olho cósmico de Deus, em algumas igrejas, ou o símbolo da maçonaria.
Um olho cósmico
Nesta travessa não só a decoração popular é bonita, mas também o próprio tardoz, que recorda a simplicidade da louça malegueira usada nos grandes conventos.

O verso da travessa ou o tardoz, como se usa na gíria da cerâmica
Quanto ao fabricante desta travessa. que não está marcada, é uma interrogação, mas hoje inclino-me mais para que tenha sido feita por umas das oficinas de Aveiro, como Louças da Pinheira, a Faianças Vitória ou S. Roque.

Cantão popular da zona de Aveiro: Faiança Vitória
O cantão popular da Lusitânia apresenta um desenho mais industrial, o Cavaco usa tons muitos escuros e de Santo António de Vale da Piedade é muito mais antigo que este.


Cantão popular da Lusitania

Cantão Popular da Fábrica do Cavaco


Cantão Popular de Santo António do Vale da Piedade

Mas, presumir que esta travessa proveio de uma das fábricas em Aveiro não é de modo nenhum uma certeza absoluta.

18 comentários:

  1. Gostei particularmente do azul vibrante e o design da borda da travessa, com suas reentrâncias e curvas. Bela peça!
    Preciso um dia pegar minhas travessinhas compradas na Ladra, e comparar com suas especulações sobre origem, para ver se as consigo encaixar em alguma destas, apenas por diversão.
    abraços!

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  2. E regressaste ao começo, mas com mais algum conhecimento, pois, de início, não se fazia nem ideia onde este tipo de padrão era produzido.
    Quando víamos este padrão nas bancas de qualquer vendedor, este, desconhecedor, e sem vontade a aprender (ainda hoje não querem, zangam-se quando os corrijo, já desisti), dizia-nos sempre que era Miragaia, e nós, igualmente sem informação, mas pelo menos com o espírito inquisitivo e curioso, recusávamos o epíteto lançado, e íamos procurando a origem de tal motivo.
    Andámos à volta de Miragaia, para perceber se efetivamente era Miragaia, e chegámos à conclusão que nunca esta fábrica produziu este padrão - lá caíu pela base a "banha da cobra" dos vendedores de feiras, e até mesmo respeitáveis antiquários.
    As peças de Miragaia que se parecem mais com este motivo são denominadas peças da série "país", influenciadas igualmente pela cerâmica inglesa, nomeadamente de Herculaneum (padrão "View in fort Madura"), como já apresentaste aqui, num post anterior.
    Depois veio a procura de peças marcadas, e aí, com ajuda de vários colaboradores e comentadores lá se começou a desvendar algum do conhecimento sobre os pólos onde este motivo foi/é produzido, desde Lisboa até ao Porto, passando por Aveiro, claro, um dos principais focos.
    Mas as peças mais vetustas, e talvez por isso, mais belas pela sua ingenuidade e criatividade, vinham do Porto.
    Claro que a origem do motivo é algo que se perde no tempo, pois nem sequer a história original é chinesa, parece ter sido uma invenção inglesa em redor de paragens exóticas, assunto que tinha o papel de catalisar a imaginação dos ingleses nos primórdios do século XIX, pelo que o motivo tornou-se popular estendendo-se pelo mundo fora (no Brasil, e achei muito curioso, o motivo chamou-se de "azul pombinho", segundo o que deduzi das palavras do nosso amigo Fábio Carvalho).
    O que me parece interessante é que este motivo é afim do que é recorrente na porcelana azul e branca proveniente do oriente e denominada porcelana de Cantão, que afinal nem sequer era produzida em Cantão, mas que nesta cidade recebia os retoques finais e de onde era exportada para os mercados ocidentais, inicialmente, funcionando como lastro de navios e depois, nos finais do século XVII até ao XIX, por encomendas próprias, e que se transformou na loiça da aristocracia e realeza de então, sendo mesmo uma das loiças mais apreciadas nos EUA, onde se continua a vender por preços proibitivos.
    Houve um hiato na saída desta porcelana nos meados do século XIX, devido às guerras do ópio, mas, no último quartel do século, continuou-se a sua exportação.
    Assim, este Cantão, que se convencionou denominar de "popular", tem este parentesco com esta loiça da realeza, transportada agora para mesas mais pobres, feita em faiança, e com uma criatividade ingénua e popular que extravasa todas as regras então conhecidas, e que, talvez por isso mesmo, não chegassem "à mesa do rei".
    Nas mesas aristocratas continuava o reinado da porcelana dos azuis e brancos, famílias rosa, verde ou negra, que pontuavam nas cerâmicas de exportação.
    Fico muito encantado com esta interpretação tão lusitana, cujos povos, inicialmente, quiseram ter à mesa uma imitação da louça oriental para exportação, mais realenga.
    Já me alonguei ... não tenho remédio, mas vou cortar algumas partes, pois está em demasia
    Manel

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    1. Exato, Manel, aqui o padrão Willow é conhecido no mercado de velharias e antiguidades como "azul pombinho".
      Por aqui há uma fábrica (Oxford) que ainda produzia peças com este padrão até meados dos anos 1990, e recentemente (2010) retomou o motivo em seu catálogo (para a marca Biona, dedica às peças em faiança da empresa). Nem preciso dizer que eu aproveitei e comprei algumas peças, para meu uso diário. Na Oxford usa-se o nome mais tradicional "Blue Willow", pois tem mais apelo comercial, como algo "de fora", que sempre brilha mais nos olhos complexados dos brasilerios, que só conseguem apreciar algum coisa quando é, ou parece ser, importada.

      http://www.biona.com.br/novaloja/loja/blue-willow/

      Aqui a louça inglesa Willow, que em nossos dias é vista como algo altamente desejável e valiosa, também chegava como lastro dos navios (junto com os queridos azulejos, e tantas outras cerâmicas), e era destinado ao uso mais popular e cotidiano; já vi relatos, e até mesmo uma rara foto no século XIX, que até mesmo vendedores de comida nas ruas usavam louça Willow inglesa, o que demonstra que originalmente era algo extremamente popular e ordinário, e não o que hoje pensam da mesma.

      De mais a mais, se é para ser de origem popular, fico com o Cantão Popular portguês, tão mais cheio de graça e tão lúdico.

      abraços!

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  3. Caro Fábio

    Obrigado pelo teu comentário, que completou e enriqueceu o do Manel.

    Relativamente ao desejo de comparar a travessinha que compraste na Feira da Ladra com esta peça, que aqui mostrei, eu ando com vontade de fotografar todas as peças de cantão popular, que tenho e reunir conjuntos ou famílias, designando-os por simples letras, "a", "b", "c" e "d" e por aí fora. Julgo que já prometi isso aqui no blog. E enfim, não é uma promessa como aquelas que os políticos fazem para ganhar eleições. Tento apenas informar-me mais e digerir as informações que vou recolhendo, antes de me lançar nesse trabalho.

    Em todo o caso, a interpretação do padrão do salgueiro feita pelos ceramistas portugueses é de facto uma coisa muito vibrante e apelativa. Tem o encanto da azulejaria portuguesa.

    Um abraço

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    1. Então agora tenho uma ótima razão para fotografar minhas humildes travessias, para mandar para colaborar com seu projeto de "famílias cantão".
      abraços!

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  4. Manel

    É verdade. Foi um longo caminho, desde que alguém nos disse, que os pratos com esta decoração eram da Fábrica de Miragaia. Desde essa altura para cá, fomos descobrindo vários fabricantes desta decoração, como o Cavaco, a Pinheira, Vitória, Lusitânia e São Roque, cujas peças marcadas são do século XX. Quanto ao Cantão popular presumivelmente feito no século XIX, temos já a certeza que foi feito por Santo António do Vale da Piedade, mas certamente que haverá mais fábricas a produzi-lo neste período, cujo nome desconhecemos.

    Também conseguimos relacionar esta loiça com o padrão do salgueiro, originalmente fabricado na Grã-Bretanha.

    Parece que toda esta loiça se presta a equívocos. Os feirantes conhecem-na por Miragaia e afinal não é Miragaia. Este cantão popular copia o padrão do Sagueiro inglês, que é afinal uma fantasia ocidental acerca da China. Copia também a loiça de Cantão, que afinal não é feita em Cantão. Por último, imita em faiança uma porcelana cara. Todas estas confusões e enganos tornam esta louça ainda mais atractiva e parecem provar, que as cópias sucessivas podem ser um fenómeno muito criativo.
    Abraço

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  5. Olá Luís , muitas ocupações têm-me mantido afastada ,mas hoje regressei e em boa hora ! É que tenho uns pratos e travessas sobre os quais pouco sabia ,além de que seriam uma imitação da louça azul de Cantão :Bem haja pela informação que tantas vezes me (nos ) dá .
    Com + de um mês de atraso , votos de um Bom Ano
    Abraço

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    1. Cara idanhense Sonhadora

      Já a imaginava perdida para sempre no espaço virtual. Fico contente por ter regressado a este blog e por lhe ter dado informações úteis.

      Uum abraço e um feliz ano novo também para si

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  6. Buona notte,luis
    Cosi molto bello
    Amo il vecchio
    sembra che il tutto sia uscito dal baule della nonna
    Grazie di tutto cuore per le emozione chi si trasmetti
    ti abbraccio
    Alessandra Paola

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  7. Carissima Alessandra
    Sono molto contento di avere un amico italiano. L'Iitalia è un paese di arte e Io sono molto orgoglioso del fatto che un italiano godere delle cose che presento in questo bolg

    ti abbraccio

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  8. Luís, estou impressionadíssima com o seu italiano! Porque é daquelas línguas que todos pensamos que dominamos, ou pelo menos arranhamos, mas vai-se a falar ou a escrever e não sai nada de jeito. Mas o Luís parla bene!!! (só se enganou na palavra blog ;))
    E cá está mais uma peça bem graciosa do "seu" Cantão popular! Aqui muito bem coadjuvado pelo Manel, na série de posts que já dedicou à faiança assim decorada tem conseguido fazer uma sistematização bastante completa.
    Ficamos agora a aguardar os exemplares do Fábio e eu prometo também fotografar os meus para um post a sair brevemente. :)
    Beijos

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    1. Maria Andrade

      Em sei apenas três ou quatro palavras de italiano, daquelas que toda a gente sabe. O mérito é do google translator. Achei tão simpático ter uma seguidora italiana, que pensei que a senhora merecia umas palavras na sua língua.

      Neste post, o Manel explicou muito bem origem do padrão do salgueiro e da chamada porcelana de Cantão, o que completou o meu post de forma feliz. Por essa razão, o Joaquim Malvar designa o Manel o comentador residente do blog.

      Quanto à sistematização do cantão popular a coisa ainda vai no início. Estou certo que teremos ainda muitas surpresas.

      Bjos e obrigado

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  9. Pronto! Finalmente hoje cumpri minha promessa, fiz as fotos das minhas travessinhas compradas na Ladra, e te enviei. O post de hoje da Maria Andrade serviu para me lembrar esta promessa, que acabei por esquecer. Perdão! Mas agora meu erro está redimido.
    abraços!
    Fábio

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  10. Caro Fábio

    As tuas travessinhas foram bem recebidas e ficam aqui em arquivo, prontas para ser usadas quando eu me resolver fotografar tudo o que eu tenho de cantão popular, mais as coisas do Manel. Depois desse trabalho feito, terei que digerir todas essas imagens e tentar junta-las por grupos e temo que não consiga fazer agrupamentos lógicos e me sobrem peças no fim.

    um abraço

    Um abraço e obrigado

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  11. Caro Luis,
    Você já viu esta foto de um conjunto de sopeira, presentoir e concha Lusitânia, em Cantão Popular, com marca no tardoz?
    aqui está o link
    abraços!

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  12. já fui espreitar Fábio

    É pena que as informações sejam pouco credíveis. Insistem em designar o cantão popular por Miragaia...

    Um abraço

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    1. Sim, mas achei que uma peça com foto de marca era interessante para sua catalogação do Cantão Popular.
      abraços!

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  13. Fábio

    É sempre útil e tu andas sempre em cima do acontecimento e és muito gentil em te lembrares de mim. Mas um tipo fica um bocadinho desapontado com estes sites que repetem as conversas e os enganos estafados dos vendedores de velharias. Há uns tempos um feirante tentou vender-me cantão popular por...Companhia das Índias...já não há saco. Lol

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