Há uns anos, quando tínhamos todos mais dinheiro e não havia a Troika, o Sr. Passos Coelho, o buraco do BPN e outras coisas da mesma nefasta natureza, perdi a cabeça na Feira-da-Ladra com este painel de azulejos. Regressei a casa a pé com 16 azulejos na mochila, exausto por ter subido a meia encosta da colina da Pena e mais três andares sem elevador, mas simultaneamente feliz.
Depois de os ter colocado, arrependi-me um bocado. Achei o motivo central demasiado colorido, teria preferido uns azulejos marmoreados em azul ou umas estrelinhas, uma coisa mais “ton sur ton”, mas quando se colocam azulejos na parede não se volta atrás.
Depois, com os anos fui-me habituando a este painel e até já o usei muitas vezes como cenário para fotografar as minhas faianças e porcelanas, como uma bela cafeteira Vieux Paris.
Uma cafeteira de porcelana de Paris fica bem com azulejos portugueses ao fundo |
Aprendi também a gostar dele, pois representa toda a versatilidade característica dos azulejos pombalinos. Como toda a gente sabe, houve o terramoto em 1755, Lisboa foi arrasada e a reconstrução processou-se segundo um restrito plano urbanístico. Para que essa reedificação se fizesse rapidamente não só os edifícios eram idênticos, como muitos materiais tinham medidas padronizadas. Embora nestes meados do século XVIII não de possa falar ainda em pré-fabricação, cantarias, degraus de pedra, aros de janelas, ombreiras, azulejos e muitos outros foram manufacturados em grande quantidade com dimensões padronizadas. De toda essa produção padronizada, os azulejos são sem dúvida os exemplos mais conhecidos de todos.
Jorge Mascarenhas, Sistemas de construção, descrição ilustrada e detalhada de processos construtivos utilizados correntemente em Portugal: vol 5. Lisboa, Livros Horizonte, 2009. |
Os azulejos pombalinos apresentam padrões simples, que podem ser avulsos ou formando conjuntos de dois ou quatro no máximo. São muito versáteis. Os diferentes padrões combinam facilmente uns com os outros. As cercaduras são também adaptáveis a azulejos diferentes e os painéis podem ser aplicados facilmente a situações distintas, como escadas, vãos de janelas, espaços mais longos ou mais largos
Jorge Mascarenhas, Sistemas de construção, descrição ilustrada e detalhada de processos construtivos utilizados correntemente em Portugal: vol 5. Lisboa, Livros Horizonte, 2009. |
Este meu painel representa pois essa versatilidade do azulejo pombalino. Poderia ser sido alongado. Os azulejos do centro dispostos de maneira diferente, podem compor um novo motivo. Também poderia ter no meio outros azulejos com estrelinha ou não ter nada, que ficaria igualmente bem.
Os azulejos centrais dispostos de uma maneira diferente fazem um novo desenho |
O painel também poderia ter só a cercadura |
Seria possível colocar azulejos com uma decoração diferente no centro. |
Depois há pouco tempo, quando desfolhava a obra de Luisa Arruda, A caminho do Oriente: guia do azulejo. Lisboa: Livros Horizonte, 1996” encontrei reproduzidos uns quantos painéis do convento de S. Francisco em Xabregas, atribuídos à Fábrica do Rato, sendo um dos quais muito semelhante ao meu.
Um painel atribuído ao Rato |
Por todas estas razões passei, reconciliei-me com uma certa garridice, que denota este painel de azulejos.
Que legal você ter encontrado um exemplo de época tão próximo ao seu painel, e com isso, ter ficado mais em paz com o mesmo.
ResponderEliminarGostei bastante de vê-lo à vontade brincando com o Photoshop ou programa similar, para fazer as hipóteses de montagens alternativas para sei painel.
abraços!
Olá Luís
ResponderEliminarMuito interessante este seu trabalho tão elucidativo.
A Época Pombalina, com o seu diverso legado, tem quer na arquitetura quer nas artes decorativas uma linguagem, uma gramática, muito atual, muito intemporal, muito racional mas ao mesmo tempo com muita "emotividade" doseada.
O Luís assim o acabou por demonstrar: estava
perfeita a sua primeira composição.
Um abraço
Caro Fábio
ResponderEliminarFaço estes posts, como pequenos exercícios em quue resumo as minhas leituras, neste caso a obra do Jorge Marcarenhas e as minhas impressões à volta de um tema, neste caso a azulejaria pombalina, de que este painel é um bom exemplo. As fotomontagens foram uma brincadeira para se perceber melhor a versatilidade do azulejo.
Um abraço
Uma brincadeira muito bem brincada! Ficou ótimo.
EliminarEm tempo: acabei de saber por Jan Pluis, o maior sistematizador e sabichão dos azulejos holandeses, que o padrão "Engels net" (o "crochet" português), também é conhecido como... Braziliaan! Olha que curioso! Ele também me disse que acredita que este padrão é originalmente portuguÊs, e foi mais tarde copiado pelos holandeses.
abraços!
Caro Joaquim
ResponderEliminarToda a arquitectura pombalina é muito funcional. O livro de que citei do Jorge Mascarenhas, exemplifica de uma forma muito clara toda a funcionalidade da reconstrução da Baixa. Por exemplo, explica que os quarteirões são construídos no sentido Norte / Sul, com a fachada mais estreita do lado desses pontos cardeais, pois os abalos em Lisboa são sempre no sentido Norte Sul. Desta forma a fachada mais comprida ficava mais protegida dos esticões da terra e o lado mais afectado era tb o mais pequeno e mais compacto.
Tudo na reconstrução pombalina foi pensada ao pormenor
Um abraço
Caro Fábio
ResponderEliminarMas que grande e surpreendente descoberta. O circuito das cópias é uma coisa fascinante. Talvez o azulejo do Crochet seja uma daquelas coisas típicas dos brasileiros de torna-viagem, os tais portugueses que enriqueciam no Brasil e depois mandavam construir palacetes à brasileira nas lusitanas paragens. Muitos andaram com um pé cá e outro lá e foram certamente portadores de muitas influências.
Abraços
Luis, engraçado você tocar neste assunto, pois o Jan Pluis também falou sobre isso no email dele. Ele me contou que escreveu sonte o assunto no informativo do Museum do Azulejo em Otterlo. Eu ainda não consegui localizar. Ele inclusive usou a expressão "casa de brasileiros" para as construções dos novos ricos que retornaram para Portugal.
Eliminarabraços!
(como sempre, já estou bagunçando a discussão de sua postagem, desviando o assunto)
Sempre que referias que, se fosse hoje, não terias feito esta combinação de azulejos, eu acabava por ficar meio admirado, pois sempre achei esta combinação muito feliz, para além do facto de achar a cercadura fantástica.
ResponderEliminarTudo em azul seria muito menos apelativo, como aliás se pode ver na fotomontagem que fizeste com os azulejos da estrelinha. Estes, os da estrelinha, prefiro-os noutras composições, como aliás também fizeste na tua casa, e que, igualente, gosto muito.
Gostei tanto dos da estrelinha que acabei por adquirir dezenas destes para combinar com cercaduras que andam lá por casa.
Mas voltando aos azulejos que apresentas, de tal forma os considerei adequados e bem combinados que procurei adquirir algo semelhante, o que fiz, os quais, como tantos outros, aguardam pacientemente colocação na parede ... lá para 2020.
Sobre o que o Fábio escreveu sobre o tal padrão do "Engels net", fiquei impressionado, pois não o adivinharia, apesar de achar a história verosímil .
Muito interessante sabê-lo!
Seria de todo interesse perceber se a teoria de Jan Pluis se fundamenta em fontes seguras, pois seria de todo o interesse para o desenvolvimento da história do azulejo na Holanda, Brasil e Portugal (e quiçá outros países cuja produção, como o Fábio já por várias vezes referiu, se entrecruzava de forma muito forte, pelo que se torna difícil saber quem fez o quê).
As histórias todas se cruzam e entrelaçam formando uma teia que extravasa fronteiras.
Muito curioso!
Manel
Concordo inteiramente com o Manel, acho o seu painel muito mais bonito do que se fosse todo a azul, mesmo que fosse no mesmo desenho, por sua vez bem mais bonito para meu gosto do que as estrelinhas soltas no meio da moldura. Acho que acertou em tudo – a moldura é linda e a maneira como dispôs a quadra de azulejos forma uma outra moldura desencontrada para a flor central, resultando num belo efeito.
ResponderEliminarObrigada por ter trazido aqui esta informação e por ter partilhado estas imagens, um bom exercício que demonstrou "ao vivo e a cores" como os azulejos pombalinos permitiam e permitem combinações variadas. Os meus é que continuam sem ser aplicados, nem mesmo uma moldura que já comprámos para colocar à volta dos únicos do séc. XVIII que já estão na parede. Talvez um dia...
Também achei muito interessante a informação que o Fábio aqui trouxe sobre o tal padrão "crochet". Oxalá ele consiga descobrir mais coisas através dos contactos com a Holanda.
Abraços
Caro Fábio
ResponderEliminarCom efeito essas casas construídas pelos que faziam fortuna no Brasil ficaram conhecidas por "casas de brasileiros" e encontram-se um pouco por todo o País, embora com mais incidência no Norte.
Já aqui mostrei uma dessas casas, embora só tenha me fotografado os detalhes. http://velhariasdoluis.blogspot.pt/2012/02/um-dragao-em-fronteira.html.
Muitas dessas casas foram feitas com fortunas feitas em Manaus e estão normalmente revestidas a azulejos.
Em todo o caso julgo que o papel destes luso-brasileiros que andaram lá e cá não estará ainda suficientemente estudado na circulação das artes e das ideias.
um abraço
Concordo Luis, este fluxo de dinheiro, informação, e práticas culturais ainda está por ser melhor estudado. Acho que ainda não o foi por preconceito de ambos os lados, Portugal e Brasil.
Eliminarabraços
Manel
ResponderEliminarComo não sei combinar cores, há muitos anos que me refugio em meia duzia de combinações básicas. Na roupa visto-me sempre ton sur ton, para não fazer asneiras, e na casa escolho os azuis, os vermelhos e dourados tendo por fundo o branco. Este painel saiu um bocadinho desse esquema rotineiro de combinação de cores e por isse levei tempo a habituar-me a ele. Hoje já gosto tanto dele, que decidi-me mostra-lo aqui.
Maria Andrade
ResponderEliminarOs azulejos são um vício e o efeito que produzem numa casa é avassalador. Quando começar a partir as suas paredes e a aplicar os seus azulejos nunca mais vai querer outra coisa.
Bjos
Olá Luís
ResponderEliminarO painel é muito bonito...
Carlos González
Obrigado
ResponderEliminarCarlos Carlos Gonzalez