terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Os irmãos Sampaio Mariz e as suas relações com o Padre Liberal Sampaio e Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão

Maria Cândida de Sampaio Mariz. Photographie française Celestin Benard, Porto
Continuo nos meus trabalhos de identificação do álbum de fotografias carte-de-visite, formado pelo meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio, durante o último quartel do século XIX.  Este álbum fotográfico é uma fonte importante para a história da família Montalvão, mas também para a história de uma comunidade, já que dele consta toda uma galeria de retratos de senhoras e senhores, que viveram no Concelho de Chaves ou noutras localidades do distrito de Vila Real, mais ou menos entre 1870-1900 e que faziam parte das relações sociais e de amizade do Padre Liberal Sampaio ou da família Montalvão.
 
Luiz António de Sampaio Mariz. Fotografia de Narciso Alves Correia, Vila Real
Desta galeria fotográfica constam três personagens, cujos nomes estão identificados com a letra miudinha do meu trisavô e que obviamente pertenciam à mesma família. O primeiro é o retrato de uma Senhora, Maria Cândida de Sampaio Mariz, acompanhada de duas meninas, provavelmente as filhas, o segundo e o terceiro são dois distintos cavalheiros, fisicamente parecidos, Frederico Augusto de Sampaio Mariz, Luiz António de Sampaio Mariz.
Frederico Augusto de Sampaio Mariz. Fotografia de Narciso Alves Correia, Vila Real
Calculei de imediato que o Frederico Augusto e o Luiz fossem irmãos, mas não tinha provas nenhumas disso. Quanto à Maria Cândida tanto poderia ser a mulher de um deles, como irmã ou uma prima muito próxima. Através de meia dúzia de pesquisas na net percebi que os Sampaio Mariz eram os morgados de Água Revés, uma localidade no actual Concelho de Valpaços, mas no site geneall.com só encontrei referências a Frederico Augusto de Sampaio Mariz e seus descendentes. Muni-me então de paciência e resolvi tirar o assunto a limpo, esquadrinhando os livros de registo de baptismo da paróquia de Águas Revéz entre 1840-1855, anos em que eu calculava, que tivesse nascido esta gente, já que as fotografias presumivelmente foram tiradas entre 1870/80. Mas, desgraçadamente, os livros de baptismo dessa época terão apanhado humidade, o bolor corroeu-lhes os cantos e apresentam-se truncados, de modo que, ao fim de uma ou duas horas, agastado, desisti dessa pesquisa.
 
O assento de nascimento da Sra. D. Maria Cândida do livro de baptismo da paróquia de Água Revez, Arquivo Distrital de Vila Real
Ao mesmo tempo, que desenvolvia estas pequenas investigações, coloquei no forúm do site geneall, no tópico famílias transmontanas, um post comunicando, que possuía fotografias da família e que estava disposto a enviar cópias digitais aos descendentes, em troca de informações sobre as personagens retratadas. O post foi ficando esquecido meses e meses e mais meses, até que um trineto de um destes personagens me respondeu, e amavelmente enviou-me informações detalhadas sobre os três retratados.
 
O solar dos Sampaio Mariz em Águas Revez, Valpaços, Distrito de Vila Real. 13 de Junho de 1912. Cortesia de Maria Gabriela Mariz Navarro de Castro

A Maria Cândida, o Frederico e o Luiz António eram irmãos, filhos de Frederico de Sampaio Mariz Sarmento e Castro e D. Maria Madalena de Gouveia Morais Sarmento e a família residiu em Água Revés, Vilas Boas e no Amedo. Portanto, os filhos foram baptizados em paróquias diferentes e por essa razão eu não consegui reconstituir esta família através dos registos de Águas Revez. As casas onde residiram estas famílias ainda estão em pé. O solar de Água Revés foi restaurado, o do Amedo, no concelho de Carrazeda de Ansiães, embora esteja ainda em fase de recuperação, conserva toda a sua dignidade de velha casa familiar.
A casa dos Sampaio Mariz, no Amedo, Carrazeda de Ansiães, Distrito de Bragança. Fotografia de http://amedo-pt.blogspot.com/2019/06/casas-transmontanas-dos-ansiaes-de-mariz.html

A Sra. D. Maria Cândida nasceu em Maio de 1843 na paróquia de Água Revez e casou com 20 anos, a 9 de Setembro de 1863, em Marzagão, com João António da Veiga Mariz e Castro, seu primo, dali natural. Sobre as duas meninas nada se sabe.
 
Maria Cândida de Sampaio Mariz. Photographie française Celestin Benard, Porto

Conforme se pode ver no verso, o retrato desta senhora e crianças foi feito na Photographie française Celestin Benard, no Porto, que tinha o seu estúdio no 247, na Rua de Santa Catarina no Porto. Este dado permite datar de algum modo a fotografia. Será posterior a 1872, pois nesse ano o Celestin Benard mudou o seu estúdio do nº do 128 para o nº 247, e anterior a 1890, data em que este fotógrafo terá cessado sua a actividade. Nesta imagem a Sra. D. Cândida parece ter no máximo uns trinta e poucos anos, portanto se nasceu em 1843, o mais natural é que a fotografia tenha sido tirada à volta dos anos de 1872-1875 (*1).
Verso da fotografia de Maria Cândida de Sampaio Mariz. Photographie française Celestin Benard, Porto, Rua de Santa Catarina, 247
Nesta sessão fotográfica longamente encenada, como todas as fotografias o eram na época, a Sra. D. Maria Cândida está sentada, a cabeça coberta por um véu e segura um livrinho na mão, como se tivesse acabado de sair de uma cerimónia religiosa, dir-se-ia quase, que estava de luto, mas eu não conheço suficientemente bem os códigos de vestuário da época, para afirmar tal coisa. Talvez o livro fosse um simples álbum fotográfico vendido pelo estúdio, mas a ideia seria que representasse um missal, mostrando a todos, que recebessem esta fotografia, que a Sra. D. Cândida era um mulher devota, mas também suficientemente instruída para assegurar uma boa educação aos seus filhos.

Quanto aos senhores, Frederico Augusto de Sampaio Mariz e Castro, nasceu na freguesia de Vilas Boas, concelho de Vila Flor, a 22 de Fevereiro de 1851. Casou na freguesia de Amedo, do concelho de Carrazeda de Ansiães, 1880, com sua prima sua, D. Carlota de Jesus de Sampaio Mariz. Foi o 9º morgado de Água Revés e do Amedo. Fez uma carreira importante no município de Carrazeda de Ansiães. Foi vice-presidente da Câmara no ano de 1881, 1882, 1884 e em 1918 e também vereador em 1886, 1890, 1899 e em 1923. Faleceu em 1932.

Luís António de Sampaio Mariz e Castro nasceu e foi baptizado em Água Revés. Com 21 anos, em 1874, casou com D. Carolina Amália Morais Pinto de Magalhães. Terá morrido em 1930 ou 1931, pois o Arquivo Distrital de Vila Real conserva um processo de inventário obrigatório dos seus bens datado de 1931 (PT/ADVRL/JUD/TJCCHV/C-C/082/947)
 
Verso das fotografias Luiz António e de Frederico Augusto de Sampaio Mariz. Fotografia de Narciso Alves Correia, Vila Real, Rua Direita, nº36-40
 
Os dois retratos destes senhores foram feitos por Narciso Alves Correia, que abriu na década de 70 do século XIX o primeiro estúdio fotográfico em Vila Real. Este senhor era um homem multifacetado, que se dedicou à tipografia, à relojoaria, à metrologia, à fotografia e ainda tinha um estabelecimento onde vendia desde lunetas a flores artificiais. O Museu do Som e da imagem conserva na sua colecção uns quantos retratos carte-de-visite, em tudo semelhantes aos de Luís António e de Frederico Augusto e datados dos primeiros anos da década de 1870 do século XIX, portanto é possível estas duas fotografias sejam também desse período(*2).
 
Embora tenha conseguido identificar estas três personagens, não consegui reconstituir as relações, que estabeleceram com os meus antepassados. Nestes meados dos anos 70 do século XIX certamente que eram boas, de outra forma estes retratos não constariam do velho álbum de família. A fotografia ainda era demasiado cara nesta época para se desperdiçar com amizades de ocasião. Talvez os irmãos Sampaio Mariz fossem das relações da minha trisavó, a Maria do Espírito Ferreira Montalvão. Os Montalvões e os Sampaio Mariz eram gente do mesmo meio social, fidalguia rural, quem sabe se vagamente aparentados, e era natural, que se conhecessem e visitassem. Outra hipótese é que estes irmãos teriam conhecido o meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio por ocasião de uma das suas pregações. Este meu antepassado era um pregador muito apreciado no seu tempo, chamado para todas as terras do  País e poderia ter conhecido estes irmãos por ocasião de umas dessas prédicas e ter ganho a sua estima.
 
Contudo, o mais curioso disto tudo, é que houve outro irmão destes Sampaio Mariz, João Evangelista, que residiu em Chaves e foi vereador da câmara daquela cidade em 1885, 1886, administrador do Concelho em 1887 e entre 1897 e 1898 responsável pela polícia de Chaves (*3) e que seguramente privou com o meu trisavô, Liberal Sampaio, também envolvido na política local, por esses anos, e muito provavelmente conheceu também Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão. No entanto, desse irmão não consta nenhuma fotografia do velho álbum familiar.
Maria Cândida de Sampaio Mariz. Photographie française Celestin Benard, Porto
 
Em suma, apesar de ter conseguido saber quem realmente foram estes irmãos Sampaio Mariz, a natureza das relações que mantiveram com a minha família, continuam uma incógnita. Parece que estas velhas fotografias teimam sempre em manter alguns dos seus segredos e com isso o fascínio, que exercem sobre nós.
 
(*1) Dados recolhidos em A Casa BIEL e as suas edições fotográficas no Portugal de Oitocentos/ Paulo Artur Ribeiro Baptista. Lisboa: Edições Colibri; Universidade Nova de Lisboa, 2010
 
(*2) Dados recolhidos em Narciso Alves Correia: a fotografia em Vila Real na década de 1870 / Elísio Amaral Neves. Vila Real: Museu do Som e da Imagem, 2011. – (Cadernos do som e da imagem; 8)
 
(*3) História moderna e contemporânea da Vila de Chaves através das actas e jornais da época / Júlio Montalvão Machado. – Chaves: Grupo Cultural Aquae Flaviae, 2012
 
Um especial agradecimento ao trineto de um destes irmãos Sampaio Mariz, que amavelmente me cedeu os dados biográficos dos seus antepassados.

12 comentários:

  1. Não fora ter reparado que os dois irmãos apresentados nasceram com dois anos de diferença, diria que seriam gémeos, tal a parecença entre eles. Fico quase sem palavras por reparar que dois irmãos nascidos em alturas diferentes sejam tão semelhantes.
    Com certeza, ao vivo, talvez se percebesse bem a diferença, mas nesta pose, a semelhança é perturbadora.
    O retrato da senhora, parece quase o de uma Madonna. A menina, e estranhamente, carrega uma mala demasiado grande para ela. Teria algum significado ou foi simplesmente um acaso? O mais certo é ter sido simplesmente um acaso.
    É interessante fazer viver estas pessoas de novo.
    Tens algumas gralhas no texto, depois dir-te-ei quais.

    O solar de Águas Revez, curiosamente muito bem cuidado, é lindíssimo! Que bela peça de arquitetura. Todo ele cheio de harmonia, com uma escadaria escondida dos olhares públicos e a pequena árvore a adornar o pátio de entrada; a capela, mais aberta e visível, com cantarias irrepreensíveis, e os vãos das portas janela, da parede do solar, a ditar uma cadência que fazem desta fachada quase uma obra de arte da nossa arquitetura chã.
    Já o solar do Amedo, lhe falta esta harmonia, e limita-se a ser uma obra volumosa e sem qualquer preocupação com a graciosidade da volumetria ou fenestração. Deve ter sido construído de uma forma orgânica, aumentado na medida das necessidades, ao contrário do de Águas Revez, que parece ter sido planeado como um conjunto uno e de acordo com um único plano original traçado.
    Muito interessante
    Manel

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    1. Manel

      Estas fotografias antigas são sempre fascinantes, pois embora tenha conseguido identificar as relações familiares destes três retratos, ficou tanto ainda por saber. Como tu bem referiste, porque é que menina segura a mala, que parece ser demasiado grande para ela? Corresponderá a alguma convenção artística da época ou era vulgar as meninas daquela idade usarem essas carteiras? E a Sra. D. Maria Cândida que enverga um véu, estaria de luto?

      Demorei muito tempo a escrever este texto, com muitas interrupções pelo meio, de forma que ficaram palavras de frases, que entretanto alterei. Já corrigi uma boa parte, mas se calhar, ainda ficaram algumas.

      Procurei colocar as fotografias das residências desta família, para que os leitores deste blog situassem de imediato estes personagens no seu meio social, isto é, a fidalguia rural transmontana. Claro, tive que recorrer à internet e nem sempre as fotografias são de qualidade, como a da casa do Amedo. No entanto, creio que a imagem do Amedo consegue dar a ideia das grandes dimensões que estes solares por vezes alcançavam, porque além de residências familiares, eram grandes casas agrícolas, verdadeiros centros de produção.

      Um abraço

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  2. Que interessante! Uma bela investigação detectivesca. Bjs!

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    1. Margarida

      Com efeito conseguir estabelecer a relação exacta de parentesco destas personagens foi uma bela trabalheira. Só com a ajuda de um dos descendentes destes irmãos consegui chegar lá. Aos poucos vou conseguindo saber um pouco mais da vida de cada um dos retratos que consta do álbum fotográfico do meu trisavô, mas ficam tantas perguntas no ar.

      Bjos

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  3. parabéns! há alguma forma de poder conversar consigo que não por aqui? deixo-lhe o meu email para o caso de me poder (e querer) contactar para falar sobre fotografia transmontana :-) cochinilha@gmail.com Abraço, Catarina

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  4. Luiz António de Sampaio Mariz acho que era o pai da minha bisavo Sofia...

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    1. Fico muito contente por ter encontrado aqui uma imagem do seu antepassado. Tenho muitas fotografias desta época, de pessoas, que viveram em Chaves ou nos concelhos vizinhos e que relacionaram com a minha família. Hoje dia, essas fotografias são raras, as famílias desfizeram-se delas ou ignoram quem são aquelas damas e cavalheiros do passado. Por essa razão, tenho partilhado aqui no blog muitos desses retratos. Um abraço

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  5. Também tenho algumas fotos em Água-Revés ainda. Obrigada pela partilha. :)

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    1. Se eventualmente nessas fotos antigas encontrar algum retrato de algum Montalvão ou Liberal Sampaio, por favor diga-me qualquer coisa. As duas famílias davam-se e é natural que tenham trocado o retrato carte-de-visite.

      Um abraço

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  6. Sim combinado. Quando voltar lá vou procurar. Cumprimentos

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