segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Uma fantástica terrina Miragaia


Nos mercados de velharias, Miragaia é sinónimo de faiança azul e branca portuguesa antiga. Nas feiras de velharias, no olx, e até em alguns blogs, Miragaia é um prato azul e branco, gatado e com muitos sinais de uso. Se nele estiver representado um casario então é Miragaia sem sombra de dúvidas. Por vezes até nos tentam vender pratinhos toscos de Alcobaça e Coimbra, coisas nitidamente do início do século XX, como Miragaia, quando aquela fábrica terminou a sua laboração em 1850.

Então como como poderemos saber se o que nos estão a tentar vender é Miragaia ou não? Pergunta o paciente leitor deste blog. Consultando a bibliografia especializada, sobretudo o catálogo, Fábrica de Louça de Miragaia. - Porto : Museu Nacional de Soares dos Reis, 2008, que é uma bíblia para este assunto, visitando museus com boas colecções de faiança daquela fábrica do Porto, como por exemplo o Museu Nacional de Arte Antiga ou Museu Nacional de Soares dos Reis e sobretudo através das marcas, que identificam inequivocamente uma peça como sendo de Miragaia, já que houve outras fábricas do Norte, que copiaram algumas decorações daquela Casa.



Talvez porque nos tentem vender tanta loiça pseudo-miragaia, que quando vemos uma peça autêntica desta marca, ficamos muito entusiasmados. Foi o que me aconteceu quando um seguidor deste blog, Tiago Araújo, me enviou por e-mail imagens de uma terrina sua, marcada Miragaia e absolutamente fabulosa.
A marca corresponde ao segundo período de laboração da Fábrica de Miragaia, 1822-1850

A marca corresponde ao segundo período de laboração da Fábrica, 1822-1850, e apresenta a célebre decoração País. No passado, País era sinónimo de paisagem e portanto este motivo ficou conhecido por esse termo. Como já escrevi em posts anteriores, a série País foi inspirada num padrão denominado View in Fort Madura da fábrica inglesa Herculaneum. Por sua vez esta fábrica tinha usado como fonte de inspiração as estampas do pintor paisagista inglês, Thomas Daniell, (1749-1840) publicadas entre 1795-1808, num álbum em 6 volumes, intitulado Oriental Scenery.

A série País foi inspirada num padrão denominado View in Fort Madura da fábrica inglesa Herculaneum, como se pode ver nesta fotografia.
Porém, esta terrina tem algumas particularidades, que a tornam um pouco diferentes das outras. Normalmente nos pratos, travessas e terrinas que conheço, há apenas a representação do pavilhão ou templete de inspiração indiana. Nesta terrina do Tiago Araújo, além do templete há uma ponte e um segundo edifício. Só tinha visto esta variante nos vasos ou urnas de jardim, que o catálogo Fábrica de Louça de Miragaia. - Porto : Museu Nacional de Soares dos Reis, 2008 reproduz na página 230.


Mas talvez o mais invulgar desta peça, é o formato, que nunca tinha visto nas produções de Miragaia. É uma daquelas coisas onde pressentimos de imediato a influência da ourivesaria, nomeadamente das terrinas em prata, muito embora essa inspiração seja certamente indirecta. O mais certo é que quem concebeu o molde copiou uma terrina inglesa de faiança, que por sua vez se inspirou numa terrina em prata.

Formatos mais usuais de terrina Miragaia do segundo período de laboração da fábrica, 1822-1850. Fotos http://www.matrizpix.dgpc.pt
Esta terrina é uma peça muito boa, que o Tiago Araújo quis partilhar com a comunidade de amantes de faiança portuguesa, que consulta regularmente este blog.
É uma daquelas peças onde pressentimos de imediato a influência da ourivesaria,


14 comentários:

  1. Ola boa noite, venho agradecer a partilha a Tiago Araújo e o respectiva publicação ao Luis. Que maravilha de peça. Digna de ser mostrada e apreciada.
    Aproveito para deixar o habitual cumprimento à época, que sejam dias de paz e pezinhos quentes. Que a mesa esteja convidativa e o espirito acarinhado.
    Beijinho grande Luis, bem haja.
    Marília Marques

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    1. Marília

      Muito obrigado pelos seus votos de boas-festas, que retribuo.

      Como a Marília bem sabe, apesar do mercado estar inundado de supostas faianças de Miragaia, poucas vezes aparecem peças que são realmente daquela fábrica, com esta qualidade e sobretudo marcadas.

      Um grande abraço

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  2. Boas festas Luis e obrigado pela partilha incondicional dos valiosos temas ao longo do ano. Creio que essas descobertas são uma fonte de deleite próprio..
    abraço
    Vitor Pires

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    1. Caro Vítor

      Agradeço e retribuo os votos de boas festas.

      Escrever aqui e partilhar os meus conhecimentos e experiência sobre velharias é um prazer e um exercício mental, que me serve para me distrair de um quotidiano por vezes cinzento. Além disso, através do blog tenho conhecido tantas pessoas interessantes, ainda que algumas só virtualmente, que só por isso já valeu a pena o esforço.

      Um grande abraço

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  3. Muito bonita, sem dúvida. :) E, claro já aprendi mais qualquer coisa lendo sobre esta peça (como sempre, neste blog).
    Que tenha um Santo e Feliz Natal, caro LuisY.

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    1. Luisa

      Muito obrigado pelos votos de boas festas, que agradeço e retribuo.

      A graça deste vício das velharias é que implica sempre algum estudo posterior e assim vou distraindo a mente com coisas úteis.

      Um abraço

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  4. É linda! Me lembrou também a louça chinesa, de Macau, um gosto oriental. As pegas são lindas, nunca vi assim, bem afastadas do corpo da terrina.
    É suntuosa a peça.De inspiração na ourivesaria, nos objetos de prata, da louça inglesa, da China e de tudo mais, o resultado deu numa peça impressionante.
    Ficaria ótima em minha mesa.
    Um abraço.

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    1. Jorge

      Confesso-lhe que também invejo esta peça. Tenho uma terrina com esta decoração, mas não está marcada, nem tem este formato tão espetacular.

      É sem dúvida uma peça que traduz o gosto oriental tão em voga na artes decorativas desta época.

      Um grande abraço e boas entradas

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    2. Um ótimo Ano Bom para você e para o Velharias.

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  5. A peça é sumptuosa e fantástica.
    Nunca tinha visto igual, e, se não estivesse marcada, iria duvidar que fosse Miragaia. Nem no próprio catálogo de Miragaia apresenta forma semelhante ou ainda vagamente parecida. Nem na exposição sobre loiça de Miragaia que vimos no Soares dos Reis havia qualquer coisa que se parecesse.
    É uma peça que fornece informação adicional.
    Os parabéns ao Tiago Araújo e peço-lhe desculpa pela minha inveja, mas é inevitável ;)
    Manel

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    1. Manel

      Também nunca tinha visto este formato de terrina nas produções de Miragaia e antes de escrever este post, vasculhei os manuais de faiança, que tenho cá em casa, à procura de terrinas daquela fábrica.

      Este caso demonstra que ainda não de sabe tudo sobre Miragaia e que haverá certamente muitas surpresas em colecções particulares ou nas reservas de alguns museus.

      Todos nós ficámos mortos de inveja com esta peça excepcional.

      Um abraço

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  6. Não conhecia e fiquei maravilhada. Boa tarde!

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    1. Margarida

      Esta peça é fantástica, nunca tinha visto nenhuma igual no mercado de velharias e antiguidades, nem tão pouco no Museu Nacional de soares dos Reis, ou no Museu Nacional de Arte Antiga.

      Bjos

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