sexta-feira, 12 de março de 2021

Um bule de faiança portuguesa


Ultimamente tenho escrito pouco aqui sobre faiança portuguesa, que começou por ser um tema muito forte nos primeiros anos deste blog. Contudo, além de comprar menos peças de faiança, pois a minha casa de uma assoalhada e meia está cheia que nem um ovo, também sinto que tenho pouco a acrescentar ao assunto. A maioria das peças de faiança portuguesa do século XIX não se encontram marcadas e parece-me que ando sempre aqui a especular, afirmando se a pasta é amarelada é porque são peças fabricadas na região centro, se pelo contrário, a pasta é branquinha, serão produções do Porto ou de Gaia. Claro, por vezes sai uma nova publicação de faiança e nessa altura, consigo escrever sobre uma terrina ou um prato e atribui-la com alguma segurança a um centro de fabrico.

Mas a faiança portuguesa do século XIX é sempre tão bonita, que por vezes não resisto a apresentar aqui uma peça, com este pequeno bule, comprado há cerca mais de dois anos e depois a faiança desta época é tão fotogénica à luz do dia, que apetece partilhar aqui as fotografias que delas vou fazendo.

Uma inspiração num emaranhado de ramos

A decoração é qualquer coisa que hesito em escrever se tenta reproduzir o efeito de um marmoreado se o efeito de um emaranhado de ramos. Inclino-me mais para que seja um motivo vegetal, até por comparação com uma grande travessa que o meu amigo Manel tem em casa, onde é mais nítida essa inspiração num emaranhado de ramos. Olhando para a travessa e este bule, poder-se ia dizer que saíram da mesma oficina, mas a primeira apresenta uma pasta muito branquinha, mais característica das produções do Norte e este bule é um pouco mais grosseirão. Mas também a graça destas faiança portuguesa é este ar ingénuo, em que cada peça é única, pois o pintor nunca faz exactamente os mesmo traços, de bule para bule ou de terrina para terrina. Por esta razão as faianças portuguesa do século XIX ficam muito bem fotografadas tendo azulejos portugueses antigos como pano de fundo, pois estes também nunca são bem iguais.


Em suma, não sei muito acerca deste bule, talvez por uma mera intuição me pareça da região centro. A decoração parece-me inspirada num emaranhado de ramos, mas já é uma coisa tão abstracta, que também é difícil concluir qualquer coisa. Creio que os pintores destas peças eram tão criativos, que esqueciam-se do motivo original de inspiração e pintavam qualquer coisa que saia da cabeça deles, quase como o processo de escrita automática, que mais tarde os surrealistas procuram desesperadamente alcançar, mas que vítimas da sua cultura sofisticada, tinham mais dificuldade em concretizar que estes humildes ceramistas.

5 comentários:

  1. Também tenho no Alentejo um bule com tampa, pequeno, com um motivo que faz lembrar este, só que num azul mais desmaiado.
    E também há lá mais um prato, relativamente pequeno, com estas ramificações, e igualmente em tonalidades de azul, que me fazem lembrar sempre desenvolvimentos das abstrações geométricas árabes, peneirados por séculos de interpretações dos nossos artesãos/artistas.
    Olho para estas peças e fazem-me lembrar uma subdivisão do espaço em triângulos e hexágonos, só com a diferença dos traços já não serem segmentos retos, nem as formas polígonos regulares, antes linhas onduladas, orgânicas, mais doces e ao gosto do comum das mortais, que deveriam olhar para a geometria retilínea e rigorosa dos árabes como algo que espartilha a forma, tornando-a mais "seca" e menos apelativa.
    Mas isto são só conjeturas, claro.
    Pois há também aqueles pratos, como um que tens, e que já apresentaste aqui, com uma compartimentação e ramificação que faz lembrar uma árvore da vida. Mas o princípio não me parece andar muito longe.
    Agora, de onde vem??? Bem, isso é uma incógnita, sabe-se lá.
    Como uma comentadora bloguista deste mundo virtual diria, se a massa tem laivos amarelados ou laranjas, seria do sul, se tem cor de grão, do centro, se azulado esbranquiçado, do norte, enfim, teria uma resposta na ponta dos dedos para te dar, que, seguramente, seria outro "tiro no pé", pois as argilas viajavam do sul e centro para o norte, ou vice-versa, sei lá, o caminho que elas teriam, pois os terrenos em Portugal, e de uma forma geral, têm composições que permitem encontrar pastas de boa qualidade.
    A procura e o uso das pastas talvez também estivesse sujeita a questões de preços, de qualidade ou de tradição de uso.

    E também já foi dito, por quem sabe melhor que eu as técnicas da cozedura, que a temperatura a que uma peça está sujeita, e o seu posicionamento enquanto se encontra no forno, também influi na sua pigmentação aparente.
    Que a peça é lindíssima, disso não duvido, pois gosto imenso dela.
    Manel

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    1. Mane

      Tu tens uma travessinha exactamente da mesma decoração deste bule, mas na última vez que estive no Alentejo esqueci-me de da fotografar.

      São peças muito bonitas e as fotos aqui ficaram muito bem, mas de que não de sabe nada em concreto. Há pouco tempo uma senhora enviou-me uma fotografia de um açucareiro, quem em tempos fez parte de um serviço de chá, de onde constaria um bule como este e eu não lhe soube dizer nada em concreto. Respondi-lhe, olhe talvez seja Coimbra, baseado num conhecimento empírico, que pode estar errado.

      Fazem falta mais escavações arqueológicas em fábricas de faiança, mas segundo um amigo, que também é um amante da faiança portuguesa, em Coimbra, nas obras da baixa, demoliram todos restos que existiam na zona das fábricas de cerâmica e construíram por cima.

      Por essas razões fiz este post, que é mais uma divagação poética, que outra coisa.

      Um abraço

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  2. Lindo esse bule, pareceu-me pássaros a voar nos recortes vazados...lindo, e pra que saber o que pintavam, o resultado é tão bonito e o azul dava sempre um aspecto distinto. Breton na cerâmica é muito bom, dá asas à imaginação...aqui no bule e na travessa divagamos no azul sobre branco sempre tão chique. Linda essa cerâmica portuguesa do XIX. Nunca vi aqui em Salvador. O bule gordinho e "grosseiro é lindo demais!!!!
    Abraços azuis.

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    1. Jorge

      Tem razão, este bule é tão bonito e a decoração tão abstracta, que rapidamente divagamos quando olhamos para ele e vemos ramos emaranhados, uma sugestão de marmoreado ou gaivotas. Estes ceramistas eram realmente criativos e por vez adaptavam decoracões clássicas, que viam em peças de cerâmica europeia ou chinesa, criando qualquer coisa inteiramente nova.

      Não perca a esperança de encontrar uma boa peça de faiança portuguesa por aí. Algumas fábricas do Porto e Viana exportavam para o Brasil e parece que não era em tão poucas quantidades como isso.

      Um grande abraço da velha Lisboa

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  3. Gaivotas no azul nas vagas do mar do bule gordinho.

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