quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Maria do Espírito Santo Montalvão Cunha (29-12-1907 a 1-02-2000)


No inventário sentimental dos meus bens e memórias, que faço neste blog, faltava escrever sobre a minha avó paterna, Maria do Espírito Santo Montalvão Cunha, ou Mimi, como os netos e quase todos os familiares a conheciam. É uma das pessoas a quem devo o respeito pelo passado, o bichinho da história e um certo gosto eclesiástico na forma de arranjar e decorar as casas.

A Mimi era uma senhora com valor. Era colaboradora frequente de vários títulos da imprensa regional, como o Anuário de Chaves, o Boletim dos Amigos de Bragança, o Jornal de Chaves e até mesmo de jornais como uma tiragem nacional, como era o Comércio do Porto. Publicou um livro de contos, o Panorama da Verdade. - Bragança, 1981, proferiu várias conferências e em Bragança, onde viveu muitos anos, fazia parte do círculo do Abade Baçal, o enorme vulto da história e da arqueologia transmontana. Ganhou também um prémio literário, o segundo lugar de uns jogos florais promovidos pela Câmara Municipal de Chaves, com um trabalho acerca do seu avô, o Liberal Sampaio.

A minha opinião da obra literária dela foi durante muitos anos condicionada pela fraca opinião, que a minha mãe tinha dela. Julgava-a uma pretensiosa e uma mulher superficial, o que não deixava de ser verdade. Com efeito, hoje em dia, os seus textos, embora muito bem escritos parecem-nos um bocadinho ocos, com pouca mensagem. Mas, a minha avó viveu numa época, o Estado Novo, em que não se encorajavam grandes conteúdos, nem opiniões vincadas. O estilo da época era floreado, cheio de adjectivos e enalteciam-se as virtudes campestres, as várzeas, as moças sorridentes que entoavam cantares enquanto vindimavam em vales ubérrimos. Contudo, e apesar de uma certa falta de conteúdo, é de admirar uma mulher que nos anos 40 e cinquenta do século XX, vivendo em meios pequenos, se tenha dedicado à escrita e à colaboração em jornais.
Espelho estilo D. João V, herdado da minha avó

A Mimi e o seu marido, o meu avô Silvino, eram pessoas com gosto pela cultura, que se evidenciava por exemplo no mobiliário que mandavam fazer em Braga, aos Mouras. Hoje, vendo aquelas peças de mobília, percebemos que tinham um bom conhecimento dos estilos portugueses, adquirido em visitas a museus, que tinham por hábito frequentar. Os dois fizeram também o catálogo da extensa livraria do Solar de Outeiro Seco. Essa biblioteca foi vendida a um alfarrabista e foi dispersa por mil sítios diferentes, mas o meu pai (benza-o Deus por isso) conserva o catálogo, e que ainda um dia, o hei-de digitalizar e coloca-lo na net.


Cadeirão estilo finais do século XVII


Era também uma pintora com algum talento, embora só se tenha dedicado a esse passatempo na juventude. Lembro-me de a ouvir dizer que tinha aprendido a pintar no colégio de freiras, em Vila do Conde, onde foi educada. Na minha casa há um floreiro pintado por ela, datado de 1923, com um certo ar japonês.

Hoje, tenho um sentimento, que é frequente experimentar com as pessoas, que já morreram. Lamento não lhe ter feito centenas de perguntas sobre a antiga casa de Outeiro Seco, sobre o meu trisavô, sobre memórias antigas e sobre todo um passado, cuja memória já se perdeu definitivamente com a sua morte.

Quadro pintado pela Mimi

4 comentários:

  1. Bonita homenagem Luís.
    Assim tivesse eu alguém que, no futuro, me fizesse o mesmo!
    Que dissesse algo que não permitisse a morte da minha memória ... teria que ser breve, isso sim! lol
    Mas para uma senhora que viveu no ambiente em que viveu, teve as suas qualidades e perseveranças, pois foi uma luta contra a maré da tradição que levava, naquele tempo, a quase totalidade das senhoras da sua faixa social a dedicarem-se em exclusivo ao lar.
    Manel

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  2. Mimi,

    Sempre que me lembro da nossa avó, recordo uma casa em Chaves, durante as férias, impecavelmente limpa e arrumada. Os móveis, as peças decorativas, escolhidas com o rigor de quem percebia do ofício e tinha amor ao belo.
    Os passeios às "Caldas de Chaves", as escapadelas ao café Aurora nas Freiras, as idas à biblioteca e ao museu.
    As tardes abrazadoras, passadas em Outeiro Seco, no Solar ou na Quinta. Os cumprimentos furiosos ao Miguel Torga ;)))
    Enfim, férias em Chaves nos anos 70!
    Tudo isto faz parte do nosso património afectivo, da nossa infância, do qual o Padrinho e especialmente a Mimi, fazem parte. E com este blogue, fazes com que estas pessoas continuem vivas. E que, acima de tudo, conseguiram transmitir aos netos e bisnetos, lisboetas de "gema", a paixão por Trás-os-Montes e o respeito pelo belo património que lá existe.
    Beijinhos

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  3. Minha tia-avó. O meu avó paterno, João, era irmão da sua avó.

    Parabéns pelo seu blogue. :)

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  4. Cara Patrícia,

    Muito obrigado pelo seu comentário, que me deixou muito contente por ter vindo de uma prima, com a qual partilho um certo passado, que tento aqui reconstituir e evocar, ainda que de uma forma parcelar.

    Aproveitava para lhe perguntar se eventualmente tem fotografias antigas da casa, ou dos nossos bisavós ou trisavôs, que queira partilhar. Estando a casa numa ruína, qualquer pormenor que apareça numa fotografia pode ser importante.

    Se tiver algumas fotografias que queira enviar, o meu e-mail é montalvao.luis@gmail.com

    Abraços

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