quarta-feira, 16 de maio de 2012

Destilaria: desenho de meados do séc. XIX


Já há muitos anos que comprei numa feira de velharias este desenho algo ingénuo de uma destilaria de bebidas alcoólicas, provavelmente datado da segunda metade do século XIX. A perspectiva é incorrecta e o engenho de destilação é representado de uma forma tosca, o que me levou a concluir que o desenhador desta obra não tinha pretensões artísticas. O seu objectivo era técnico, queria mostrar como o mecanismo funcionava e não exibir dotes artísticos.

O papel mostra sinais de ter sido dobrado várias vezes e percebe-se que em tempos formou um pequeno e bem feito embrulho. Portanto, é provável que este desenho tenha sido o anexo de um processo administrativo e assim esteve guardado décadas, pois apesar de o ter emoldurado há cerca de 15 anos, os vincos permanecem ainda bem marcados. A folha do desenho foi toda dobradinha para caber no processo ou talvez estivesse a ele cozida, num embrulho à parte como era vulgar fazer no século XIX.


Segundo as minhas pequenas investigações, percebi que este desenho deve ter feito parte de um pedido de licença feito por um particular ao Estado Português para construir uma destilaria. Depois de 1852, as fábricas portuguesas que ensaiavam uma revolução industrial modesta, requeriam uma licença de funcionamento ao Ministério do Reino, o antepassado do Ministério da Administração Interna. O estado pretendia verificar se a fábrica ou manufactura era ou não insalubre. Por exemplo, os curtumes eram sempre obrigados a funcionar afastados dos aglomerados urbanos. Este meu desenho deve ter feito parte de um pedido de licença desta natureza.

Aliás encontrei no site da Torre do Tombo, cujo motor de busca o Digitarq é estupendo,  muitas referência estes processos datados entre 1852-1860. Um dos que localizei, a Planta de fábrica e destilaria de cerveja, situada na Rua das Aranhas, nº 12, no Funchal, de 1857 tem uma planta e um desenho com algumas semelhanças com o meu desenho.

O autor deste meu desenho não conhecia as leis da perspectiva, mas sem o saber produziu um testemunho de uma modesta revolução industrial, que Portugal fez a partir de 1852, quando finalmente as guerras acabaram (Invasões francesas, lutas liberais, Maria da Fonte) e começou um período de fomento industrial, em que se construíram estradas novas, uma rede de caminhos de ferros, faróis e portos de navegação. É um pequeno símbolo desse período histórico que ficou conhecido como a regeneração.

5 comentários:

  1. Olá Luís. Parabéns pela novidade do tema que me é caro também. Registei o nome e o porquê de - Regeneração, confesso desconhecia.Admiro o seu gosto ecléctico por estampas, no caso desta mais técnica -tem contudo velharias - gostei da torneira, do funil, das meias dornas ao cimo de madeira (?) com aros de ferro e,do varandim em balaústre tanto ao nosso gosto.

    Nos anos 60 acompanhei o meu pai a uma destilaria de aguardente - havia cilindros altos com muitos tubinhos tipo serpentinas onde via sair a branquinha quente e de bom beber - no dizer dos homens.Inexplicável o cheiro muito antes da destilaria - forte, já dentro dela misturado com o calor da fornalha onde os homens na espera da vez assavam fiadas de arame com batatinhas na brasa juntamente com morcela com cominhos, chouriça ou até uma posta de bacalhau - o farnel aviado de casa para a noitada.Lembro-me que me ofereciam, porque miúdas nunca as lá vi, euzinha, com o meu pai de 1,92 de altura...

    Haviam contudo na região em quase todas as aldeias ou Lugares desde o início do século XX alambiques de cobre de vários tamanhos - afortunados que no Brasil foram ganhar dinheiro a transportar sacas de café no porto de Santos.Fazia-se neles aguardente de quase tudo naquele tempo segundo as pessoas mais antigas, numa recolha que fiz para o meu livro de memórias :figo,maçã, ameixa,uva e medronho que na região também abunda em grandes extensões de vegetação mediterrânica que a cada dia vejo crescer mais na serra do Alqueidão , Mouro e outras, em virtude das gentes as terem abandonado, a vegetação primitiva está a renascer novamente.Caso extraordinário esse que se vive no momento com o abandono das terras que primitivamente foram desbravadas para cultivo intensivo e com o abandono a vegetação primitiva que "vivia no subsolo(?) agora renasce novamente.
    Em miúda vi esses mesmos leirões torneados de levadas de água que corriam das minas de xisto(possivelmente romanas na prospeção do ouro)séculos mais tarde reaproveitadas para armazenamento de água que haveriam de secar com a plantação maciça de eucaliptos. Sentir tal abandono a transformar-se em carvalhal, medronlhal é retrato de nova era que daqui a séculos outros irão redescobrir neles vestígios de alguma coisa, com a ajuda preciosa de testemunhos que todos deixamos de alguma forma.

    Desculpe, alonguei-me nas minhas divagações - o costume!
    Beijos

    Isabel

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  2. Maria Isabel

    Muito obrigado pelo seu comentário.

    Esta peça trata-se de um desenho feito e colorido à mão e não de uma estampa ou gravura.

    O tema industrial é de facto insólito, mas torna-o numa peça rara, cativante mesmo.

    Gostei de ler as suas recordações da meninice associadas às destilarias, que completaram muito o conteúdo deste post. A destilaria aqui representada ganhou vida, cheiros, com homens a trabalhar e a comerem o seu farnel, assistidos ao de longe por uma garota curiosa, que dava a mão ao pai.

    Beijos

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  3. Este desenho também me traz memórias, mas muito mais recentes!
    Só há pouco tempo entrei pela primeira vez numa destilaria... de whisky!!!
    Mas é o mesmo tipo de equipamento: depósitos e alambiques enormes e passadiços elevados para dar acesso às partes mais altas dos depósitos...
    E tudo isto o Luís encontrou num desenho colorido, um original que pode ter sido feito para um pedido de licença ou para a partir dele se ilustrar um livro técnico do século XIX, quem sabe!
    Sempre a trazer-nos surpresas!
    Quanto ao "Digitarq", é um recurso fabuloso que eu já usei muitas vezes para ler Memórias Paroquiais, mas não mais do que isso.

    Abraços

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  4. Maria Andrade

    É muito provavél que o desenho tenha pertencido a um processo administrativo.

    O digitarq funciona bem e há cada vez mais documentação digitalizada, o que facilita a investigação a amadores como nós, que estamos em casa, sem nos poder deslocar à Torre do Tombo ou a um arquivo distrital. A pesquisa é muito simples, basta ir tentando por palavras chave. Obrigado e beijos

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  5. O teu desenho é curioso pois apresenta um desenho que é uma mistura de projeção ortogonal com uma perspetiva, que tem a função de dar mais informação à projeção.
    Nos outros desenhos que mostras, trata-se só da projeção simples das peças, que é afinal a forma mais usual de representação até ao presente, ainda que, hoje, seja igualmente norma adicionar ao projeto desenhos auxiliares em perspetiva (axonometrias), importantes para a clarificação dos desenhos projetivos.
    Estes desenhos axonométricos, hoje, estão sujeitos a uma normalização que consta na parte destinada ao desenho técnico.
    Neste teu desenho, quem o elaborou, não utilizando qualquer normalização, claro, pois é algo mais recente, não se coibiu, no entanto, de adicionar uma "terceira dimensão", lateral, o que constitui uma curiosa forma de resolver a situação da falta de informação que as projeções ortogonais simples fornecem.
    Colorir estes desenhos é algo que hoje se faz só em alguns campos do design, e isso processa-se através de meios informáticos e de impressoras especializadas.
    Esta coloração manual e artesanal é muito bonita e confere ao desenho um cunho pessoal, artesanal, mais apelativo, sobretudo a nós que não estamos já habituados a isso (lembro que alguns desenhos de arquitetura, antigos e académicos, eram dotados de um virtuosismo que os transformavam em pequenas obras de arte).
    Manel

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