Tenho esta pequena jarra de altar muito simples, sem decoração de qualquer espécie e naturalmente sem marca. Comprei-a na feira-da-Ladra, aquele rapaz tatuado, que tinha um emprego de fato e gravata durante a semana e ao Sábado, gostava de relaxar na feira, vendendo antiguidades da sua casa, que já não lhe interessavam e cavaqueando com os clientes. Tinha certamente um emprego bem remunerado e não devia precisar do dinheiro para nada, mas julgo que gostava daquela sensação de liberdade, de sentir-se uma espécie de feirante cigano, pelo menos ao sábado. Era uma figura da feira, mas desapareceu nos últimos tempos.
Jarra de Massarelos do Museu de Grão Vasco |
Já pesquisei bastante sobre esta jarra, mas não encontrei muitas informações concretas. Descobri que ao longo da segunda metade do século XVIII e primeiros cinquenta anos do Século XIX, quase todas as fábricas de faiança portuguesas produziram jarras bojudas para flores com este formato. Miragaia, Rato, Juncal, Massarelos e Viana manufacturaram estas jarras, umas mais bojudas que outras, outras mais decoradas, mas basicamente o formato foi sempre este.
Par de jarras do Museu de Aveiro sem marca |
Mas nas bases de dados on line dos museus portugueses ou nos catálogos de arte, nunca vi uma jarra exactamente igual a esta. Isto explica-se porque os museus normalmente seleccionam as melhores peças ou se recebem faianças simples como esta, sem pintura decorativa, colocam-nas nas reservas.
Jarra do Juncal do Museu Nacional de Soares dos Reis |
E no entanto, a sua simplicidade encanta-me. Recorda-me os altares das capelas das pequenas igrejas de província, onde há sempre um par destas jarras, uma em cada ponta.
jarra de Miragaia do Museu Nacional de Soares dos Reis |
Invariavelmente estas jarras estão cheias de flores frescas, postas por aquelas senhoras, designadas como cuidadoras. Tem uma capela ou mesmo a igreja matriz à sua responsabilidade e estas estão sempre imaculadamente limpas e a cheirar a cera.
Um ambiente de altar barroco na minha casa |
Em minha casa, tentei sugerir esse ambiente de capela, colocando-a ao lado da Maquineta com o Menino Jesus e uma Santa de Roca. Julgo que consegui recriar um canto barroco muito português.
Olá Luís
ResponderEliminarSempre que posso, passo pelo seu blog e fico ansioso pelo que irá aparecer (risos).
Eu sempre admirei esta jarras das igrejas (mas pensava que a maioria, seriam peças novas, sem qualquer valor artístico ou histórico...tenho de ser mais atencioso, mas nas igrejas geralmente perco-me a admirar os azulejos, talhas, querubins e afins e pelos vistos não tenho dado a atenção que estas jarras merecem.
Gosto,da ideia, das "cuidadoras" das igrejas (já tive vontade de ter uma profissão assim ...rsss).
Há muitos anos,fiz uma viagem a Espanha para tentar ver uma capela (estilo romano, numa região conhecida por El Bierzo e havia uma senhora que abriu a capela para eu ver (um ambiente austero só pedra...um cristo enorme esculpido em madeira) a chave da porta gigantesca...tenho saudades destes passeios.
Enfim...uma jarra faz-nos viajar (plagiando o Fábio),
Não consegui percorrer todo seu blog, mas parece-me que quase nunca fala de uma Fabrica que gosto muito que é a Viúva Lamego e também penso que poucas vezes fala sobre a produção das Caldas (esta última tem umas jarras pequenas em forma de ""um leque"" talvez cópias das peças do Mafra que gosto muito, tenho uma destas jarras, muito pequena e sem marca, mas que (para mim) faz parte dos meus tesouros (risos).
Imagino que, com tantas peças, deve mudar com muita frequência a decoração da sua casa. Este ambiente de capela, é muito interessante e esta imagem de santa de roca, muito bonita (proporções maravilhosas.
Mas,o que prende mesmo, é a forma como consegues descrever e transformar uma jarra branca, sem flores, sem gatos, sem marcas, num objeto digno, moldado, acarinhado (quem sabe por muitas pessoas diferentes). No fundo a forma como escreves e descreves estes objetos acaba por fazer-nos pensar que em casa, continuamos a guardar "tesouros"...
Finalizando...espero que este altar / capela...conserve esta sua forma admirável de contar a história dos objetos
Um abraço - José
Olá Luis,
ResponderEliminarbelo post, e gostei muito do ambiente onde fica sua jarra!
espero que no sábado em que estarei em Lisboa (12/11) o tempo esteja firme, e eu posso conhecer finalmente a famosa feira da Ladra. Me disseram que no segundo final de semana de todo mês há tb uma outra feira, na avenida da Liberdade, é verdade?
Melhor ainda se puder contar com sua compainha na Ladra!
abraços
Boa tarde, Luis! Não o consigo contactar por email (seria mais apropriado, claro), por isso deixo-lhe um comentário. Tenho 2 travessas da Fábrica de Sacavém que gostaria de vender. Reparei que o Luis conhece o valor destas peças antigas, por isso talvez possa avaliar estas peças se eu lhe enviar fotografias (?). O meu email é raquelf90@gmail.com
ResponderEliminarMuito obrigada!
Luís, a sua jarra, mesmo sem decoração, é um objeto irresistível para quem gosta de faiança antiga. Vê-se que é uma peça boa, bem moldada, um objeto muito elegante.
ResponderEliminarO que eu admiro na sua casa é que como compra muito dentro dos mesmos tons, à base do azul e branco, e as peças são sóbrias, apesar de haver muita coisa em pouco espaço, as peças não se chocam, resulta tudo muito bem.
Adorei ver aqui as jarras do Museu de Aveiro, já lá fui várias vezes mas não me lembro de as ter visto. Todas as jarras de altar que aqui mostra são lindíssimas e eu também gostava de ter uma ou duas assim, porque as que tenho têm sempre aquela boca a abrir, mais larga do que o colo...
Parabéns por mais esta bela aquisição na Feira da Ladra (como eu o invejo por estar aí tão perto…Grrrrr)
Bom fim de semana.
Olá Luís
ResponderEliminarSingela e pura a sua jarra do "feirante cigano". A sua monocromia, branco leitoso, e a pasta, mais grosseira,aproximam-na da faiança malegueira, tão do agrado de alguns apreciadores da sua singeleza e simplicidade.
Pela forma lembra jarras de outras fábricas, principalmente do Norte, embora estas tenham, geralmente, decoração polícroma.
O enquadramento barroco, na qual se integra na perfeição,mostra bem o seu carácter de "zelador" da sua capela privada.
Um abraço
if.
José Oliveira,
ResponderEliminarAs tuas palavras são muito simpáticas. Evito sempre neste blog limitar-me a apresentar as peças ou a lançar para aqui uma série de pratos e taças sem grande critério, como se fosse um estendal de uma feira. Tento sempre contar uma pequena história a propósito de cada peça e talvez isso torne cada uma das coisas, que mostro mais apetecíveis, se é que me desculpas a pretensão.
Também gosto de entrar em todas as igrejas e julgo que moldei o meu gosto nelas.
Quanto à louça das Caldas, sou um fraco apreciador dessa faiança, embora já veja com uns olhos mais tolerantes do que no passado, mas prefiro sempre outras faianças menos grotescas, porcelanas ou gravuras.
Não tenho nada da Viúva Lamego, mas já falei da Fábrica, a propósito de uns azulejos, os bicha da praça. Criei a etiqueta em consequência do teu comentário.
Abraços e obrigado
Fábio
ResponderEliminarTentarei estar disponível para te acompanhar à Feira-da_ladra, o pior que te poderá acontecer é teres que aturar os meus filhos, se por acaso esse fim-de-semana eles estiverem comigo.
A feira da Avenida ainda não conheço, mas já ouvi falar dela. Ultimamente tenho ido muito para o Alentejo e compro muito na feira de Estremoz
Abraços
cara Raquel
ResponderEliminarO meu endereço de e-mail está indicado no perfil.
Abraços
Cara If
ResponderEliminarTal como a minha amiga, também acho que a simplicidade desta jarra a aproxima das características da antiga louça malegueira, mas sem marca, sem decoração é quase impossível averiguar de onde veio. Registei a sugestão do Norte.
Abraços e obrigado
Maria Andrade
ResponderEliminarComo não sei combinar cores toda a minha casa está a branco, azul, vermelho e umas pincelada de dourado. Tudo o que lá entra tem que ter estas cores, senão é um sarilho. julgo que a coerência vem daí.
A imagem das jarras do Museu de Aveiro tirei-as do MatrizPix, não sei se estão na exposição permanente.
Abraços
Também acho uma graça a esta jarra com a boca mais estreita e agora, encontrou o seu sítio ideal, junto aos santos da casa
Caro Luís,
ResponderEliminarA primeira vez que fui conhecer as Caldas da Rainha e a produção local, foi em 1991, e claro ia caindo de costas, também nunca imaginei que aquela quinquilharia colorida tivesse algum interesse...enfim tudo na vida tem seu tempo e as vezes, acabo por rever minhas certezas...
Conheço uma senhora que tinha um daqueles pratos das lagostas, sempre olhei-o de lado, mas em um dia qualquer estava a ver (na mesma casa) um bibelot (aliás nunca gostei deste tipo de peça) e reparei nos furos, perguntei a ela o que era aquilo. Era um paliteiro (estranhei...mas tive a sorte da peça ter-me sido oferecida) e foi preciso algum tempo para começar a descobrir a diferença entre o que conhecia da produção sem qualquer qualidade repetida vezes sem conta e algumas peças com um trabalho muito interessante...começar a conhecer as marcas e finalmente entender aquelas expressão dos vendedores das feiras """isto é Caldaaaaaaaas""" quando tentam vender uma qualquer folha de couve...risos
Enfim, dei a mão a palmatória e lá comecei a tentar ter paliteiros (são caros, raros, mas algumas com um trabalho interessante).
Foi somente nesta altura que comecei a descobrir que este "estilo" também foi ou é produzido em diversos países europeus...mais uma pitada de Palissy...enfim sabes como é...hoje gosto de algumas peças, e olha que nem fui influenciado pela revitalização da Bordallo Pinheiro, nesta altura já estava meio aficcionado por que já sabia que a produção foi tão diversificada, reinventada, exportada etc etc...
Quanto a Viúva lamego, gostei deste a primeira vez que vi a loja que havia no Largo Intendente. Já conhecia uma jarra...
Sou um apreciador dos azuis e amarelos que utilizavam...tenho pena que não encontro documentação ou publicação desta Fábrica...
Tenho algumas peças pequenas, e azulejos...nada de extraordinário, mas continuarei a procurar informação ou peças.
Desculpe o longo comentário
Um abraço - José Oliveira
O canto que criaste é interessante e muito bem conseguido.
ResponderEliminarA jarrinha é muito atraente e vive pela simplicidade que faz lembrar a loiça malegueira. Não que as outras que ostentam cor não sejam igualmente fantásticas, mas é como passar a vida a comer iguarias muito elaboradas e ricas de ingredientes e de repente aparece algo cozinhado de forma simples e rápido, mas cheio de sabor.
Mas, na minha opinião, a sua mais valia e encanto reside na forma, a qual é toda uma harmonia
Manel
Olá , Luís , gosto da sua jarra , na sua simplicidade e do local onde a colocou em sua casa . Fica muito bem junto à santa de roca que é pena não estar vestida . Sabe que Santa é ? Deve saber ,pois o Luís sempre investiga acerca das suas peças . Quanto às "curadoras " ,como lhes chama , na minha terra ainda existem , não só para tratar das flores como para abrir a capela , como é o caso , por exemplo da de S. João Batista
ResponderEliminarAb.
Quina
José Oliveira
ResponderEliminarComo te referi anteriormente. Passei a dar mais valor às Caldas com o tempo. Há uns anos vi no Museu das Artes Decorativas em Paris uma mesa posta inteiramente com alfaces, maças, lagostas peixes e sei lá que mais, tudo em louça de Palissy e seus seguidores (igualzinha à nossa louça das Caldas) e enfim, o Museu Parisiense não é dado a ter cá porcarias na colecção.
Mas de facto a louça das Caldas tenta-me pouco. Só tenho uma travessa recente com uns perus em relevo, toda branca, que os meus filhos gostam muito e na qual sirvo o frango panado, prato muito apreciado.
Talvez um dia escreva sobre a Víuva Lamego, mas terei que socorrer-me da colecção do meu amigo manel.
abraços
Tens razão, Manel a forma simples e um certo ar malegueiro fazem o encanto desta peça. E tb há a acrescentar, que me ajudaste a decorar este canto
ResponderEliminarCara Quina
ResponderEliminarA estya minha Santa de roca falta-lhe tudo para eu tentar descobrir o que representou. Talvez fosse uma Nossa senhora, talvez tivesse uma palma de mártir na mão e fosse uma santa. É impossível saber o que foi. Escrevi sobre Santas de roca no post http://velhariasdoluis.blogspot.com/2009/10/santos-de-roca-ou-imagens-de-vestir.html
O termo correcto é cuidadora, pelo menos é a expressão que usam em Tras-os-Montes
Um grande abraço