Houve uma época em que os jardins tinham lagos, roseirais, buxos, pérgolas e caminhos, ornamentados aqui e ali com estátuas e vasos. As grandes famílias burguesas de oitocentos mandavam construir jardins à semelhança das casas aristocráticas do século anterior, com canteiros geométricos à francesa, ou então ainda segundo a nova moda do romantismo, com os caminhos a cruzarem-se fazendo um “8”, os chamados jardins em forma de biscoito. Para decorar os caminhos desses parques usavam estátuas, vasos e urnas, mas em faiança, que eram réplicas económicas das peças em pedra usadas no século anterior, nos palácios e solares.
Este vaso de Jardim que apresento hoje é uma peça vinda desse século XIX, em que as famílias eram grandes, as senhoras protegiam-se do Sol atrás de sombrinhas e as rosas, as peónias e os buxos e os lagos com peixes doirados ainda estavam na moda e as crianças vestiam-se à marujo.
O vaso foi descoberto pelo Manel na Feira de Estremoz, muito mal tratado, rachado, com um canto partido e com falhas tapadas por cimento. Imediatamente o meu amigo se encantou por ela e passou quase uma hora a negociar-lhe o preço. Acabou por compra-la. Levou-a para casa, lavou-a, colou a peça que faltava, tirou-lhe o cimento e aos poucos o vaso de jardim recuperou o antigo brilho.
O vaso de Miragaia apresenta passarinhos na grinalda e uma base diferente da peça do Manel |
Enquanto via o Manel nestes preparos, lembrei-me que tinha acabado de ver uma peça semelhante no catálogo da exposição Fábrica de Louça de Miragaia, Lisboa: IMC, 2008 . Fotografei a peça e quando cheguei a Lisboa, comparei-a com a imagem do catálogo os dois vasos são de facto muito semelhante. As diferenças são os passarinhos na grinalda e o formato da base. Em suma, esta taça poderá ser uma peça saída da Fábrica de Miragaia entre os anos 1830-50.
No entanto há que ter cautela na atribuição e nas datas, pois não está marcada. Sabemos que após a falência da Fábrica de Miragaia, grande parte dos seus operários foram levados para a Fábrica de Sto. António de Vale da Piedade, que precisamente se notabilizou no fabrico de urnas, taças, e pinhas. Portanto o vaso poderá ser já da segunda metade do século XIX, período de grande actividade de Sto. António de Vale da Piedade . Por outro lado, como já todos sabemos, as fábricas copiavam-se umas às outras, sem grande pejo. Miragaia, Devesas, Massarelos, Sto. António eram manufacturas vizinhas e os operários e moldes circulavam facilmente entre elas e todas produziram urnas, pinhas, estatuetas para enfeitar fachadas, jardins ou portões.
Seja ela Miragaia, Sto António do Vale da Piedade ou Devesas, sempre que olho para este vaso, vejo as imagens de uma casa oitocentista do Norte, como muros de granito, um jardim com camélias e crianças que já morreram há muito vestidas de marujo.
Olá Luis e
ResponderEliminarParabéns ao Manel pela aquisição. De fato percorrer estas feiras ou antiquários/ lojas velharias é, por vezes, uma questão de sorte.
Há algumas semanas fui a Estremoz e não havia nada de interessante na feira. A única peça que consegui trazer foi um "feioso" alguidar fabricado nas Gaeiras. O restante do que vi nesta feira eram, tão somente, vegetais (risos). Acabei por ir a Borba e comprar um "ratinho" para acabar com a frustação de percorrer tantos km's em vão.
Tenho um/dois dos vasos ( um antigo e bonito, o outro uma reprodução recente que não faço ideia da época. Estou a espera de (algum dia) possuir uma grande casa pois gostava de ter esta peça dentro de casa (manias)...talvez num grande hall de entrada (sonhando)
Enfim, de fato, são 2 verdadeiros arqueólogos no descobrimento destas peças extraordinárias...
Um abraço - Jose
belíssima peça. Parabéns Manel pela negociação e aquisição. E pelo restauro. E obrigado Luis por nos mostrar.
ResponderEliminarabraços
Adoro ver uma peça destas assim bem tratada, recuperada de um estado de abandono ou de maus tratos. Às vezes basta uma boa limpeza para fazer toda a diferença, parece que renascem das cinzas…
ResponderEliminarNas faianças, uma ou outra falta de vidrado, mesmo uma fratura bem consolidada, desde que não haja faltas no material, não me incomodam minimamente.
Por isso, parabéns ao Manel, que tem uma peça antiga e bonita, ainda por cima completamente reabilitada pelas suas mãos.
O Luís, por seu lado, encarregou-se de a apresentar condignamente em mais um dos ótimos textos a que já nos habituou, ao transportar-nos para os jardins do século XIX onde este vaso terá tido o seu enquadramento natural.
Tem aspeto de ser de um bom fabrico e também acho que qualquer dos nomes de fábricas que o Luís menciona são fortes possibilidades para a sua origem.
Até penso que poderá ter sido feita para exportar para o Brasil, já que aqueles dois rostos ou máscaras têm um toucado de penas, representando certamente índios americanos.
Também já me anda a apetecer ir até à feira de Estremoz… lol
Abraços
Indo contra toda a racionalidade, as peças parecem ter vida própria, pois parecem ser elas, por vezes, a escolher os donos.
ResponderEliminarEsta peça é ilustração disso, pois esteve à venda durante mais de um mês num antiquário por baixo da minha casa em Lisboa.
Perguntei o preço, mas era demasiado, tendo em conta o estado da peça, e acabei por não a comprar, apesar do namoro descarado que lhe ia fazendo.
E, como mau amante, esqueci a peça, até que ... tempos depois ... ela, por força sabe-se lá de quê, me apareceu à frente na própria feira de Estremoz.
Fiquei meio sem saber o que fazer com aquele descaramento todo e lá fui eu namorar a peça novamente ... para compensar o esquecimento a que a tinha votado, tentando reabilitar a minha imagem, mas, confesso, sem grandes esperanças.
O vendedor, vá-se lá saber porquê (ironia do destino, e foste mesmo tu que me incitaste a perguntar o preço), faz-me um preço bastante inferior ao que me fizeram no antiquário meu vizinho (onde, ao contrário do que aconteceu com esta peça, compro muitas outras por preços muito abaixo do do mercado) e claro ... lá veio ela debaixo do braço (é um eufemismo, claro, pois nem ela me caberia debaixo do braço nem o peso dela o permitiria!).
Dir-se-ia que ela se engalanou toda pelo feliz desfecho, pois ganhou vida e deixou ver toda a sua beleza.
Agradeço-te muito o texto com que ilustraste este peça, bem escrito, claro e racional, o qual, na verdade, abre muitas hipóteses para a sua origem.
No entanto, e apesar de me agradar muito a hipótese que fosse Miragaia, inclino-me mais para o fabrico das Devesas ou Sto. António e talvez seja de um período posterior ao fecho de Miragaia.
Mas isso é-me algo indiferente, agora que ela me faz companhia na sala de jantar.
Muito interessante o que a Maria Andrade refere, e que me tinha passado completamente, como é o caso do toucado de penas que ornamenta o rosto, numa alusão aos Índios do Brasil.
Este facto poderá ter sido intencional, como forma de atrair uma clientela de além-Atlântico. A hipótese é plausível e dá-lhe outro significado.
Como é estranho que me escapem elementos decorativos destes, não obstante ela estar à minha frente e quando, ainda por cima, a limpei toda, centímetro a centímetro!
Maria Andrade, não obstante não a conhecer pessoalmente, ter a casa toda em "pantanas", meio por completar, sujidade por todo o sítio, tudo em redor ainda com entulhos, terei muito gosto em recebê-la aqui quando lhe apetecer vir até à feira de Estremoz. Tem o meu e-mail, poderá contactar-me
Manel
Caro José Oliveira
ResponderEliminarAs feiras de velharias são uma roleta russa.
Pessoalmente compro cada vez menos. Estou falido como toda a gente em Portugal e depois não tenho espaço para peças tão grandes como esta taça do Manel.
Tal como tu, também sonho com uma casa maior pra fazer uma decoração mais ambiciosa, mas até lá contento-me com a escala 1/32
Abraços
Fábio
ResponderEliminarCada vez que mostro uma desta grandes peças de faiança, estou sempre à espera que alguém do Brasil me escreva um e-mail a comunicar-me que numa velha casa da sua cidade do interior há uma taça exactamente igual..
Abraços
Maria Andrade
ResponderEliminarA sua observação é muito pertinente. Já aqui vimos que as fábricas do Norte tinham um óptimo mercado no Brasil para estas peças. A Maria Paula até já mostrou umas destas urnas portuguesas oitocentistas no Uruguai.
Não me admiro que daqui a uns tempos algum brasileiro me escreva a comunicar-me que na sua cidadezinha há uma igual.
Abraços
Manel
ResponderEliminarTambém me parece que a taça poderá ser de uma das Fábricas que continuaram a laborar depois do fecho de Miragaia, isto é Massarelos e Sto. António do Vale da Piedade.
As Devesas são posteriores a Miragaia, mas podiam ter copiado um molde mais antigo.
Julgo que acabarás por encontrar um sítio na tua casa onde esta taça seja vista em todo o seu esplendor
Maria Andrade
ResponderEliminarPor causa do seu comentário acerca das cabeças com uma coroa de penas, lembrei-me se este vaso não faria parte de um jogo de quatro, cada um representando os 4 continentes que eram considerados na altura, Ásia, África, Europa e América.
Neste tipo de alegorias a América é sempre representado por uma figura com uma coroa de penas.
Pode ser que apareçam as outras peças deste jogo.
Abraços
Sim, Luís, faz todo o sentido o que diz, usavam-se muito as representações dos continentes em peças de faiança.
ResponderEliminarTemos que andar atentos pois daria muito prazer a qualquer de nós encontrar outras peças do conjunto.
Já agora, deixe-me aqui agradecer ao Manel o simpático convite que me fez a propósito de uma possível ida minha a Estremoz.
Quem sabe, um dia pode calhar e eu também gostaria muito de o conhecer.
Mas esse convite é desde já retribuído, tanto para o Manel como para o Luís, é só contatarem por e-mail quando vierem para estes lados... as boas terras da Bairrada!!!
Abraços