Isabel Luisa Josefa. Pormenor do frontispício do II volume da Alma Instruída do Padre Manuel Fernandes, de 1690 |
As estampas e os livros antigos são charadas fascinantes, que quando se começam a decifrar, tornam-se caminhos muito empolgantes, com pequenas metas vencidas, que constituem vitórias vividas em silêncio e que podemos partilhar com poucas pessoas.
Talvez porque ainda assim temos sempre necessidade de contar aos outros essas vitórias discretas e os pensamentos, que nos ocupam quando viajamos de metro ou cozinhamos, estou outra vez a escrever acerca daquilo que descobri sobre Princesa Isabel Luisa Josefa.
Isabel Luisa Josefa. óleo do Museu Nacional dos Coches, que esteve atribuído a Josefa de Óbidos. |
Em primeiro lugar descobri que a minha estampa de 1690, gravada por Gérard Edelinck e desenhada por Claude Guy Hallé e Jerome Trudon foi executada a partir de um retrato da princesa, hoje existente no Museu Nacional dos Coches. As semelhanças são por demais evidentes entre a figura da minha estampa e senhora representada nesta pintura, obra que por acaso esteve muitos anos atribuída a Josefa de Óbidos. De facto, a Infanta era uma mulher realmente bonita, mesmo para os nossos cânones actuais de beleza, que mudaram muito desde o século XVII para cá
Isabel Luisa Josefa. frontispício do III vol. da Alma instruída, de 1699. Gravura de Nicolas Bazin |
Depois, apos muitas pesquisas no matriz net, a base dos museus nacionais, descobri no Museu de Lamego a estampa, que ornamentava o terceiro volume da Alma instruída do Padre Manuel Fernandes, publicado em 1699. Trata-se de uma gravura representando a princesa da Beira deitada num leito de dossel, rodeada por três anjinhos e cujo significado me escapa um bocado. O anjinho segurando a lisonja com a cara escondida e o segundo anjinho apontando para o céu, sugerem-me qualquer alegoria à sua morte, mas não estou seguro.
A gravura, foi feita por um tal Bazin, que descobri tratar-se de Nicolas Bazin (1633 - 1710), que exerceu a sua actividade de gravador em Paris e que se especializou em cenas religiosas e retratos, como este da Princesa da Beira ou o que vemos aqui, representando a rainha Maria Teresa, mulher de Luís XIV, pertencente ao Museum of Fine Arts, Boston
A rainha Maria Teresa, mulher de Luís XIV. Gravura por Nicolas Bazin |
Falta-me agora descobrir a estampa, que servia de frontispício ao primeiro volume da Alma instruída e que também representava D. Isabel Luisa Josefa.
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Será que estas estampas, em conjunto, façam sentido? Pois parecem-me cheias de representações alegóricas, e feitas por artistas consagrados. Seguramente não se iria escolher um artista desconhecido para retratar a mulher de Luís XIV.
ResponderEliminarEsta última mulher faz-me sempre alguma pena, e raro a vejo que não sinta alguma mágoa sobre a sua sorte infeliz, como consorte (melhor, "senmsorte") de um dos monarcas mais abertamente mulherengo que existiu à face da terra (todos o eram, em maior ou menor escala, mas este foi-o de uma forma quase ofensiva, à luz das leis morais vigentes).
O tema do teu post não é efetivamente sobre Maria Teresa, mas esta figura tem sempre este condão, o de acordar em mim sentimentos contraditórios.
Uma mulher com uma linhagem exemplar, de índole muito paciente, facto que o próprio Luís XIV reconheceu à altura da morte desta.
Mas esta infanta, título do teu post, deve ter sido efectivamente uma morena bonita, com um ar requintado e, ao contrário de muitas outras da sua estirpe, elegante (a moda do uso do corpete servia também para maquilhar a obesidade; este corpete, de tão bem atado ao corpo, não raro, chegava mesmo a danificar as últimas costelas, e devia ser uma fonte de sofrimento silencioso).
Mais uma ponta do véu descoberto ... a pouco e pouco chegas ao conhecimento desta tua gravura que, ainda não há muito tempo, era completamente anónima
Manel
Estou a gostar muito de acompanhar estas suas descobertas sobre a gravura da Infanta Isabel Luisa Josefa (sem o Josefa, achava o nome bem bonito!)
ResponderEliminarSe a si, como a qualquer um de nós, lhe dá prazer partilhar as descobertas, pode ter a certeza que também é um gosto ir sabendo as novidades do lado de cá...
É como uma história contada em episódios e até sabemos as cenas do próximo capítulo que será a descoberta do frontispício do Volume I de "Alma Instruída" :)
Acho tão elegante a posição em que a princesa está inclinada na cama de dossel!
O que é intrigante é saber porque a representaram naquela posição (será que se está a levantar do leito de morte para acompanhar o anjo para o céu?), porque é que o anjo que aponta para a estrela no céu leva a coroa e a palma, porque é que o anjo junto da lisonja esconde o rosto ou está a dormir...
Mas tudo leva a crer que esta representação seja realmente uma alegoria à sua morte prematura, como o Luís alvitra.
Já agora, como também mostra a gravura de Maria Teresa de Áustria, mulher de Luís XIV, a que o Manel também se refere, guardo dela a imagem de uma mulher que sofreu as infidelidades do marido com muita dignidade, que chegava a defendê-lo quando o filho de ambos se insurgia contra as provocações e humilhações que sofriam na corte e assim, apesar de constantemente traída, acabava por merecer o reconhecimento e a admiração do rei.
Não é atitude que eu perfilhe, ;) mas como figura histórica, acaba por nos ser simpática.
Bom fim de semana
Caros amigos
ResponderEliminarDe facto a iconografia à volta desta princesa é um mistério. Por exemplo, o quadro do Museu dos Coches não está inteiro. Foi recortado e representaria uma cena mais complexa.
Quanto à iconografia do 3 º volume é estranha. O anjinho que está no ar apresenta uma palma e uma coroa de louros na mão. Como todos sabemos a palma representa o martírio e a coroa de louros a glória. Será que quer dizer que a glória está na morte?
Em todo o caso como o Manel diz, o Padre Manuel Fernandes não se poupou para homenagear a filha do Rei e os melhores gravadores e desenhadores foram contratados para fazer as gravuras da Alma instruída.
Pobre Maria Teresa. De facto o Luís XIV ostentava as suas amantes na corte. Mas a funcão de uma rainha não era ser amada, mas dar muitos filhos ao rei e manter uma certa postura e a Maria Teresa lá conseguiu para a posterioridade assegurar uma imagem de dignidade.
Mas coitada, esse papel de dignidade foi apagado pelo brilho da Montespan, pela beleza da Louise de La Valliere ou pela inteligência e bom senso da Madame de Maintenon, três das favoritas reais.
Abraços