sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Paris ou Rio de Janeiro

Av. Rio Branco, Rio de Janeiro com ares de Paris
 
Já uma vez aqui tinha escrito sobre a influência do urbanismo parisiense na Europa. A esse propósito citei a obra o Danúbio, onde o autor, Claudio Magris, compara Paris com o arquétipo platónico. À medida que desce o Danúbio para Oriente, Magris vai encontrando imitações de Paris. Viena copiou a Paris dos Boulevards do Barão Haussamann e por sua vez Budapeste imitou essa imitação da Paris e torna-a mais aparatosa, com fachadas ainda mais teatrais. Praga, também construiu uma Avenida Pariska e mais a Sul, Bucareste copiou Budapeste, que por sua vez já era um mimetismo de Viena. Mas esta é rota oriental do modelo Parisiense de Urbanismo.

Budapeste. Avenida Andrassy, onde a arte imita a imitação da arte

Esse modelo de cidade do Barão Haussmann atravessou o Atlântico e difundiu-se também em direcção ao hemisfério Sul e chegou a Buenos Aires e ao Rio de Janeiro. Já tinha ouvido falar desse tempo em que a cidade maravilhosa, o paradigma actual do exotismo para muitos europeus, se assemelhou a Paris. O Fábio Carvalho já várias vezes tinha escrito sobre essa época, a seguir a queda da monarquia e ao exílio dos Braganças, em que se quis apagar a todo o custo a velha arquitectura portuguesa e procurar uma coisa mais moderna, palavra que no início do Século XX era sinónimo de qualquer coisa francesa, de preferência Parisiense. Contudo, foi a desfolhar o álbum fotográfico Vistas do Rio de Janeiro. Rio: Papelaria Mendes, 1911, que me permitiu ver até que ponto, aquela cidade passou por um período, em que almejou ser uma espécie de Paris dos trópicos

Av. do Rio Branco. Cerca de 1911

Toda essa renovação urbana se passou entre 1902 e 1906, sob égide do Prefeito, Francisco Pereira Passos. Pretendeu-se por fim à velha cidade colonial, caracterizada por um urbanismo muito concentrado e propenso à ocorrência de epidemias como a cólera ou a varíola e nesse sentido, fizeram-se a terraplanagens, demolições e ao fim de 4 anos uma cidade nova emergia, tendo como eixo fundamental a Avenida Rio Branco, onde se alinhavam os prédios e edifícios públicos, construídos num gosto ecléctico, mas com um sabor muito francês. A calçada era no entanto portuguesa.

A calçada portuguesa numa avenida de edifícios de gosto eclético, mas a pretender ser Paris

Além da destruição da velha cidade colonial, outra das consequências desta política de demolições foi o aparecimento das primeiras favelas nos morros, construídas por pessoas pobres expulsas do centro.

Outro aspecto da Av. Rio Branco

Mas, os ares parisienses do Rio de Janeiro tiveram vida curta e a partir dos anos, 40 e 50, os prédios com sabor a belle époque foram sistematicamente demolidos para dar lugar aos arranha-céus em cimento, ao estilo americano ou modernista.

Paris em South American Ways



Agradeço ao Ramiro Gonçalves as digitalizações.

22 comentários:

  1. Não sei nem se deveria comentar esta postagem, pois corro o risco de ficar emocional, ou no mínimo ainda mais prolixo do que o habitual, mas... vamos lá!
    Esta avenida, quando foi criada, se chamava Avenida Central, justamente por ser o primeiro grande eixo amplo, largo e urbanizado segundo o modelo francês que a cidade recebeu. Ela fundou um novo paradigma na cidade, tanto de urbanismo, quanto arquitetônico.
    Depois dela, nunca mais foram construídos nossos queridos casarões com fachadas revestidas com azulejos, telhões de beiral, e as janelas e portas em arco com moldura de pesado granito. Abriu-se a era do relevo em estuque, das fachadas fantasia, e outras características do art nouveau. Mas como você bem observou, a calçada permaneceu portuguesa! E justamente com o padrão da Praça D. Pedro IV de Lisboa. O desenho mudou com o tempo, mas as calçadas da Rio Branco, e de muitas das principais (ou não) vias do centro da cidade e em outros bairros permanecem calçadas com pedras portuguesas, como chamamos por aqui este tipo de calçamento, que vive soltando e esburacando, pois é feito de forma errada, infelizmente!
    Mesmo que tenha sido uma intervenção de cima para baixo, violenta, comandada por acadêmicos, em nada com a graça orgânica e natural, sem contar mais adequada ao clima da cidade, da arquitetura colonial, foi minha primeira paixão por arquitetura antiga, talvez por ser muito mais estimulante para a mente de um pré-adolescente do que a simplicidade da arquitetura secular colonial (pois a arquitetura religiosa colonial sempre me arrebatou, e nunca mais foi superada em riquesa e grandiosidade).
    Felizmente muitos dos prédios desta era, tanto na Rio Branco, como em muitos outros locais, ainda existem, em particular os prédios públicos, como a Ópera, Biblioteca Nacional, Museu de Belas Artes, etc, mas também vários e belos exemplares que tinham uso comercial e residencial.
    Para terminar, um comentário sobre a quinta foto: ela é um belo resumo de como esta intervenção tinha muito de "cenografia", e como houve um certo "mix" de épocas. Ao longe, principalmente à esqueda, vemos diversos casarões coloniais, parecendo até estarem uns por cima dos outros, por trás da "muralha" afrancesada. E mesmo em meio à "muralha", permanece uma bela igreja colonial, a de Nsa Sra da Boa Morte. Nesta época ainda respeitavam ao menos as igrejas. Mas depois dos anos 1940 nem estas mais foram perdoadas! Bota abaixo!
    Eu sabia, escrevi mais num comentário do que a postagem original inteira... QUE METIDO QUE EU SOU!
    abraços

    ResponderEliminar
  2. Caro Fábio

    Adorei o teu comentário. Completou e ascrescentou o meu texto, pois tu és um carioca que conheces a sério a tua cidade e e sou sou um Lisboeta, que nunca foi ao Rio de Janeiro. Portanto o "metido" sou eu.

    Mas, quando na Biblioteca do museu encontrei este Album de fotografias, fiquei completamente encantado com as imagens de um Rio de Janeiro, desconhecido para a maioria dos Europeus e pensei que daria um belo post, mesmo correndo o risco de "ceifar em ceara alheia".

    Tenho também um certo fascínio pela arquitectura e urbanismo dos finais do XIX e inícios do XX, cujo modelo é Paris. É por isso, que insisto com o meu filho sobre a necessidade de se visitar Paris, pois é a chave para conhecer uma boa parte do urbanismo europeu e não só, como se pode ver neste post.

    Em Lisboa, os prédios e moradias desta época foram sistematicamente destruídos e infelizmente continuam a ser demolidos, pois temos um presidente da Câmara que é uma nódoa.

    Claro, também prefiro, a arquitectura dos séculos XVII e XVIII, mas os estilos ecléticos da viragem do século XIX para o XX tem muitíssimo charme. Imagino-me sempre a ter um belo apartamento numas dessas casas estilo haussamaniano.

    Bem e claro, este post foi um bocadinho em tua homenagem.

    Um abraço

    ResponderEliminar
  3. Um filme da dec. 30. Não era uma cidade ótima pra se viver?: http://youtu.be/a7Q1kITY168

    ResponderEliminar
  4. Caro Luis
    Salve!
    Realmente é um prazer sempre renovado viajar nesta ponte virtual entre Portugal e Brasil em teu Blog. De fato, o Brasil passou por uma fúria iconoclasta quando adotou-se a agenda arquitetônica modernista que primou pelo desprezo ao ecletismo. Uma das perdas irreparáveis do Rio foi a do Palácio Monroe. Houve um campanha mediante o jornal O Globo, com o apoio de Lúcio Costa defendendo a demolição do prédio, o que de fato ocorreu. No rastro do modernismo e da especulação imobiliária desfigurou-se muitas cidades brasileiras e seus belos legados ,tanto ecléticos, quanto coloniais. Uma lástima. Vale você conferir também a obra de Antônio Virzi no Rio, em especial, o prédio do Elixir Nogueira também demolido. Virzi foi comparado a Gaudí e pouco restou de sua obra.

    Aproveito para desejar um abençoado e venturoso 2013.
    Att.
    Edwin J. Pinto Fickel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Edwin

      Obrigado pelo seu comentário. De imediato fiz algumas pesquisas na net e estive a ver algumas imagens do Plaácio Monroe e do prédio do Elixir Nogueira, do arquitecto Virzi, que tal como afirmou dá ares de Gaudi.

      Em várias partes do globo, nos anos 40, 50, 60 e 70 os arquitectos modernistas votaram um terrível ódio contra arquitectura eclética dos finais do XIX, inícios do XX e destruiram prédios e prédios, descaracterizando avenidas ou até mesmo bairros inteiros. Também é verdade que os modernistas odiavam a e igualmente a arquitectura do séc. XVIII ou XVII. Enfim, tudo o que tivesses colunas coríntias, frontões, cúpulas ou carátides era considerado decadente pouco funcional e uma coisa a abater.

      O gosto por conservar a arquitectura do passado também é uma coisa relativamente nova na nossa cultura ocidental. Julgo que só terá começado com alguma expressão durante o movimento romântico, nos meados do XIX e infelizmente, em muitos países esse gosto por conservar, restaurar tem sido uma corrente marginal desde então.
      Um abraço e um bom ano novo

      Eliminar
  5. Não sei porquê, mas os melhores exemplos de arquitectura arte nova, tendem a desaparecer para dar lugar ao betão... infelizmente não é só em Lisboa e Porto...

    Os votos de um ANÃO e a continuação de tão digno trabalho... Ah!!! E muita LUZ...

    ResponderEliminar
  6. Caro Gastão

    O que preocupa mais é que agora, em pleno século XXI, se continuem a demolir edifícios arte nova, ecléticos ou historicistas. Que nos anos 40, 50, 60 e 70 não gostassem deles ainda compreendo, agora na nossa época já deviamos ter uma perspectiva mais serena e madura sobre a conservação do património e parar de vez com a destruição dos edifícios dessa época.

    Um abraço para si, Gastão que continue com o seu Ruinarte por 2013 fora. Infelizmente, o País está cheio de ruínas que o Gastão ainda não fotografou. Estive ontem em Alter do Chão e vi pelos menos 3 solares em ruínas.

    ResponderEliminar
  7. Olá,Luis
    Como sempre lindas estampas
    Um abraço e ando sempre a vistoriar o seu blog
    Mal posso ,cá estou eu
    Bom Ano
    Que 2013 seja muito melhor que o 2012
    Votos também para o Manel

    ResponderEliminar
  8. Muito obrigadso, cara Grace. É sempre uma simpatia e os seus votos serão transmitidos ao Manel

    Um bom 2013 para si

    ResponderEliminar
  9. Às vezes há coincidências engraçadas! Horas antes de ver este seu post tinha estado à mesa do café a falar com uma amiga e prima afastada sobre as nossas ligações remotas ao Brasil, neste caso a S. Paulo. E falávamos de como aquela megametrópole não nos atrai muito para visitar, precisamente porque as demolições no centro histórico, para construir a Avenida Paulista e outras grandes avenidas, apagaram as velhas ruas e avenidas onde, no final do séc. XIX, se instalaram muitos portugueses aqui da zona, alguns nossos familiares, ali prosperaram e construíram belíssimos prédios comerciais. Guardo imagens de alguns desses edifícios, certamente a imitar os de Paris que tão bem aqui refere, mas que parece que desapareceram na quase totalidade... :(
    Já lhe desejei um bom 2013... mas não aqui e nunca é demais reforçar:)
    Feliz Ano Novo, amigo Luís!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Maria Andrade

      A cultura do novo mundo não é muito dada a conservar seja o que for. Talvez seja por que quem ali chegou queria esquecer o conservadorismo europeu, onde cada um tinha o seu lugar na sociedade definido por nascimento. Não querendo parecer que falo de cátedra, o novo mundo está sempre numa perpétua mudança, o que se reflecte na forma como a face das suas cidades é radicalmente mudada.

      Claro, como o Manuel escreveu, o Brasil conservou as cidades históricas mineiras e algumas terras do Nordeste, porque perderam poder económico e cairam no esquecimento.

      Mas em todo o caso, julgo que é sempre complicado fazer juizos de valor para o continente americano, que contem tantos e tantos países e tantos milhões de habitantes.

      Bjos e obrigado pelos votos de boas entradas

      Eliminar
  10. Sempre inovativo, este blog. E, tal como nos habituaste, mantém o seu interesse.
    Não conheço o Rio, só S. Paulo, e de fugida, o que, devo confessar, foi uma exteriência que não me agradou, e, assim que pude, desapareci para paragens mais agradáveis, no interior do Brasil, que aí sim, senti-me quase em casa, não fora o clima.
    Mas senti, tal como em muitos outros locais, as ausências da grande arquitetura do passado. Não fora as cidades do ciclo do ouro, que se encontram bem mantidas, pelo menos nos seus núcleos urbanos, tudo o resto é incaraterístico e anónimo.

    Paris foi a primeira grande cidade que conheci, e que vi através de olhos apaixonados (há lá alguma forma mais interessante de conhecer uma cidade?). Regressei vezes sem conta, mas, hoje, já não vejo esta cidade com o intimismo com que me foi ensinada nos finais dos anos sententa!
    Hoje perco-me por outros destinos, onde imperam também as ausências da arquitetura do passado, como se um mau vento as tivesse varrido da face da terra!
    Restam poucos exemplares, com os quais vamos sonhando e recriando possíveis passados.
    Agradeço os votos da Grace, sempre simpática, e aproveito igualmente para lhe enviar votos de um bom ano, pois o que é bom nunca é demais
    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Manel

      Muito obrigado. Talvez o caracter inovativo deste blog se deva ao meu tipo de cultura enciclopédica. Interesso-me um pouco por tudo, embora não aprofunde nada. Também não tenho grandes preconceitos e encaro o blog muitas vezes como uma espécie de diário, onde vou escrevendo aquilo que a descoberta de alguns livros me provoca. Foi o caso do livro "Vistas do Rio de Janeiro. Rio: Papelaria Mendes, 1911", que me deixou maravilhado e deu origem a este post. Foi também um motivo para falar um bocadinho no modelo do urbanismo parisiense, que tanta importância no mundo teve.

      Nunca me apaixonei fora de Lisboa. Paris é só um grande motivo de interesse histórico, cuja importância vou conhecendo com o tempo. Aos 19 anos quando visitei a cidade não apercebi de todo do significado artístico e cultural da cidade. Ver estas imagens antigas do Rio é entender a importância de Paris no urbanismo e na arquitectura.

      Abraços

      Eliminar
  11. Obrigado,Manel
    Um beijinho para si,também
    Que o Novo Ano lhe seja muito abençoado e lhe traga muitas alegrias juntamente com o Simpático do Luís
    Um beijinho

    ResponderEliminar
  12. E o que dizer de Beirute, a Paris do Oriente (antes da Guerra Civil)?

    ResponderEliminar
  13. Caro Joka

    O tema do urbanismo parisiense partiu neste post em direcção ao Atlântico Sul, mas poderia ter ido até Beirute ou até Barcelona. Quem sabe se um dia esse assunto não será aqui tratado.

    Um abraço

    ResponderEliminar
  14. Olá. Não é o Rio de Janeiro, é São Paulo antiga mas também interessante: casas antigas, palacetes, ruínas, monumentos, pessoas, etc. Para explorar e apreciar: http://www.saopauloantiga.com.br/

    ResponderEliminar
  15. Caro Joka

    Obrigado. Com calma, vou espreitar o link sugerido.

    Um abraço

    ResponderEliminar
  16. a minha família viveu o século XIX no Rio de Janeiro até dói rever o que foi destruído

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. António

      Um pouco por todo o mundo os arquitectos modernistas nutriram um ódio à visceral à arquitectura burguesa e eclética dos finais do XIX e inícios do XX e nos anos 50, 60, 70 e ainda 80 procederam-se a demolições verdadeiramente sistemáticas e criminosas em quase todas as cidades dos prédios desse estilo considerado burguês e decadente. No Rio de Janeiro aconteceu esses fenómeno, mas também aqui em Lisboa, onde perdemos os melhores exemplares da chamada arquitectura eclética. O Porto, pelo contrario conservou muito bem esta arquitectura eclética e esse é um dos grandes encantos dessa cidade.

      Um abraço

      Eliminar
  17. bem verdade ainda bem que eu de origem francesa portuguesa brasileira com uma família que nasceu em lavra sofreu guerras com absolutistas e com os republicanos viveu em Matosinhos. depois Rio de Janeiro. Lisboa. Rio de Janeiro e acabou por ficar no meu Porto cidade que adoro e onde nasci

    ResponderEliminar