domingo, 30 de abril de 2023

Um cavalheiro elegante e umas antigas histórias camilianas



Recentemente, a minha prima Ana Paula fez a gentileza de me oferecer mais uma resma de fotografias antigas. Entre eles, estava o retrato de um homem distinto, tirado há cerca de 110 anos, que me chamou de imediato a atenção. É uma daquelas imagens, que nos faz pensar que a verdadeira elegância é intemporal. Recordou-me até o retrato do Dr. Pozzi, que John Singer Sargent pintou 1881 e serviu de mote para o belíssimo livro de Julian Barnes O Homem do Casaco Vermelho. Mas afinal quem foi este belo homem da fotografia?

Retrato do Dr. Pozzi, John Singer Sargent ,1881 


A indumentária é a de um juiz, mas a dedicatória escrita sobre a fotografia é pouco legível. No lado direito, apercebi-me que o seu apelido era Machado, mas o nome próprio poderia ser João ou Júlio. No lado esquerdo, li que o retrato foi dedicado ao meu amigo Montalvão e que a data terá sido em 1919. Consegui ainda perceber que a fotografia foi tirada na Ilha do Pico, nos Açores. Suspeitei que este homem bonito e distinto fosse um dos membros da família Montalvão Machado e com efeito com meia dúzia de pesquisas no google conclui que só poderia ser Júlio Augusto de Montalvão Machado (1888-1968), formado em Direito e que em 1918 entrou para a carreira judicial como estagiário do Ministério Público em Peniche, exercendo funções como delegado nos Açores e só passando posteriormente para as terras transmontanas. Em suma, este retrato foi tirado no início da sua carreira, quando passou pelos Açores, nomeadamente na Ilha do Pico e dedicado ao meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão.

A fotografia foi dedicada ao meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão


Além da sua carreira judicial, Júlio Augusto de Montalvão Machado dedicou-se à literatura, de feição regionalista, escrevendo algumas obras sobre a história das famílias da zona e foi também um republicano e um democrata activo, que se empenhou na campanha de Humberto Delgado. Em Chaves, Júlio Augusto de Montalvão Machado é ainda recordado pela sua postura de republicano de velha cepa, apesar do seu aspecto aristocrático, realçado pela barba e pela badine. O irmão, José Timóteo Montalvão Machado (1892-1985) licenciado em medicina, foi também um homem de letras e publicou em 1948 a genealogia da família, Os Montalvões.

António Vicente Ferreira Montalvão (1809-1894) 


Numa das suas obras, O capitão de vila Frade: esboço biográfico, 1956, Júlio Augusto de Montalvão Machado contou a história do seu avô, António Vicente Ferreira Montalvão (1809-1894) e dos seus pais. O livro é um retrato dos usos e costumes das famílias fidalgas no século XIX nas terras transmontanas e vai referindo aqui e acolá alguns membros do meu ramo familiar.

Este António Vicente Ferreira Montalvão (1809-1894) era neto de Miguel Álvares Ferreira e de Antónia Maria de Montalvão Morais, esse matrimónio primordial, realizado em 1746, que marca o momento em família Montalvão, de Vila Frade, estende um dos seus ramos a Outeiro Seco. António Vicente era primo direito do meu quarto avô, o João Manuel Ferreira Montalvão (1806-1851) e no tempo dos acontecimentos, que descreverei estes dois ramos familiares eram ainda muito próximos.

Em 1746, Antónia Maria de Montalvão Morais casou com Miguel Álvares Ferreira, e o solar de Outeiro Seco passou a estar ligado ao nome Montalvão

António Vicente foi um absolutista convicto, durante a guerra civil lutou ao lado de D. Miguel e depois do final do conflito, em 1834, naquelas muitas revoltas que houve até 1854, em que reapareciam os miguelistas, este fidalgo esteve quase sempre na linha da frente. Durante esses tempos, exerceu também cargos públicos na gestão do município de Chaves. Mas a partir da Regeneração, já na casa dos 50 anos, este homem conhecido pelo Capitão de Via Frade acalmou-se e dedicou-se ao governo da sua vasta casa agrícola, que se estendia por várias aldeias da Galiza, dos concelhos de Chaves, Valpaços e Mirandela e tornou-se uma figura quase lendária, acerca do qual correm muitas histórias. Não deixava que se cortassem árvores e nas suas terras, fossem galinhas ou cavalos, os animais não eram presos e corriam livremente. Como velho senhor feudal, julgava também pequenas disputas nas suas terras. Claro, as penas dos condenados eram leves, mas significativas no meio aldeão, como por exemplo entregar quatro cruzados e dois pintos à igreja local e saírem com hábitos de penitentes na primeira procissão da Senhora da Expectação

O rústico solar de Vila Frade

Este velho Miguelista era um solteirão inveterado, que entregava o governo doméstico das suas casas a senhoras de boas famílias, ainda eram parentes, mas que tinham permanecido solteiras. Até que por volta de 1860, foi chamada outra senhora, a D. Umbelina Rosa, também de famílias honestas, mas sem dinheiro e qualquer coisa que ultrapassou a amizade aconteceu entre os dois e nasceu em 1860 uma criança, a Maria Umbelina. Cheio de curiosidade, entrei no portal do Arquivo Distrital de Vila Real, para ler o assento de baptismo da pequena Maria Umbelina., do qual transcrevo uma parte.

O assento de Baptismo de Maria Umbelina

A 13 de Junho de 1860 foi baptizada na Igreja Paroquial de S. Vicente de Barreiros, Concelho de Valpaços, Diocese de Bragança, Maria Umbelina, que nasceu às 11 horas da noite de 7 de Junho de 1860, fila ilegítima de Umbelina Rosa. Teve a criança nos Louços, segundo me disse Maria Lomba, casada com Pedro Martinho, deste lugar, a quem a criança foi entregue para ser criada. Foi padrinho, João Rita, casado com Carnulina Rosa e Maria do Carmo, casada com José Lomba.

Nota ao lado, a mãe desta criança é natural de Alpande, freguesia de Erboins, [ Ervões], actualmente do concelho de Valpaços.

Assinada Padre Luís Manuel Pereira.

Portanto a Maria Umbelina era filha natural e foi entregue a alguém de confiança, para ser criada discretamente, para não dar origem a muito falatório, pelo menos nos primeiros tempos, como era costume da época. Mas Júlio Augusto de Montalvão Machado na sua obra, O capitão de vila Frade: esboço biográfico, dá-nos conta que rapidamente o velho António Vicente Ferreira Montalvão foi buscar a sua filha natural e educou-a junto a si, com todos os desvelos, como a morgadinha de Vila Frade. A menina foi educada, aprendeu a ler e escrever em casa com a Dona Teresa Montalvão, uma das tais parentes, que faziam o governo doméstico da casa e deslocava-se até a Chaves, para aprender bordados, culinária e até francês. Muito embora o Capitão de Vila Frade não visse com bons olhos as lições de francês, com receio que pudessem trazer mascarados alguns ensinamentos de tratante Jacobinismo. Quando adolescente, a menina frequentava o Salão da Assembléia Civilizadora, que mais tarde veio a ser a Sociedade flaviense e convivia com as melhores famílias de Chaves.

Tudo corria pelo melhor até que em Vila Frade, pequena aldeia do Concelho de Chaves, na fronteira com a Galiza, onde vivia esta gente, apareceu um jovem oficial, o alferes António Augusto de Sousa Machado, que tinha vindo vigiar a fronteira, em virtude de uma ameaça de peste bubónica, vinda de Espanha. O jovem oficial e a Umbelina enamoram-se, mas o velho miguelista António Vicente Ferreira Montalvão não queria ouvir falar de tal namoro, já que o Alferes Sousa Machado era um liberal. Aconteceu o inevitável e com a cumplicidade da mãe, a Maria Umbelina e o António Augusto de Sousa Machado fugiram para se casarem. Assim a 31 de Janeiro de 1887, na Igreja de São João Baptista de Capeludos, Concelho de Vila Pouca de Aguiar, casaram António Augusto de Sousa Machado e Dona Maria Umbelina Ferreira Montalvão, ele 26 anos, alferes de cavalaria, filho legitimo de António de Sousa Machado e Dona Clementina de Sousa Machado desta freguesia e ela de 26 anos, solteira, natural da freguesia de S. Vicente de Barreiros, Bragança, onde foi baptizada, residente na freguesia de Lamadarcos, filha natural de Umbelina Rosa.

O assento de casamento 


É curioso observar, que a jovem Maria Umbelina usava o nome do pai, Ferreira Montalvão, embora constasse apenas com filha natural de Umbelina Rosa. O pároco usa também o Dona, antes do seu nome, tratamento que nos registos paroquiais é só reservado às senhoras de condição elevada.

O velho Capitão de Vila Frade ficou irremediavelmente zangado com a filha e só se reconciliou com a Maria Umbelina por intervenção dos Morais Sarmento, de Sto. Estevão, depois do nascimento do neto em 1888, precisamente o Júlio, que mais tarde, veio a ser o elegante cavalheiro do retrato apresentado logo no início. É também interessante, ler o assento paroquial Júlio Augusto, que nasceu às seis da tarde, de 27 de Setembro de 1888, filho legítimo António Augusto de Sousa Machado (…) e de Dona Maria Montalvão Sousa Machado, natural de S. Vicente de Barreiros, Valpaços e neto materno de António Vicente Ferreira Montalvão, de Vila Frade, e de Umbelina Rosa, freguesia de Ervões, Valpaços. Quando nasceu o pequeno Júlio, a bastardia da Maria Umbelina foi omitida e o António Vicente Ferreira Montalvão consta inequivocamente como avô materno.


A minha trisavó, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão era afilhada de António Vicente Ferreira Montalvão


O capitão de Vila Frade tinha boas relações com o meu ramo familiar. Era padrinho da minha trisavó, a Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão e deve ter gostado sempre desta afilhada, apesar de ela se ter envolvido com um padre e dele ter tido dois filhos. Em 1888, a Maria do Espírito Santo foi envolvida num caso de contrabando, quando alguém, sem seu conhecimento, depositou num armazém da sua casa uma grande quantidade de tabaco e baralhos de cartas vindos da Galiza. Houve uma denuncia, a minha trisavó foi indiciada e umas das pessoas que veio em seu socorro, movendo influências, foi precisamente o seu padrinho António Vicente Ferreira Montalvão, conforme é relatado na obra O capitão de vila Frade: esboço biográfico.

António Vicente Ferreira Montalvão morreu em 1894 e no seu testamento datado de 1874 legou praticamente todos os seus extensos bens à filha natural, Maria Umbelina, designada neste instrumento legal como afilhada. Mas não esqueceu também a minha trisavó, a quem deixou 400 mil réis em dinheiro ou bens.

Muitos, mas muitos anos mais tarde, em 1961 este Júlio Augusto de Montalvão Machado, publicou uma colectânea 5 contos …em moeda corrente. ., onde narrou com evidente simpatia pelos protagonistas, os amores da minha trisavô, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão e Padre José Rodrigues Sampaio, bem como nascimento do meu bisavô, o seu primeiro filho. Tudo isto me leva a crer que as relações familiares entres estes dois ramos da família tivessem sido muito boas e próximas.

Em suma, este retrato de Júlio Augusto de Montalvão Machado foi o motivo para conhecer a figura do seu avô, o velho fidalgo miguelista, António Vicente Ferreira Montalvão, que mantinha um modo de vida quase feudal e ao mesmo tempo ecológico, como diríamos nos dias de hoje, mas também para saber a história da sua filha natural, a Maria Umbelina, que apresenta um paralelo evidente com os amores dos meus trisavós, a fidalga e o padre. São casos que reforçam a minha ideia de que a bastardia era um componente da estrutura familiar do século XIX.

Igualmente foi interessante observar como este ramo familiar, foi evoluindo politicamente. De miguelistas, estes Montalvões quando se cruzam com os Machados, passam a liberais, depois republicanos e durante a ditadura, a paladinos dos valores democráticos. Fiquei a simpatizar com estes primos, hoje tão afastados.

Júlio Augusto de Montalvão Machado (1888-1968)

Bibliografia e ligações consultadas:

5 contos …em moeda corrente. . / Montalvão Machado - Porto: Livraria Progredior, 1961

Os Montalvões / J. T. Montalvão Machado. - Famalicão: Tip. Minerva, 1948

O capitão de vila Frade: esboço biográfico / Montalvão Machado. Porto: Livraria Lello e Irmão; Chaves: Gutemberg, 1956


Fontes arquivísticas:

Arquivo Distrital de Vila Real:

PT-ADVRL-PRQ-PVLP04-001-003_m0004
PT-ADVRL-PRQ-PVPA05-002-015_m0083_derivada
PT-ADVRL-PRQ-PCHV50-RU-001-001-107_m0087

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Uma base de um tocheiro



Como já aqui referi anteriormente tenho um certo gosto eclesiástico herdado da minha avó Mimi e sempre ambicionei ter um tocheiro, essa peça barroca, tão característica das nossas igrejas. Mas a minha casa é muito pequena para encaixar tocheiros de grandes ou médias dimensões e por outro lado, os que aparecem nos mercados de velharias são muitas vezes más cópias dos anos 50 ou 60 do século XX ou mesmo quando são antigos, foram pintados e repintados com dourados esgaivotados ou demasiado estridentes.

Recentemente comprei esta base de tocheiro, que me pareceu muito boa. A talha é de boa qualidade e o dourado é bonito. Creio que é antigo, do século XVIII, em estilo D. José, com aquelas curvas e contracurvas em CC e SS, mas é sempre complicado datar estas peças. Houve uma certa persistência do gosto barroco em Portugal, mesmo quando este passou de moda, e nos século XIX e XX com os revivalismos, os tocheiros barrocos voltarem a ser produzidos e muitos foram até electrificados.

Foto retirada de Colecção de mobiliário do Museu-Biblioteca Condes Castro de Guimarães / José António Proença. - Cascais : Câmara Municipal de Cascais : Museus Municipais, 2009


Sempre imaginei que estes tocheiros fossem só usados nas igrejas, mas recentemente ao folhear o catálogo da Colecção de mobiliário do Museu-Biblioteca Condes Castro de Guimarães encontrei reproduzido um tocheiro, não muito diferente do meu, onde o autor, José António Proença, na respectiva entrada descritiva explica, que foram também usados na iluminação das casas particulares. Surgiram na segunda metade do século XVII e eram por vezes encomendados conjuntamente, entre outros, com espelhos, credencias, formando mobílias de grande aparato e impacto visual, convertendo-se num excelente indicador da riqueza e opulência do proprietário. Gozaram, de grande aceitação durante a centúria de setecentos, acompanho as alterações formais e decorativas ao longo desse período

Este meu tocheiro é só um fragmento e como tal pouco valor comercial tem. Ultimamente tenho visto muitos programas da série francesa Jour du Brocante sobre compra e venda de velharias e antiguidades em França e com efeito tudo o que está partido, fragmentado, incompleto ou em mau estado vale imediatamente menos dinheiro. Estes programas franceses, que se podem ver no you tube, puseram-me a matutar neste meu hábito de comprar cristos sem braços, meninos jesus com as mãos partidas, restos de serviços de porcelana, pedaços de talha dourada, pratos gatados ou de catar azulejos antigos em tulhas de obras e que tudo isto no futuro, não valerá um caracol. Mas como sou um sentimental, esta caqueirada toda em casa cria um ambiente especial no qual me sinto bem.


Bibliografia consultada:

Colecção de mobiliário do Museu-Biblioteca Condes Castro de Guimarães / José António Proença. - Cascais : Câmara Municipal de Cascais : Museus Municipais, 2009

sábado, 1 de abril de 2023

Ainda a doce Elina ou uma indiscrição com 120 anos

Elina Bravo Borges de Ferreira Montalvão.
Foto de Vidal & Fonseca, na Calçada do Combro 29, Lisboa

Já aqui tinha apresentado este retrato de Elina Bravo Borges de Ferreira Montalvão (1884-1912) e contado alguns fragmentos da história desse ramo familiar.

Esta jovem de ar tão doce era filha de um irmão da minha trisavó, o General António Vicente Ferreira Montalvão (1840-1919), que fez uma carreira brilhante nas armas e casou muito bem, com uma senhora da boa sociedade lisboeta, Mariana das Mercês Bravo Borges (1858-1888). Aliás, este general foi o irmão mais acertado da ninhada. A minha trisavó, Maria do Espírito Santo (1856-1902), envolveu-se com um padre, relação da qual nasceram dois filhos e outro irmão, o Miguel (1838-1890), nunca casou e morreu louco rodeado de livros.

General António Vicente Ferreira Montalvão (1840-1919)

Mas em 1902, à data deste retrato da doce Elina, estes assuntos já eram um pouco águas passadas, a Maria do Espírito Santo tinha morrido em Março deste ano e o General António Vicente Ferreira Montalvão sentiu-se mais à vontade para regressar a Chaves, sem ter que lidar com a situação incómoda de encontrar a irmã a viver em mancebia com um padre. Na época, estas situações não eram raras, mas em todo o caso não eram socialmente as mais desejáveis. Seja como for, a filha do general, que teve uma educação esmerada, com o curso superior de piano, discípula de Viana da Mota, travou conhecimento com o primo, o José Maria Ferreira Montalvão (1878-1965), filho bastardo do padre e da fidalga e entre eles terá nascido uma amizade. Assim em Dezembro desse ano de 1902, a Elina ofereceu o seu retrato ao meu bisavô e numa caligrafia elegante de quem recebeu a melhor das educações, escreveu esta dedicatória: José, envio-te o meu retrato accedendo ao teu pedido e para te provar que te estimo como a um irmão. Tua prima Elina. 19-12-902.


O verso do retrato de Elina. José, envio-te o meu retrato accedendo ao teu pedido e para te provar que te estimo como a um irmão. Tua prima Elina. 19-12-902

Na altura, em que apresentei este retrato, o meu amigo Manel, comentador residente deste blog, achou que o meu bisavô teria tido uma paixoneta pela prima Elina. Mas achei isso um exagero. Contudo, a minha prima Ana Paula Montalvão Vasques ofereceu-me mais uma resma de fotografias antigas e entre elas estava um retrato do meu bisavô, no momento da sua formatura em direito, na Universidade de Coimbra. Tenho outro exemplar dessa fotografia, tirada no estúdio do Pinho Rodrigues de Coimbra, mas esta foi dedicada à prima Elina e o texto é o delicioso: À sua adorada Elina, modelo de virtudes, com a graça das nymphas crystallinas, oferece com juramento de eterno amor, o seu primo e adorado José. Coimbra, 24-6-902.

.José Maria Ferreira Montalvão no momento da sua formatura. Foto de Pinho Rodrigues, Coimbra



O verso do retrato. À sua adorada Elina, modelo de virtudes, com a graça das nymphas crystallinas, oferece com juramento de eterno amor, o seu primo e adorado José. Coimbra, 24-6-902.


Esta dedicatória naquela linguagem arrevesada da época, prova que o meu bisavô sentiu efectivamente uma paixoneta pela prima. Mas, o mais curioso, é que a fotografia nunca foi entregue à suave Elina e ficou nos arquivos da família até aos dias de hoje. Talvez o José Maria Ferreira Montalvão tenha pensado duas vezes e concluído que o namoro com uma prima direita não era o mais adequado ou a própria Elina o tenha desencorajado nalguma carta.

Esta terna afeição entre os primos não teria passado de uma troca de fotografias e talvez de uma ou outra carta e logo no ano seguinte, o José Maria casou em 17 de Julho de 1903 com a Ana da Conceição de Morais Alves e a Elina casou a 14 de Julho de 1910 com Leopoldo de Montalvão de Lima Barreto Pereira Coelho, também primo, mas mais afastado.

Sei que talvez esteja a ser um pouco indiscreto, revelando a intimidade dos meus antepassados, mas quem não perdoará ao meu bisavô ter experimentado uma paixoneta por esta jovem, que ainda hoje, passados 120 anos, nos parece tão doce.

A doce Elina

domingo, 26 de março de 2023

Esgravatando numa velha caixa de papelão com fotografias antigas: o retrato de um herói do ultramar


Entre as coisas que trouxe de casa do meu pai após a sua morte estava uma velha caixa de papelão, daquelas em que antigamente as camisas vinham embaladas, cheia de retratos, datados entre os finais do século XIX e os anos 60 do século XX. Nos últimos tempos lancei-me a ela e este trabalho de identificação de fotografias antigas rapidamente torna-se um vício. Também é verdade, que como sou bibliotecário, tornei-me especialista em resolver as charadas, que os alfarrábios, livros truncados e outras raridades bibliográficas sempre levantam.



Entre estas fotografias, encontrei o retrato de um senhor todo engalanado, num uniforme vistoso, cheio de medalhas, datado de 21-7-1897. O retrato foi feito da Photograhia Luso-Brazileira, de António Maria Serra, que ficava na Rua das Chagas, nº 9, em Lisboa. Fiquei muito intrigado sobre quem seria este personagem e que relação teria com a família. Seria um amigo ou um parente, mas de que ramo familiar? Dos Alves, dos Montalvões ou dos Morais Sarmento?

Photograhia Luso-Brazileira, de António Maria Serra, Rua das Chagas, nº 9, em Lisboa. Data 21-7-1897.


Mas tenho a sorte de ter um irmão, que além de ser um oficial na reforma, sabe muito de história militar e enviei-lhe cópia da fotografia frente e verso para ver se aquele uniforme todo engalanado lhe dizia alguma coisa. A sua resposta foi mais ou menos a seguinte: a farda foi do exército português de um regimento 6 ou 8 (golas da farda), mas o mais importante era a condecoração torre espada (colar), o galardão mais importante das Forças Armadas Portuguesas. Esta Torre Espada seria das campanhas de Moçambique (1875) onde se distinguiram Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro, Marechal Gomes da Costa (na altura capitão). O meu irmão sublinhou que na época apenas um pequeno grupo de 4 ou 5 oficiais recebera esta condecoração.
A Torre Espada

Tudo isto aumentou mais a minha curiosidade e coloquei a hipótese de se tratar do General José Celestino da Silva, que nasceu em Vilar de Nantes, nas cercanias de Chaves e que casou com Amélia Augusta Coelho Montalvão, uma prima direita da minha trisavó, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão. Enfim, tudo gente de Chaves e arredores. Contudo, se o General Celestino da Silva foi também condecorado com a Torre de Espada em virtude das suas acções em Timor, nos vários retratos que encontrei dele na net, não assemelha em nada com o senhor retratado nesta fotografia

General Celestino da Silva

Comecei então a pesquisar, tentando encontrar a lista dos que foram distinguidos por esta condecoração no último quartel do século XIX, até que no motor de busca da Torre do Tombo, o Digitarq encontrei várias fotografias destas insígnias da Torre e Espada, que pertenceram a Mouzinho de Albuquerque e lembrei-me então de procurar retratos antigos deste homem, que tanto ouvi falar nos tempos da escola primária, o herói da batalha de Chaimite, aquele que prendeu Gungunhana. 

Colar e comenda da Torre e Espada pertencentes a Mousinho de Albuquerque. Foto Arquivo Nacional da Torre do Tombo


Ao fim de umas quantas pesquisas no google, encontrei uns retratos de Mouzinho de Albuquerque num blog memorialista da cidade de Lourenço Marques e percebi que o senhor de uniforme engalanado da velha caixa de papelão é efectivamente Mouzinho de Albuquerque!!

Mouzinho de Albuquerque em Moçambique. Foto Delagoa Bay


Mouzinho de Albuquerque em Moçambique. Foto Delagoa Bay


Confirmei esta identificação no repositório do Arquivo Científico Tropical onde encontrei mais dois retratos daquele herói ultramarino.

Mouzinho de Albuquerque em Moçambique. Foto Arquivo Científico Tropical  


Não vou aqui explicar, quem foi Mouzinho de Albuquerque (1855-1902), quem quiser saber mais abra a Wikipédia, mas foi um homem extraordinário, que se distinguiu na pacificação e governo de Moçambique. Regressou à metrópole em 1897, a data desta fotografia, onde foi acolhido em glória, condecorado e ainda homenageado em todas as partes do País. Tudo isto faz-me pensar como é que a fotografia veio parar à família. Mouzinho de Albuquerque era da Batalha, do Distrito de Leiria e não tinha nada a ver com Chaves. Poderia ser talvez amigo do General Celestino da Silva, que era flaviense e este último o tenha apresentado a alguém da família Montalvão da qual era parente por parte da mulher, mas não tenho nada que prove qualquer relação entre estes dois militares. Em 1897, data da fotografia, Mouzinho de Albuquerque percorreu o país em apoteose e nessa altura, poderia ter oferecido o seu retrato, a alguém da família Montalvão ou dos Alves. Nesta época, já se começavam a comercializar fotografias de pessoas famosas, por exemplo actores de teatro, ou membros da realeza e não é de excluir a hipótese, que algum dos meus antepassados tenha adquirido esta fotografia porque desejava ter em casa o retrato de um herói nacional, que em África, devolveu aos portugueses o orgulho perdido com a afronta do ultimato inglês de 1890.

Como herdei também o espólio documental da família, talvez encontre uma carta da época, esclarecendo melhor este assunto.

Bem sei que este fotografia que apresento de um herói colonial não é um tema politicamente correcto nos dias de hoje. Mas a história não pode ser apagada com uma borracha e transformada de acordo com as modas contemporâneas e este retrato de Mouzinho de Albuquerque, esquecido numa velha caixa de papelão, que sobreviveu mais de 120 anos, está aqui para prova-lo.

Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque


Algumas ligações consultadas: 





domingo, 12 de março de 2023

Burgueses, fidalgos e brasileiros na Madalena, Chaves

Foto Universal, Rua da Cedofeita, Porto.  1916

Recentemente, comecei a explorar o interior uma caixa de papelão, cheia de fotografias antigas, que trouxe de casa do meu pai, após a sua morte. Há um núcleo de retratos, mais antigo, uns ainda do século XIX, outros tirados logo início do século XX. Quando se abre estas caixas com fotografias, há tanto tempo fechadas, a primeira reacção é de pânico e interrogamo-nos. Quem é esta gente, como é que as vou identificar será que vou deixar cair estes rostos, que pareciam tão vivos, no esquecimento perpétuo?

Mas, passado esse momento de aflição, fui rever todos os elementos, que o meu pai compilou pacientemente, quer da família, quer dos ramos colaterais, com pequenos apontamentos biográficos e cópias de fotografias e apercebi-me que este núcleo fotográfico dizia respeito aos Alves, família burguesa e abastada do bairro da Madalena em Chaves, que se ligou aos Montalvões através do casamento Ana da Conceição de Morais Alves (1881-1974) / José Maria Ferreira Montalvão (1878-1965) em 1903. A família Montalvão era antiga, com pergaminhos, vivia numa casa com pedra de armas e detinha extensas propriedades rurais, pelo menos à escala transmontana e os Alves eram burgueses ricos, de modo que através do casamento dos meus bisavós, juntou-se o nome ao dinheiro.




A primeiro fotografia data de 1916 e foi tirada na Foto Universal, na Rua da Cedofeita, no Porto e é um retrato de grupo dos Alves e dos Montalvões e identifiquei aqui a figura número 1, como a minha bisavô Aninhas (Ana da Conceição de Morais Alves), a nº 2 é o marido, o José Maria Ferreira Montalvão, com um certo ar de fidalgo marialva, a 3, é o seu sogro, o Francisco Luís Alves, que foi director do extinto Banco de Chaves, os jovem nºs 4 e 5, não os consegui identificar, a 6 é a tia Marica (Maria da Conceição Alves, 1876-1956), a tal senhora que viveu um amor contrariado com um jovem, que veio a ser o Monsenhor Alves da Cunha, o 7 é o irmão da Maricas e da Aninhas, o meu tio bisavô Luís da Conceição Morais Alves, advogado e que casou com a 16 de Janeiro de 1914 com Alice Júlia de Macedo de Andrade Couto Alves, a figura nº 8. Na correspondência contemporânea desta fotografia era designada pela família como Alicinha.

Luís da Conceição Morais Alves (8-12-1884/1-11-1931), meu tio bisavô

Há uns anos, no funeral da prima Lídia, no Porto, encontrei um senhor já de uma certa idade, descendente destes Alves, o primo Luís M. Alves de Oliveira, que conhecia o meu blog e estivemos a conversar sobre a história da família. Ocasiões tristes, os funerais têm sempre este lado social de permitir o reencontro de parentes que há muito que não se viam ou quem sequer se conheciam. Muito gentilmente o primo Luís M. Alves enviou-me algumas fotografias antigas dos Alves, acompanhadas de algumas explicações muito curiosas. Mas as imagens remetidas eram de péssima qualidade e como o primo tinha sido tão simpático, não tive coragem de lhe responder que nada daquilo poderia ser publicado no blog, mas o e-mail foi religiosamente arquivado.

Quando comecei a tratar deste núcleo dos Alves, tratei de recuperar este e-mail de 2013, com informações úteis e percebi, que tinha os originais de duas das tais fotos de má qualidade, que o primo me enviou.

Baptizado da pequena Antónia Amélia em 7 de Janeiro de 1915. Sem marca de fotógrafo

A primeira fotografia enviada pelo meu parente foi tirada por ocasião do baptizado da pequena Antónia Amélia, em 7 de Janeiro de 1915, primeira filha do casal, Luís Alves e Alice. O meu primo contou-me um pouco da história da família desta tia-bisavó, a Alice. O seu pai, que vemos ao centro na foto com um ar muito digno, era Cônsul do Brasil na Corunha e a tia Alice apesar de ter nascido no Porto, tinha nacionalidade brasileira. 


O meu tio bisavô Luís Alves com os Andrade Couto e as suas duas filhas pequenas. Sem data, nem marca de fotógrafo.

Na segunda fotografia, onde além da pequena Antónia Amélia, se encontra também a segunda filha do casal, a Elsa, constam ainda os irmãos da tia Alice, Carlos Couto, que trabalhou no Banco de Portugal na Av. dos  Aliados, no Porto e o João, que nas palavras do meu primo, era bon vivant, que levou a vida a viajar pelo Mundo. Segundo ainda o meu primo, a família da tia Alice era originária do Rio Grande do Sul, no Brasil.

Fiquei cheio de curiosidade, pressentindo que esta família da tia bisavó Alice, eram daqueles brasileiros de torna-viagem. Gente que partiu para o Brasil, regressou rica, abrindo negócios em Portugal, construindo casas imponentes, mas que mantinha um pé cá e outro lá, para cuidar dos seus interesses económicos nos dois países em simultâneo. Mas como poderia eu saber mais alguma coisa sobre esta família? 

Escrevi ao meu primo, pedindo mais elementos, mas não me respondeu e até fiquei inquieto, pensando se teria sobrevivido a esta pandemia horrível. Resolvi-me lançar numa busca desenfreada na net, nomeadamente nos catálogos arquivos distritais do Porto e Vila Real e percebi que teria que pesquisar pelo apelido de solteira da tia-bisavó Alice, Andrade Couto e de facto ao fim de umas quinze ou vinte tentativas, encontrei no Arquivo Municipal do Porto, um Termo declarativo de nacionalidade de João Ferreira de Andrade Couto, morador na Rua da Cedofeita, datado de 1909, em que naturalizava brasileiros seus filhos, Alice Júlia, nascida em 5 de Agosto de 1893 e Carlos, nascido em 13 de Dezembro de 1895, ambos na freguesia de Santo Ildefonso. Os dados coincidiam com a história contada pelo primo Luís M. Alves de Oliveira e resolvi consultar então no Arquivo Distrital do Porto, o ano de 1893, do livro de baptimos da Freguesia de Sto. Ildefonso, para saber mais sobre esta tia bisavô luso brasileira.


Alice Júlia de Macedo de Andrade Couto Alves (1893-1967)

Neste livro encontrei os seguintes dados, a Alicinha nasceu a 5 de Agosto de 1893, em Santo Ildefonso, Porto. Era filha de João Ferreira de Andrade Couto Júnior, bacharel em filosofia, natural de freguesia ignorada e de Júlia Macedo de Andrade Couto, natural da freguesia de S. Pedro, Rio Grande do Sul. Os pais residiam em St. Ildefonso, Porto. A Alice Júlia era neta paterna de João Ferreira de Andrade Couto e de Amélia Júlia Ferreira de Andrade e materna de Francisco José de Macedo e Maria Galvão de Macedo. Os padrinhos foram o Avô, João Ferreira de Andrade Couto casado, capitalista e Dona Ana de Macedo, solteira. Portanto, tudo continuava a bater certo, com os dados indicados pelo primo. 

Aproveitei e consultei igualmente, o Arquivo da Universidade Coimbra, onde há o registo da passagem do pai da Alice nos cursos de matemática e filosofia, onde é identificado como João Ferreira de Andrade Couto Júnior, natural do Rio de Janeiro. Este senhor tinha o mesmo nome do pai e por isso usava termo júnior, a seguir ao apelido, uma prática ainda hoje corrente no Brasil e rara em Portugal. Mas não parei e voltei ao Arquivo Municipal do Porto e descobri o testamento do avô da Alice, registado no Rio de Janeiro e que faleceu em 1894. O João Ferreira de Andrade Couto nasceu em Couto dos Cucujães, actual concelho de Oliveira de Azeméis em 7 de Janeiro de 1832 e deixou uma enorme fortuna, avaliada em duzentos e trinta contos de reis e que foi distribuída pelos seus 4 filhos.

Cônsul do Brasil na Corunha, João Ferreira de Andrade Couto Júnior posa com grande dignidade


Estes dados confirmaram o meu palpite de que estes Andrade Couto eram brasileiros de torna viagem e muito ricos. Também explicam que a primeira fotografia tenha sido tirada na Foto Fernandes, na Rua da Cedofeita, no Porto, pois estes Andrade Couto tinham por ali residência. É natural, que algum encontro de família, reunindo os Alves e os Andrade Couto e os Montalvões tenha ocorrido nessa casa do Porto e o momento foi celebrado com uma ida ao estúdio fotográfico, para ficar para a posterioridade. 


João Andrade Couto foi um bon vivant.

Também consegui identificar, os dois jovens janotas, presentes na primeira e última fotografia, o Carlos e o João Andrade Couto e perceber porque é este último foi um bon vivant. Dispunha de parte da fortuna, que o avô, João Ferreira de Andrade Couto acumulou nas terras do Brasil e entreve-se a goza-la. Quanto às duas senhoras mais velhas das duas fotografias, segundo o meu primo, aquela que consta duas fotografias, seria a sua bisavô, a Júlia Macedo de Andrade Couto, mulher de como João Ferreira de Andrade Couto Júnior, mas parece-me bastante mais velha que o marido. A doce senhora de cabelos brancos do segundo retrato não faço a menor ideia quem seja.

Júlia Macedo de Andrade Couto?

Enfim, para rematar, estes Alves, que se cruzaram com os Andrade Couto, viviam paredes meias com a casa de Chaves da família Montalvão, no bairro da Madalena. Conta-se até, que uns vinte ou vinte e cinco anos depois destas fotografias, a filha mais nova de José Maria Ferreira Montalvão e da Aninhas enamorou-se de um jovem, que os país consideraram indesejável. Mas, com a cumplicidade da tia Alice e de uma das suas filhas, a Elsa, o pretendente indesejado era recebido na casa dos Alves e ia para uma varanda de sacada e a um sinal qualquer combinado surgia da varanda da casa vizinha, a mais jovem filha dos Montalvões e os dois estavam ali uma ou duas horas, num verdadeiro namoro de janela.

A fotografias antigas têm sempre esta capacidade de contar histórias.

Esquema da genealogia dos Alves e Andrades Couto



Fontes consultadas:

Processo de inventário obrigatório, Luís da Conceição Morais Alves; Inventariante(s): Alice Júlia de Macedo de Andrade Couto Alves, 1931
Arquivo Distrital de Vila Real
CÓDIGO DE REFERÊNCIA
PT/ADVRL/JUD/TJCCHV/C-B/082/1061


Arquivo Municipal do Porto
CÓDIGO DE REFERÊNCIA
PT-CMP-AM/PUB/CMPRT/SG-SCN/161/A.PUB.2337


Livro de baptimos da Freguesia de Sto. Ildefonso, 1893
Arquivo Distrital de Vila Real
CÓDIGO DE REFERÊNCIA
PT-ADPRT-PRQ-PPRT12-001-0082_m0222


Documento/Processo, 1894/04/03 – 1894/04/03
Arquivo Municipal do Porto
PT-CMP-AM/PUB/ABOR/8/RT11873


João Ferreira de Andrade Couto Júnior
Arquivo da Universidade de Coimbra
CÓDIGO DE REFERÊNCIA
PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/014415

domingo, 5 de março de 2023

Um concerto no ano de 1901 em Chaves



Já aqui apresentei esta fotografia deliciosa de um grupo musical, composto por meninas da boa sociedade flaviense, tirada mais ou menos por volta de 1900. Entre elas encontram-se a minha bisavó Aninhas, Ana da Conceição de Morais Alves (1881-1974), facilmente reconhecível pelo ar de bonequinha de porcelana e a sua irmã, Maria da Conceição Alves (1876-1956), a tia Marica. Foi através da minha bisavó Aninhas que os Alves se cruzaram com os Montalvões, através do seu casamento com o meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão, em 28 de Julho de 1903. 

Em pé, segurando o que eu penso ser um bandolim, está a minha bisavó Aninhas. Sentada, com o violino a tia Marica

Ainda a conheci, uma avozinha muito doce, que sempre que a visitávamos, na sua casa de Chaves, nos perguntava sempre quereis bolachinhas e lá se levantava ela para ir nos buscar uma caixa de folha de Flandres onde nos servia umas bolachas, parecidas com as cavacas de Torres Vedras. A tia Marica viveu na juventude um amor contrariado e nunca casou. Segundo a história, que ainda corre na família, enamorou-se por um jovem de condição social inferior à sua, mas como não teve coragem de enfrentar o pai, repudiou-o, e o moço desgostoso fez-se padre e mais tarde tornou-se o célebre monsenhor Manuel Alves da Cunha, que tanta importância teve na cidade de Luanda. Já aqui contei essa história em 15 de Fevereiro de 2010. Deste grupo musical, há mais 4 jovens que eu até agora não identificava e um Senhor mais velho em pé, que certamente foi o mestre, que ensinava estas meninas e dirigia as suas actuações.

Na altura, em que escrevi sobre esta fotografia, acreditava que estas jovens fariam parte de um grupo amador, que animaria as soirées ou as matinées nas casas das boas famílias flavienses. Hoje creio que este grupo seria o Grêmio Musical Flaviense, de que encontrei notícia da sua existência dia 5 de Julho de 1890 no jornal, O povo de Chaves : folha do povo e para o povo e ainda em no ano de 1895, na obra História Moderna e Contemporânea da Vila de Chaves de Júlio M. Machado.

Mas, a identidade das outras 4 donzelas era um mistério para mim, até que ao vasculhar algumas fotografias, que trouxe de casa do meu pai, num núcleo respeitante à família Alves, encontrei um daqueles retratos fantásticos, que só os fotógrafos do passado conseguiam captar. Duas jovens na flor da vida com aquelas roupas complicadas, em voga por volta de 1900, posaram, encostando a cabeça uma na outra e olhando divertidas para a câmara. Reconheci-as quase de imediato com sendo duas das participantes da fotografia de conjunto do grupo musical. 



No verso, a foto apresenta uma dedicatória manuscrita às minhas dilectas amigas, como prova de muita amizade, que lhe dedicamos e em recordação dos nossos dias felizes, offerecemos Maria Adelaide Alves Carneiro, Maria José Dias de Carvalho, Chaves, 29-12-901



Não sei se a ordem com que assinaram corresponde a da foto e Maria Adelaide será a jovem de vestes de cor clara e Maria José a de cores escuras ou se assinaram aleatoriamente. Em todo o caso, é certo que as duas se encontram no retrato de grupo e como os vestidos são iguais, também é certo que as duas fotografias tenham sido feitas no mesmo dia, numa semana ou duas antes 29 de Dezembro de 1901, data em que fotografia foi dedicada às suas amigas, a Aninhas e a Tia Marica.

A Maria José Dias de Carvalho e a Maria Adelaide Alves Carneiro

Tentei saber um pouco destas duas jovens com ar tão simpático. Se da Maria José Dias de Carvalho não consegui encontrar nada, pois é um nome mais comum, a Maria Adelaide Alves Carneiro casou em 11 de Fevereiro de 1911 com Francisco Gonçalves Carneiro e foi a mãe de dois homens, que muito marcaram a vida de Chaves do século XX, do médico Dr. Mário Carneiro, grande dinamizador das termas daquela cidade e ainda do Dr. Francisco Gonçalves Carneiro, advogado, mas que se dedicou à história e a arqueologia e foi um dos responsáveis pela instalação do Museu da Região Flaviense. O Dr. Mário Carneiro era visita mais ou menos frequente da casa da minha avó Mimi e ainda me recordo vagamente dele, um homem com modos muito suaves. Aliás em Chaves, era conhecido carinhosamente pelo carneirinho.

Desta fotografia dos dias felizes em 1901, falta-me agora conhecer a identidade do mestre e ainda das outras duas jovens, que continuo sem saber quem foram e no que se tornaram. Talvez desse lado do monitor, haja alguém que tenha outra fotografia igual e que nos conte o resto da história.




Bibliografia e links consultados:

Livro de Casamentos, 1901, Arquivo Distrital de vila Real


História moderna e contemporânea da Vila de Chaves através das actas e jornais da época / Júlio Montalvão Machado. – Chaves: Grupo Cultural Aquae Flaviae, 2012

O povo de Chaves : folha do povo e para o povo. Chaves : Typographia Flaviense, 1890-1897

quinta-feira, 2 de março de 2023

Uma jovem bem comportada e uma fotógrafa menos bem comportada: retratos de família

Ana da Conceição de Morais Alves,

Todos aqueles que por aqui me acompanham, sabem que um dos temas recorrentes deste blog são os assuntos de história familiar. Publico fotografias, documentos e cruzo esses dados, com o que subsistiu na memória da família de acontecimentos ocorridos há 100 ou 150 anos. Alguns pensarão que são temas que só interessam à minha família e nem entenderão porque é os divulgo na net. Mas a história de uma família é feita de contactos sociais, profissionais e comerciais através de cartas ou de ainda troca de fotografias. No fundo, a história familiar é também a tentativa de reconstituição de uma rede social de uma região ou de um meio profissional e o seu interesse ultrapassa o mero estudo genealógico.

Precisamente a propósito das fotografias antigas, que aqui tenho publicado, por estes dias, troquei uma série de e-mails com Catarina Miranda, uma investigadora que está a desenvolver um projecto sobre uma mulher fotógrafa, uma tal Ana Maria Magalhães Rodrigues, activa na zona de Chaves nos finais do século XIX e inícios do século XX. Fiquei muito curioso, porque enfim, uma mulher fotógrafa era coisa rara. Naqueles tempos não havia muitas profissões sérias que uma mulher burguesa pudesse exercer para além de modista, capelista, chapeleira, professora primária e pouco mais.

Fui então verificar se nos álbuns carte-de-visite do meu trisavô e bisavô existiria algum retrato feito por Ana Maria Magalhães Rodrigues (1869-1937), mas nada encontrei. Contudo, tenho algumas provas em papel de outros retratos de família antigos, impressas a partir de um CD, com fotografias feitas pelo meu irmão sobre retratos antigos, que há cerca de vinte anos ou mais estariam em casa da minha tia Natália. E com efeito, descobri um retrato da minha bisavó Aninhas, muito jovem, cuja prova está marcada A. Rodrigues!

Ana da Conceição de Morais Alves. Fotografia A. Rodrigues


Pela indumentária e também por aquele ar de quem ainda espera tudo da vida, sempre achei que esta fotografia tinha sido tirada antes do seu casamento com o meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão, em 28 de Julho de 1903. A minha bisavó, Ana da Conceição de Morais Alves, nasceu em 28 de Maio de 1881 e neste retrato teria à volta de uns vinte anos. É certo, que sempre teve um certo ar de bonequinha de porcelana, que a fazia parecer mais nova.

Foto retirada de Ana Magalhães Rodrigues (1869-1937): a descoberta de uma fotógrafa portuguesa. / Nuno Resende. 2002


Consultei alguma informação disponível na net sobre esta fotógrafa Ana Maria Magalhães Rodrigues, e a sua actividade em Chaves está documentada precisamente a partir de 1903, através de um anúncio de jornal O Flaviense, de que se encontra em Chaves a conhecida fotografa Anna Magalhães Rodrigues, tendo montado o seu atelier, na rua da cadeia, nº 44, aonde todas as pessoas, que desejem utilisar-se dos seus serviços podem procura-la.. A minha bisavó nasceu e foi criada em Chaves e é pois natural que tivesse mandado fazer o seu retrato em 1903 no atelier da Ana Magalhães Rodrigues, quem sabe até se não seria para oferecer ao seu noivo, o José Maria Ferreira Montalvão, com quem casou nesse ano.

Confesso que esta hipótese é a que agrada mais, o retrato da minha bisavó Aninhas, ter sido tirado, pela Ana Magalhães Rodrigues, indiscutivelmente uma mulher à frende do seu tempo, bonita e com uma vida aventurosa. Foi modista, fotógrafa, andou pelo Brasil, casou duas vezes e tinha licença de porte de armas!


Contudo Ana Magalhães Rodrigues, antes de ter instalado o seu atelier em Chaves, na antiga rua da Cadeia, hoje rua Bispo Idácio, esteve em Pedras Salgadas com o seu marido, Augusto Rodrigues, também fotógrafo, de cujo trabalho há notícia nessa zona antes de 1900, nomeadamente o retrato de uma criança, assinado A. Rodrigues. Aliás terá sido com este marido com quem Ana Maria terá aprendido o mester da fotografia. Divorciaram-se em 1900 e em 1903, Ana Maria encontrava-se a trabalhar em Chaves onde ficou até 1907.

Em suma a fotografia da minha bisavó poderá ter sido feita em Chaves, em 1903, no atelier da Ana Magalhães Rodrigues, ou então em Pedras Salgadas ou Vidago, em 1900 ou um pouco antes por Augusto Rodrigues.

O meu trisavô Francisco Luís Alves, referido na imprensa flaviense como um capitalista

O meu trisavô, o Francisco Luís Alves era um homem abastado, um capitalista, como é referido na imprensa flaviense e era natural, que levasse a família passear a Pedras Salgadas ou a Vidago, estâncias termais, onde já existia um ambiente mundano e numa tarde tivesse aí mandado fazer um retrato da sua jovem filha casadoira no estúdio de Augusto Rodrigues, por volta de 1889 ou 1900.

A única forma de eu resolver esta dúvida e seria poder examinar o verso da fotografia, para ver se contém alguma dedicatória datada, ou impresso por extenso o nome do autor do retrato. Mas não sei do paradeiro do original desta fotografia e fica o problema por resolver.

Em todo o caso, tudo isto serviu-me para conhecer a existência da bela Ana Magalhães Rodrigues e certamente a minha bisavó ter-se-á cruzado muitas vezes com ela nas ruas de Chaves ou Vidago ou ainda em Vilar de Nantes, onde a fotógrafa se retirou, e onde a irmã da minha bisavó, a Maria da Conceição Alves dirigia o patronato de S. José para crianças pobres.

Ana da Conceição de Morais Alves


Ligações consultadas;

Ana Magalhães Rodrigues (1869-1937): a descoberta de uma fotógrafa portuguesa. / Nuno Resende. 2002

Manuscrito não publicado (preparado para submissão). Disponível em https://www.researchgate.net/



E um agradecimento especial a Catarina Miranda