Tomei a decisão de ir fotografando as alminhas do Purgatório que encontrar, de modo a fazer uma espécie de ficheiro desta devoção de natureza macabra, mas cujas imagens são contraditoriamente cheias de ingenuidade e graça. Por exemplo, as primeiras alminhas que apresento, fotografei-as em Estremoz, à saída do Castelo, no início da Rua Direita. À semelhança de outros registos de azulejos do século XVIII que já mostrei aqui, apresenta um casal a arder no purgatório, com a inscrição PNAVEMª na parte inferior (Padre Nosso, Ave Maria).
Finalmente, já na estrada que leva de Sousel a Avis, encontrei uma capelinha encantadora isolada no meio de um chaparral, dedicada ao Senhor das Almas. O ambiente à volta com aqueles enormes sobreiros centenários empresta à capela um ar de santuário druídico, onde as almas cessantes vagueiam. Nas suas paredes está também um registo de azulejos, já moderno, provavelmente uma obra da Viúva Lamego, mas inspirado na melhor tradição do século XVIII.
Neste painel, a senhora apresenta uns seios bem desenhados, um cabelo penteado e um rosto bonito com uma expressão, que se diria quase feliz. O seu pensamento parece ser finalmente deixei o meu marido, o chato do António e estou aqui neste inferno escaldante na companhia do meu amante, o Rudolfo. A arte portuguesa do século XVIII tem sempre um certo ar intimista, galante, por vezes quase jocoso.
Depois numa pequena localidade à saída de Estremoz, S. Bento do Cortiço voltei a encontrar nas paredes da igreja paroquial umas alminhas, também do século XVIII, mas num formato diferente do anterior.
Depois numa pequena localidade à saída de Estremoz, S. Bento do Cortiço voltei a encontrar nas paredes da igreja paroquial umas alminhas, também do século XVIII, mas num formato diferente do anterior.
O registo é formado por um crucifixo e na sua base estão novamente o homem e a mulher a arder nas chamas do purgatório. A simbologia é óbvia, se os caminhantes rezarem um Padre-nosso Ave-Maria, Cristo conseguirá transportar as alminhas para o céu.
Finalmente, já na estrada que leva de Sousel a Avis, encontrei uma capelinha encantadora isolada no meio de um chaparral, dedicada ao Senhor das Almas. O ambiente à volta com aqueles enormes sobreiros centenários empresta à capela um ar de santuário druídico, onde as almas cessantes vagueiam. Nas suas paredes está também um registo de azulejos, já moderno, provavelmente uma obra da Viúva Lamego, mas inspirado na melhor tradição do século XVIII.
Olá Luís
ResponderEliminarMais um post extraordinário sobre Alminhas.
Viajei consigo até Estremoz, há que tempos que lá não vou, a cidade é lindíssima, costumo ir ao sábado de manhã cedo para passar na feira de velharias. Gosto dos sotaques, dos espargos e sobretudo do ensopado de borrego , uma delícia, depois uma caminhada até ao castelo, ao meio da escadaria um antiquário cigano, gosto de farejar a casa sob o comprido com tudo amontoado. A vista é deslumbrante, que dizer da pousada e do café com tochas numa decoração medieval...lindo!
Fiquei com vontade da próxima vez fazer o trajecto de Sousel até Avis, como referiu, não conheço e sendo esta última cidade o ex-libris do giro do meu avô materno que por lá andava na companhia do seu macho e carroça a abarrotar de fardos de serrubeco, cotim, chita da tabela, riscado de Santo Tirso, cobertores de Vizela e de papa da Guarda...
Ainda me despertou para uma irreverência!
Há anos fotografei um painel em azulejo no palácio da Cerca em Almada muito parecido com o que mostra tirado em S. Bento do Cortiço.Passei o molde para cartolina e ando com uma ideia fisgada de pregar uma partida à minha sogra que por ser Jeová de cruzes nada gostar, eu dela pouco ou nada... gosto de cruzes!
Imaginei colocar o painel por cima da porta da adega da casa rural. Pensei desenhar o molde e picar o cimento.
Vai ficar à vista a pedra que só por si dará o efeito desejado, mas tenho uma vontade de o encher com os caquinhos de faianças, o que me diz?
Desculpe abusar...
Beijos
Isabel
Luís
ResponderEliminarAcho muito interessante essa ideia de ir fazendo um inventário das alminhas do Purgatório, que vai encontrando.Eu vou fazendo o mesmo, aqui pelo norte.
Observando umas e outras,consegue-se perceber algumas diferenças. Os materiais por exemplo, mas essa, tem explicação óbvia.
A que me intriga mais é que, as alminhas que nos mostra, são sempre "encastoadas" numa parede. Aqui, predominam as alminhas com casa própria, ou seja,estão colocadas num nicho, autónomo em relação a qualquer edifício. Bem sei, que as "minhas" alminhas, são todas rurais. Hei-de abrir bem os olhinhos, quando andar pelas cidades nortenhas,para ver se alguma coisa muda.
Bem, deveria ter começado por dizer que são lindas as "suas" alminhas", ou não estivesse presente o azul,o azul, e o contraste com o branco. Perfeito.
Perfeita também a especulação sobre o chato do António e, quem sabe, o charmoso Rudolfo :)
A capelinha que fotografou é uma jóia.Sempre me maravilhei com os remates arabescos utilizados aí no sul, nas construções tradicionais.
Um abraço
Maria Paula
Pois, lá isso é verdade, nas primeiras alminhas (sei que serei um candidato ao Inferno depois de escrever o que vou escrever, mas ... vou arriscar!) o casal parece que se olha de forma concupiscente, libidinosa ... são sinónimos, sei, mas fico de tal forma surpreendido pelo olhar deles, ao contrário do ar contrito dos outros!
ResponderEliminarA questão da Maria Paula é muito pertinente e vou pedir desculpa ao Luís para tomar a liberdade de tecer um pequeno comentário.
Ainda que esta forma encastrada seja mais vulgar, creio ser possível encontrar os dois tipos de alminhas por aqui, mas o encastrado, parece ser mais apelativo, pois dificilmente tenho encontrado as outras, as com "casa própria", em estado "de graça", ou que mereça fotografia.
Normalmente, as que encontro, individualizadas, já foram tão massacradas com santos e santas modernas, flores de plástico e azulejos horrendos feitos por um qualquer "jeitoso" ... só se salva mesmo o local onde estão, isto é, o nicho propriamente dito, que ainda conserva algo da ingenuidade inicial ... mas o resto é para esquecer!
Como é possível conservar a fé com este tipo de "assassínio" público (e o que é pior é que parece que são as próprias populações que mais gostam delas, pois são elas próprias que participam na sua feitura!).
Manel
Cara Maria Isabel
ResponderEliminarEstremoz é de facto uma terra com um centro histórico muito bem preservado. Os autarcas daquela cidade estão de parabéns, Tb me encanto com o sotaque do Alentejo e sobretudo com humor daquela gente, ao qual sou extremamente sensível. Estas alminhas foram fotografadas logo à saída do Castelo.
Deixe lá a sua sogra testemunha de Jeová em paz e não lhe faça tal partida. Olhe que normalmente nessas seitas não tem o sentido de hummor dos alentejanos.
Beijos
Manel e Maria Paula
ResponderEliminarDe facto no Alentejo não tenho encontrado alminhas em casa própria, talvez porque tenha andado mais em vilas e cidades e menos em aldeias.
No Norte e Centro, já vi essas tais alminhas em casa própria e como o Manel refere, são regra geral um susto, pois foram estragadas, apirosadas e sei lá que mais.
Mas a questão da Maria Paula continua em aberto. Será que há de facto diferenças regionais? No Alentejo e Óbidos, encastoam-nas e no Norte e centro fazem-lhes pequenos templos? Reconheço-me que não sei dar resposta a pergunta.
Abraços a todos