terça-feira, 2 de novembro de 2010

Prato Davenport com decoração “Blue Feather Edge”


Herdei este meu prato de sopa da minha avó Mimi. Provavelmente veio de Outeiro Seco e terá feito parte de um serviço grande, daqueles que eram colocados em mesas onde comiam famílias com 15 ou 16 pessoas. Como toda gente sabe, as irmandades eram grandes e além da família nuclear vivia sempre na casa uma afilhada, um Avô e uma ou duas tias solteironas. Era este o cenário em Outeiro Seco e em quase todas as casas abastadas de Portugal ao longo do século XIX e na primeira metade do século XX. Dessas refeições animadas, com dois pratos, um de carne e outro de peixe e servidas por criadagem, restou apenas este prato, como se fosse ele próprio um símbolo do empobrecimento da família e da minha própria pelintrice.

Tive-o muito anos guardado num armário sem saber que destino lhe dar. Depois, um dia o Manel voltou da Feira-da-ladra e disse-me que tinha visto uma série deles à venda, marcados Davenport. Corri para o meu prato (ou vá lá, andei um pouco mais depressa), virei-o mas não consegui lá ler Davenport. Via uma âncora e lia port no final. Fiz como a pobre Maria Paula e a sua bela terrina com concha, escureci a marca com cinza, mas em vão, não consegui ler mais nada. Desisti de a identificar e pendurei-a na cozinha, a vigiar os meus cozinhados.

Só há uma semana, quando em casa do Manel, andei a ver a colecção de louça inglesa e tirei uma travessa da parede, Davenport, com o símbolo da âncora, percebi que o meu só podia ser daquela célebre fábrica inglesa, que laborou em Longport, na região de Staffordshire entre 1785 e 1887.


Travessa Davenport no http://www.aspireauctions.com/



Fui ao google, claro, fiz umas pesquisas aqui e acolá e descobri imediatamente uma travessa do mesmo motivo, que o meu prato num site americano de antiguidades, o http://www.aspireauctions.com/, com uma marca também semelhante à minha.



O Manel encontrou no site http://www.thepotteries.org/mark/d/davenport.html uma marca idêntica a esta, que permitiu-me datar o prato entre 1810-1825.
Julgo também que esta faiança é dum tipo, que os ingleses designaram por Pearlware, uma mistura especial que tentava imitar a porcelana, mas eu confesso que tenho dificuldade em entender estes processos quimícos e portanto abstenho-me de os explicar aqui.

Como nota, é curioso observar que a loiça inglesa do século XIX é valorizadíssima nos sites americanos de antiguidades e vendida a preços elevados, enquanto que em Portugal, até se consegue compra-la por valores aceitáveis.

Travessa com motivo semelhante da Adams


Também conclui que este motivo Blue Feather Edge, que em português dá qualquer coisa estranha, como extremidades azuis de plumas, ou borda de plumas azuis, foi fabricado por mais casas inglesas, como por exemplo a Adams. O motivo também é conhecido por Shell-edged e foi imitado por fábricas portugueses conforme referencia o Itinerário da faiança do Porto e Gaia / Museu Nacional de Soares dos Reis . – Lisboa: IPM; 2001

15 comentários:

  1. O pearlware, chamado no Brasil do século XIX de “perolado”, é resultado da busca por uma faiança fina mais clara e branca, com produção iniciada por volta de 1779, creditada igualmente a Josiah Wedgwood (sob o termo “pearl white”). Este vidrado, que é predominante no século XIX, representa uma série de mudanças tecnológicas que ocorreram na indústria inglesa no começo deste século e que continuaram ao longo do tempo. A impossibilidade de clarear ainda mais a pasta (que vai depender da cor da matéria-prima) resultou num esforço para clarear o vidrado, que teve adicionado à sua fórmula óxido de cobalto. O acúmulo de maiores porcentagens deste vidrado em partes angulosas resultaria, após a queima, numa coloração azulada que variará em tonalidade em relação à porcentagem de cobalto no vidrado. Em geral, tem-se que quanto mais claro o azulado, mas para o final do século XIX é a peça.

    em "Louça branca para a Paulicéia: arqueologia histórica da fábrica de louças Santa Catharina / IRFM - São Paulo e a produção da faiança fina nacional (1913-1937)"
    por Rafael de Abreu e Souza, 2010

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  2. Carop Fábio

    Obrigado pela sua explicação técnica, que eu não consegui fornecer. Sabe sou de Letras e as partes tecnológicas nunca são comigo.

    Abraço e volte sempre

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  3. Realmente é muito difícil dominar toda esta nomenclatura q os ingleses foram inventando à medida que iam experimentando novas fórmulas para novas pastas de cerâmica. Earthenware, creamware, pearlware, prattware, stoneware, ironstone, são tudo termos que designam faiança, mais ou menos branca, mais ou menos fina, mais ou menos resistente, e é, para nós leigos, difícil saber a diferença.
    Sei q tenho um pratinho "green feather edge" com a marca Davenport bem gravada, a âncora em cruz com a palavra Davenport em arco por cima. É em creamware, uma pasta amarelada cor de natas espessas, daí o nome. Curiosamente, para além dos riscos q formam a penugem da orla, tem mesmo umas penas de quando em quando. Na altura em q o comprei e andei a investigar sobre ele, datei-o de 1810-1825.
    Um abraço
    Maria A.

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  4. Olá Luís
    O prato de sopa da sua avó Mimi, é delicado, simples que a encantadora bordadura crispada em azul lhe confere. Pena que o tivesse guardado tanto tempo, e agora onde será que o vai colocar?
    Sei que a casa é pequena, mas vai arranjar um lugar de destaque, não vai?
    Admirável naquele tempo o uso de porcelana inglesa nas mesas por terras nos confins de Trás os Montes, gente muito requintada e de fino gosto os seus antepassados.
    Talvez influências dos ingleses que se instalaram ao longo do Douro na produção do vinho do Porto.
    Uma sorte só de alguns ter uma ascendência de estirpe,de valores que vivem em memórias deliciosas que extravasam a minha imaginação pela sumptuosidade desses tempos que adoraria ter vivido...sou um nikito para o conservador, que fazer!
    Beijos
    Isabel

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  5. Prato bonito este. Bem te disse que era Davenport! Singelo e com uma forma muito elegante.
    A Davenport produziu este modelo desde as primeiras décadas do século XIX (que eu saiba), e ainda o produzia por volta do 3º quartel do século, pois vou encontrando peças com marcas que datam dos 1860's e mais.
    Eram produzidas por fábricas originárias do Staffordshire e Leeds e o seu destino era maioritariamente o mercado dos Estados Unidos.
    Conhecidos como "Feather Edge Ware" ou "Shell Edge Ware", tinham a base mais branca ou amarelada, consoante a constituição da pasta (tal como tu não entendo muito da mágica da cerâmica, limito-me a repetir o que leio ou oiço, mas gostei muito da explicação que aqui deixou o Fábio).
    As peças mais antigas com este motivo, possuíam impressas na pasta, e ao longo das bordas, formas que sugerem penas, que o teu prato não possui, mas que se podem ver na última travessa, sendo mesmo até mais salientes em alguns modelos ou fabricos.
    Quanto à cor azul, é uma das que ornamentava estas peças, pois creio que, segundo sei, foram produzidas também em verde e vermelho (não sei se haverá noutras).
    A marca da tua peça parece estar mais de acordo com o período de 1810-1825, mas é difícil assegurar, mas verifica este endereço e compara
    http://www.thepotteries.org/mark/d/davenport.html
    Manel

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  6. Cara Isabel.

    Tenho pouca louça inglesa e a pouca que possuo está na cozinha, ao lado da de Sacavém. Portanto este pratinho, encontrou lá o seu lugar. Talvez quando estas criaturazinhas que nos governam saiam do poeiro e o País reencontre algum bem estar, eu possa comprar uma casa maior onde as faianças possam ter o destaque devido.

    Beijos

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  7. Luís, volto aqui para lhe chamar a atenção para um pormenor da marca Davenport q aqui reproduziu. A marca do seu prato, como também do meu "feather edge" e de outros q eu tenho, pode ser deste período mas não é essa âncora. Repare q ela está desenhada um pouco de lado e tem a palavra Davenport escrita em maiúscula inicial e depois letras minúsculas. É o q eles designam por "upper e lower case letters", logo nas primeiras marcas do quadro do site "potteries". Penso q a sua marca é das terceiras do quadro, com a âncora mais em cruz. Voltei ao site, q consulto muito, para comparar marcas por ter comprado mais umas peças este fim de semana e reparei nestes pormenores.
    Boa semana de trabalho.

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  8. Quando falo no quadro, obviamente refiro-me ao quadro referente à marca Davenport.
    Um abraço

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  9. Cara Maria Andrade

    Você quer dar-me cabo da vista e olhe que eu já estou cegueta. De facto andei a comparar as duas imagens em simultâneo, abri muito os olhos, esbugalhei-os, depois franzi-os e finalmente tirei os óculos e colei-os ao ecran do computador e talvez a minha âncora tenha uma pontinha no final, que a torne mais semelhante à terceira marca constante da tabela. No fundo o meu primeiro palpite estava certo, primeira metade do século XIX

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  10. LOL!!!
    Sabe q eu tenho a mania das marcas e das datas de fabrico e também dou cabo da vista de lupa em riste a tentar descobrir pormenores...
    Afinal, o q era mais importante salientar aqui é q há a marca Davenport escrita com minúsculas e DAVENPORT com maiúsculas e a primeira é mais antiga do q a segunda, de acordo com aquele site.

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  11. Luís,
    Muito obrigada. :)
    A minha terrina tem um símbolo igual ao seu prato. Desvendou o mistério.
    Nunca tinha reparado na gravação. Procurei um símbolo mas nunca havia dado com a âncora e o Davenport.
    Se não fosse a sua intervenção ainda estava por descobrir este símbolo.
    Gosto sobremaneira do seu blogue e dos seus apontamentos.
    bem haja!
    Um abraço. :))

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  12. Cara Ana

    Fico muito contente que este post tenha a ajudado a identificar a sua terrina.

    Um abraço

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  13. Boa tarde Luis,
    Dei com o seu blog por acaso pois andava aqui a tentar descobrir a marca de uma travessa que comprei há uns dias.
    A travessa tem as mesmas marcas gravadas (a âncora e as letras ) mas tenho alguma dúvidas que seja realmente Davenport.
    A âncora realmente parece-me ser da Davenport, mas as letras gravadas na pasta deixam-me muitas dúvidas pois são MRSJORT ( J que poderá ser P ).
    Pode esclarecer-me quanto a esta questão ou onde tirar dúvidas quanto à marca real da travessa?
    Muito obrigado.

    Manuel

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  14. Manuel

    O melhor site para descobrir marcas de louça inglesa é o http://www.thepotteries.org.

    As marcas de Davenport estão em http://www.thepotteries.org/mark/d/davenport.html.

    Contudo, mais que uma fábrica usou a âncora como símbolo.

    Um abraço e boa sorte

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  15. Obrigado Luis.
    Já tinha visto o site que me indica mas não conclui nada. No entanto revi de novo, agora, e mais uma vez não aparece nada semelhante.
    Tenho pena de não lhe poder enviar uma foto da marca e do motivo da travessa, que apenas encontro semelhante na CJ Shaw e na Brownfield (Grecian Statu).
    Talvez seja de um fabricante "menor" e vou ter alguma dificuldade em identificar.
    Renovo o agradecimento.
    Cumprimentos.

    Manuel


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