terça-feira, 25 de outubro de 2011

A Vista Alegre e o Vieux Paris

A última aquisição que quase me fez esquecer o roubo dos subsídios de férias e Natal

A semana passada comprei mais uma peça do serviço daquela cafeteira, com florinhas, que mostrei aqui recentemente. É uma chávena de chá e portanto a cafeteira será afinal uma leiteira. Foi muito barata, pois está partida e colada, mas fiquei muito feliz na mesma e até me esqueci por uns momentos dos subsídios de Natal e Férias, que me roubaram.



Depois ao longo desta semana andei a vaguear pelos sites franceses, a entrar nas páginas dos antiquários, dos brocanteurs (casas de velharias) e nas enchéres (os leilões). Estive a fazer umas pesquisas sobre Porcelana de Paris, pois suspeito que uma outra cafeteira que comprei há uns tempos será uma peça Vieux Paris e queria confirmar com provas essa suspeitas.

No meio dessas navegações todas, consegui confirmar outra suspeita que também já há muito que alimentava. A Vista Alegre na sua fase inicial seguiu muito de perto os modelos da porcelana de Paris. Uns amigos franceses, que se interessam também por velharias e loiças já me tinham alertado para a semelhança entre os formatos e as decorações florais da Vista Alegre e as produções do chamado Vieux Paris
O serviço de chá Vieux Paris

E de facto num site de antiguidades o http://www.proantic.com   descobri um serviço de chá decorado com umas florinhas muito idênticas às minhas peças da Vista Alegre. Há apenas aqui e ali umas diferenças, como as asas das chávenas, pois as francesas fazem um caracol mais acentuado no topo. Mas num primeiro olhar, é quase difícil dizer o que português e o que é francês.



A chávena Vieux Paris

A chávena VA

Para quem não saiba, a chamada Porcelana de Paris ou Vieux Paris, não corresponde a única marca específica. É uma designação genérica que cobre a produção de uma série de fabricantes e decoradores de porcelana estabelecidos em Paris, entre os finais do XVIII e a primeira metade do século XIX. Essas casas tanto podiam fabricar a porcelana como comprar peças em branco, normalmente em Limoges e pinta-las depois.

A Vista Alegre inspirou-se muito directamente nos motivos florais e nas formas do Vieux Paris, o que não era nada de espantar, pois a cidade da luz era o centro europeu de todas as modas, que eram copiadas sem complexos de Lisboa a St. Petersburgo.
o número da chávena

Também a Vista Alegre parece ter herdado uma das características da produção do Vieux Paris, o sistema de numeração, que cada artificie tinha para marcar as suas peças. Afirmo isto baseado na observação que fiz das 3 peças que tenho, deste serviço, a chávena, o pires e a cafeteira. A chávena apresenta no reverso o número 7, o pires o nº 8 e a cafeteira o 18. Estes números não se podem reportar à decoração, pois ela é sempre a mesma. Ao molde e ao tempo de cozedura também não, porque andei a espiolhar o verso das chávenas, que deixei na loja e os números eram todos diferentes. Portanto só resta a possibilidade de estes números serem uma espécie de assinatura, que os artificies deixavam nas suas obras, como forma de controlarem o número de peças produzidas e de os seus superiores puderem identificar pelo número, quais eram os trabalhadores virtuosos e quais eram os mais trapalhões.



o número da cafeteira

11 comentários:

  1. Olá Luis,
    LINDA xícara, excelente pesquisa, resultado, um delicioso post! parabéns por tudo isso, e obrigado pelo prazer em ler este post.
    Se ajuda nas suas suspeitas, eu soube pelo Sr. Zezito Teixeira, cujos pai e tio vieram na década de 1920 da Fábrica Vista Alegre para o Brasil, para serem técnicos na primeira fábrica de porcelana aqui no Rio de Janeiro, que seu pai, embora desde moço tenha trabalhado como decorador na Vista Alegre, teve sua formação como pintor feira em Sèvres, e não na p´ropria Vista Alegre. O próprio sr. Zezito, quando foi fazer sua formação, foi mandado por seu pai também para Sèvres, onde aprendeu modelagem e pintura. O pai do sr. Zezito deve ter feito sua formação pela virada do séc 19 para o 20, o início do 20, então, parece que esta relação com a porcelana francesa mesmo já no ´sec. 20 ainda era forte.
    abraços (e até breve, em Liboa!)

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  2. Caro Luís
    Adorei esta sua última aquisição e todo o posterior trabalho de investigação que tão bem nos relata aqui.

    Tem toda a lógica o seu raciocínio sobre o sistema de numeração que descreve. Pois se a Vista Alegre se inspirou nas decorações do Vieux Paris, é natural,que também o tenha imitado,noutros "modus operandi". E com a achega do Fábio, tudo parece encaixar.
    Um abraço

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  3. Fábio

    Obrigado pelas tuas informações, que ajudam a perceber um pouco melhor a produção desta fábrica. Confesso que fiquei um bocado supreendido com as semelhanças, mas de facto a porcelana francesa tinha muito prestígio por toda a Europa e os países latinos tinham uma enorme empatia cultural com a França, que não sentiam pela Alemanha, terra de grandes tradições na porcelana.

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  4. Cara Maria Paula

    Aos poucos vai-se tentando encontrar o fio à meada e perceber como é que estas decorações nascem. E é verdade que este espírito de tertúlia quer aqui fazemos no blog incentiva à descoberta.

    No entanto, a explicação dada para o sistema dos números é uma hipótese.

    Abraços

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  5. Pois, este sistema de números que nos aparece nas partes posteriores das peças sempre me intrigaram, pois alguns têm a ver com os números atribuídos às decorações, outros com o dimensionamento da peça, outros ainda estão relacionados com informação sobre partes técnicas de tempos de cozedura, sobretudo quando relacionados com protótipos, outros ainda com a identificação de pintores e outros intervenientes no fabrico das peças e também sei que é possível encontrar estes digitos na numeração de serviços/peças, quando estes têm tiragens limitadas.
    Tudo se coloca ali, alguma dessa semiótica, quase cabalística, deve ser preciosa e informativa, mas para mim, leigo, são ainda um mistério, sobretudo a destrinça entre o que se referem a um ou a outro tipo ... sinto-me perdido.
    Mas gostei muito da tua pesquisa.
    Têm alguma razão os vendedores quando vendem qualquer peça que a mim me parece Vista Alegre de novecentos, mas, por não estarem marcados, vem logo o juízo, tipo sentença: "É francês!" ... e aproveitam logo para extorquir mais uma centena de euros!
    Já não irei contradizê-los ... mas continuarei a deixá-los onde os encontrei.
    Achei muito curioso o que o Fábio refere, e é algo que eu adivinhava, apesar de não ter a certeza: que as principais fábricas de produção de faiança e porcelana, talvez porque contratar um mestre estrangeiro seria um encargo muito oneroso, enviavam os seus próprios artesão para o exterior para que estagiassem/aprendessem junto de quem era mais conceituado/desenvolvido em termos europeus.
    Quanto à tua cafeteira/verseuse, não me custa nada acreditá-la como sendo Vieux Paris, pois a sua qualidade, beleza e elengância decorativa assim o leva a crer.
    E aquele vidrado transparente e o branco leitoso da pasta, também assim o levam a acreditar, mas na Europa do século XVIII/XIX, várias manufacturas existiam que se tentavam copiar ou seguir de próximo nas suas produções sendo que, não raro, e à semelhança do que se passava em Portugal, também é fácil tomar uma produção de uma fábrica como sendo de outra, se as peças não estiverem marcadas!
    Devido à foto que apresentas do serviço de chá Vieux Paris, creio que descobri que um açucareiro que por aqui anda por casa deve ser seguramente Vieux Paris.
    A pouco e pouco, ainda que não hajam certezas, pelo menos começam a perfilar-se hipóteses mais ou menos credíveis de origem
    Manel

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  6. Manel

    A identificação das peças faz-se por tentativas. Pesquisa-se aqui e acolá e aos poucos faz-se luz, outras vezes ficamos ainda mais confundidos.

    Mas efectivamente podemos afirmar que há produções da Vista Alegre e do Vieux Paris que se poderão confundir e que a Vista Alegre seguiu de perto os modelos da porcelana de Paris.

    Quanto aos números vou estar atento de futuro, para ver se esta minha teoria se confirma.

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  7. Olá Luís,
    Ufa, estava a ver que nunca mais conseguia vir aqui!
    (O meu computador tem andado lentiiiinho... paradiiiinho...)
    É que este seu post tem muito que se lhe diga!
    Em primeiro lugar, só não lhe dou os parabéns pela compra da chávena porque acho que devia ter comprado logo duas - uma pelo subsídio de
    férias roubado e outra pelo subsídio de Natal roubado :)
    Mas fora de brincadeiras, se havia mais chávenas iguais na loja, acho que era de comprar ao menos duas, uma vez que tem a cafeteira... e podem aparecer outras peças...
    Toda esta investigação que fez só veio confirmar o que já todos suspeitávamos, isto é, que não podemos confiar nestas formas de chávenas e pires, nem nas decorações, para as atribuirmos à Vista Alegre. É por isso que eu vou colocando os pontos de interrogação à frente do Vista Alegre quando as peças não são marcadas…
    Lembro-me sempre que fiquei muito surpreendida uma vez em Praga quando vi uma chávena e pires destas facetadas e com uma decoração semelhante a umas que eu tenho não marcadas e já mostrei num post, como sendo de fabrico checo. Só comecei a acreditar que as minhas podiam ser V.A. depois de ver a mesma decoração e forma semelhante no Museu da Vista Alegre. Mas a minha leiteira é tal e qual a que apresenta aqui do serviço francês.
    Mais: recentemente vi num post da minha seguidora alemã Johanna fotografias de um conjunto de chá individual com tabuleiro, que ela fotografou num museu dedicado às rosas e portanto tinha uma decoração de rosas, mas os moldes das peças são exatamente os mesmos dos deste serviço francês, à exceção da forma das asas que são tal e qual as da Vista Alegre. Na legenda o serviço, que não sei se tem marca, é atribuído à manufactura russa Popov. E esta hein?
    Conclusão(?): durante algum tempo, talvez várias décadas, este tipo de formato foi moda em toda a Europa. Agora saber qual foi a origem é que já não me atrevo a assegurar, mas o Velho Paris é uma boa hipótese.
    Um abraço

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  8. Veja o tal serviço russo Popov neste post:

    http://silber-rosen.blogspot.com/2011/10/ein-museum-fur-rosenfreunde-teil-1.html

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  9. Maria Andrade

    Encontro as suas palavras muito acertadas. Doravante, vou pôr um ponto de interrogação em que tudo o que não está marcado VA, muito embora esta chávena e respectiva cafeteira, serão efectivamente da Vista Alegre, pois a cafeteira é em tudo idêntica à outra, que aparece na foto, marcada VA.

    Mas, tenho outras peças com outros motivos decorativos, que acreditava serem VA e hoje começo a pensar se afinal não serão Vieux Paris.

    Paris era o centro das modas e as fábricas de toda a Europa copiavam os modelos franceses e como o Fábio muito bem apontou, as direcções mandavam os seus pintores fazer estágios em França. Encontramos assim modelos semelhantes produzidos em Paris, Praga, Lisboa, Viena ou em St. Petersburgo.

    Claro, por razões de proximidade geográfica, é mais fácil aparecerem no mercado português peças francesas, do que peças, russas ou checas. Portanto se não é Vista Alegre, o mais natural é ser Vieux Paris.

    Aliás esta investigação, começou por causa de uma cafeiteira de porcelana, que já aqui apresentei, que pensava ser russa e talvez seja afinal Vieux Paris.

    Enfim, estas dúvidas são fascinantes.

    Quanto a comprar mais chávenas, agora só se forem para o tecto...mas vou continuar a passar pela loja, pode ser que com a crise baixem de preço.

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  10. Só mais um adendo, que lembrei agora. Aquela pintura na sua cafeteira da direita, na segunda foto, o Sr. Zezito se referia à ela como "estilo Sèvres". Em outro dia, no mesmo congresso em que conheci o Sr. Zezito, uma outra palestrante também chamava aquela rosa especificamente como "rosa de Sèvres".
    abraços!

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  11. Fábio

    Registei as tuas sugestões. Irei pesquisar sobre a rosa de Sêvres.

    Já tinha ouvido falar sobre o Rose Pomapadour, a cor desenvolvida em Sêvres, que agradava à amante de Luís XV, Madame de Pompadour.

    Agora, irei tentar saber mais sobre o motivo decorativo.

    Abraços lisboetas

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