quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Prato da Fábrica da Bandeira(?) ou minha mãe mandou-me à fonte e eu parti a cantarinha


A nossa seguidora misteriosa continua decidida a alimentar-nos todos a pão-de-, enviando imagens de peças de faiança fantásticas.

Desta vez, enviou-nos um prato com uma cena deliciosa, representando uma rapariga numa fonte, com dois cântaros e um ar pensativo. Já tive ocasião de explicar neste blog, que no passado ir à fonte era o único momento de liberdade das raparigas, ocasião para namoriscar e dar uma escorregadela perigosa. A coisa era de tal maneira, que a expressão partir a cantarinha tornou-se sinónimo de perder a virgindade. A velha canção infantil “minha mãe mandou-me à fonte e eu parti a cantarinha, ó minha mãe não me bata que eu ainda sou pequenina..." faz eco dos costumes desse tempo e bem podia ser a banda sonora que acompanha a cena deste prato irresistivelmente ingénuo.

No entanto, há também a hipótese de esta cena representar a Maria da Fonte, cuja revolta se deu provavelmente na altura em que este prato foi produzido. De facto, era hábito no século XIX as oficinas de cerâmica produzirem pratos representando os acontecimentos marcantes ou em voga. Os melhores exemplos disso são os pratos e estatuetas dos "meninos gordos", que representavam umas crianças muito gordas, a Ana e o Mateus, que foram exibidos pelas feiras e circos como curiosidade, entre 1840 e 1842 (Ver imagem enviada pelo Fábio Carvalho). As peças de faiança com os meninos Gordos são na sua maioria produzidas pelas fábricas do Norte, entre as quais a da Bandeira e portanto é de todo plausível que essas mesmas manufacturas se tivessem lembrado de fazer um prato com a Maria da Fonte.
E de facto, houve mais pratos a serem produzidos com esta jovem com a cantarinha ou Maria da Fonte, conforme se pode ver neste exemplar que o Mercador Veneziano me enviou, reproduzido do catálogo de um leiloeiro.

O Fábio Carvalho ainda conseguiu descobrir na net mais uma variante deste prato da Maria da Fonte ou da jovem que vai à Fonte. Difere dos outros dois pelas ramagens da árvore que serve de pano de fundo à cena.


Em termos de identificação do fabricante o prato não está marcado, mas já percebemos pelos exemplos acima mostrado a que fábrica é atribuído. No site matrizpix, o inventário fotográfico das colecções dos museus nacionais encontrei ainda dois pratos do Museu Nacional de Soares dos Reis, inv. 1104 e inv 1087 (fotos inferiores na ordem respectiva), muito semelhantes a este, quer ao nível das cores, quer da decoração floral da cercadura, atribuídos à Fábrica da Bandeira e datados do Século XIX. Podemos atribuír com segurança o prato da moça na fonte à Fábrica da Bandeira.

A fábrica da Bandeira situava-se em Vila Nova de Gaia e terá estado activa entre 1840 e o início do século XX. As suas produções confundem-se muitas vezes com as de Fervença.

11 comentários:

  1. Olá Luís,
    Já viu a feliz coincidência? Eu a terminar o meu post sobre a Fábrica da Fervença, a propósito do meu humilde pratito, e a ficar logo de olhos arregalados ao ver, ainda no meu blogue, este seu post com um magnífico prato da Fábrica da Bandeira...A diferença é que eu sirvo pão com manteiga e o Luís brinda-nos com pão-de-ló, graças à generosa colaboração da sua seguidora... :)
    Gostei muito, como deve calcular!
    Abraços.

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  2. Olá Luís.
    De facto mais uma peça em faiança de ficar hirta.
    No meu entender, parece que não há dúvidas de ter saído da fábrica Bandeira.
    Também gosto de cantarinhas e bem me lembro delas na fonte, também de as partir nos jogos da quaresma com os rapazes.

    Esta seguidora misteriosa tem uma colecção invejável, com peças de encher a alma.

    Somos uns felizardos poder aprecia-las

    Beijos
    Isabel

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  3. Cara Isabel

    De facto o prato desta nossa seguidora tem uma ingenuidade muito sedutora. Apetece construir a partir dele uma história passada há muito tempo, com moça namoradeira, madrasta severa e fidalgo sedutor

    Beijos

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  4. Não querendo diluir a onda romântica gerada por este prato, a meu ver atribuível, como sugerido, à Fábrica de Bandeira, há que admitir, como hipótese alternativa, uma conotação histórica. Recordo-me, com efeito, quando o mesmo - ou outro que lhe é afim (e só três exemplares com este tema foram à praça nos útimos doze anos) - foi a leilão, que um perito em faiança portuguesa aventou a tese de que estes pratos constituiam uma alegoria à Revolta da Maria da Fonte. Atento o condicionalismo temporal e a proximidadade geográfica entre a fábrica e o local da sublevação, tal interpretação adquire pontos de alguma consistência. Deixo esta minha contribuição para eventual debate. O meu obrigado por manter este blogue, com a promessa do envio em breve de fotos de alguns exemplares da nossa faiança.

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  5. Fiquei deveras encantado com a hipótese levantada pelo comentador anterior, que propõe uma outra interpretação para esta cena representada no prato, a qual tem toda a legitimidade.
    Pode muito bem ser que a cena representada neste prato seja uma alegoria ao que se entende pela 1ª revolta genuinamente popular no Portugal do período moderno, que teve início em 1846, e que, na altura, deve ter tido uma importância capital para os destinos do país.
    Estou perfeitamente de acordo com esta hipótese, pois, hoje, à distância de quase 170 anos, tendemos a esquecer a importância fulcral que teve este acontecimento no panorama social/político/económico/religioso em Portugal, numa reacção às políticas inauguradas pelo cabralismo (que pena que a população de hoje não tenha mais "Marias da Fonte", pois a situação presente tem alguns contornos que se assemelham aos então vividos).
    À época, todo o movimento de rebelião iniciado a Norte, não obstante ter alastrado rapidamente a todo o país, não deixou de ter uma das suas praças mais fortes na cidade do Porto.
    Terminou mal para os sublevados, mercê da intervenção da Quádrupla Aliança, como possivelmente também hoje aconteceria, mas contribuiu, no entanto, para a queda dos Cabrais e num repensar das orientações políticas que tinham liderado Portugal desde o final da Guerra Civil, em 1834, e estabeleceu as linhas políticas que iriam orientar o país na segunda metade do século XIX.
    Assim, aquando da sublevação denominada de "Maria da Fonte", todo o país ainda estaria bem recordado do terrível período da Guerra Civil, e, tal como esta, aquela rebelião produziu em Portugal um período de grande instabilidade que se pautou por fomes e populações inseguras, face ao vazio de poder que então se instalou, sobretudo na região do interior mais rural.
    Sendo o Porto uma das praças fortes dos insurrectos, é perfeitamente legítimo que esta fábrica da Bandeira, iniciada em data tão próxima desta revolução, tenha produzido peças alusivas a este facto de importância tão fundamental para a história da cidade e afinal de todo o país!
    Que interessante poder discutir estas hipóteses!
    Manel

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  6. Caro(a) Zé

    É mto curioso, porque a proprietária deste prato nomeou-o como "prato Maria da Fonte". A sua hipótese é muito aliciante, muito embora a jovem não tenha nenhuma arma, segundo a iconografia mais menos oficial daquela heroína popular.

    Em todo o caso simpatizo com a ideia de ser a Maria da Fonte. Tentarei fazer alguma pesquisa sobre o assunto mal temnha tempo.

    Abraços

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  7. olá boa noite.

    já fiz um comentário muito semelhante relativo ao prato da Fábrica de Fervença da Maria de Andrade, mas faço-o aqui também visto parecer-me pertinente.

    na sequência do último desafio de catalogação do jarro de decoração neoclássica do blogue da Maria de Andrade, andei a folhear os meus livros e catálogos relativos à faiança portuguesa e encontrei um prato extremamente semelhante a este, catalogado como Fábrica da Bandeira.

    pela extrema semelhança entre pratos, se tiver interesse em que tire umas fotos para comparação de peças, terei todo o gosto em fazê-lo.

    Mercador Veneziano

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  8. Caro Mercador Veneziano

    Bem vindo ao meu blog. Há muito que o esperava por aqui. Terei muito gosto em receber no meu e-mail cópia do referido prato. O meu endereço de e-mail está no profil,

    Abraços

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  9. Caros Amigos

    De facto, era hábito no século XIX as oficinas de cerâmica produzirem pratos representando os acontecimentos marcantes ou em voga. Já vimos aqui o prato Ratinho com a figura de Serpa Pinto, de 1890 e há o caso mais antigo dos pratos e estatuetas dos "meninos gordos", que representavam umas crianças muito gordas, a Ana e o Mateus, que foram exibidos pelas feiras e circos como curiosidade, entre 1840 e 1842. As peças de faiança com os meninos Gordos são na sua maioria produzidas pelas fábricas do Norte, entre as quais a da Bandeira e portanto é de todo plausível que essas mesmas manufacturas se tivessem lembrado de fazer um prato com a Maria da Fonte.

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  10. Eu já vi, faz tempo, em um catálogo de leilão, um prato também do menino gordo, mas isso foi antes d'eu me preocupar em salvar os catálogos, infelizmente.
    O post está muito rico agora, com tantas colaborações. Isso é uma coisa muito bacana que a internet nos proporciona, esse diálogo ampliado, muito além de nossas cercanias e limitações geográficas.
    Para um pesquisador, como muitos que frequentam este blog são, isso é uma dádiva!
    abraços
    Fábio

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  11. Luis! que felicidade!
    Usando meu bom amigo Google, achei algumas imagens mais do Menino Gordo, e o mais interessante, é que num pequeníssima imagem de uma matéria sobre investimentos em antiguidades, há um prato da (talvez) "Maria da Fonte" ao lado de um prato do Menino Gordo. O divertido é que as cores do vestido, avental e lenço na cabeça(?) são invertidas em relação ao prato de sua generosa seguidora, e da foto enviada pelo Mercador Veneziano. Vou já lhe mandar por email tais imagens.
    Também encontrei 2 links que contam a história da passagem dos irmãos gordos Mateus e Ana, sendo que estes links são por conta de uma exposição anos atrás só sobre as faianças alusivas aos meninos gordos:

    http://museu.cm-vilareal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=33:meninos-gordos-contar-uma-hist-atravda-faian&Itemid=38

    http://noticias.universia.pt/mobilidade-academica/noticia/2007/09/28/212563/meninos-gordos-contar-uma-historia-atraves-da-faiana.html

    casualmente, achei também um link de livraria para o catálogo de tal exposição:

    http://www.wook.pt/ficha/meninos-gordos/a/id/164305

    abraços!
    Fábio

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