quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Outra vez a faiança Ratinho

A nossa seguidora, que acedeu amavelmente mostrar o magnífico prato de faiança neoclássico em amarelos e verdes, enviou-me também por e-mail três pratos Ratinho, com o intuito de eu os apresentar no blog.

Quando recebi as imagens, fui logo à estante buscar dois ou três manuais, para me rever o que já tinha lido sobre esta faiança produzida em Coimbra, mas confesso que perdi um bocado a vontade de descrever estes pratos e apeteceu-me mais ficar a contempla-los. A sua primitiva beleza é tão forte que as imagens valem por si, tornando as descrições meramente acessórias

Mas como o objectivo deste blog é didáctico, isto é, pretende ajudar o amador a identificar as velharias, antiguidades e velharias que tem lá em casa, aqui vai qualquer coisa para ajudar a enquadrar estas loiças

Segundo a Cerâmica de Coimbra: do Século XVI – XX / de Alexandre Nobre Pais, João Coroado, António Pacheco. Lisboa: Edições Inapa, 2007, a decoração da faiança Ratinho, poderá classificar-se genericamente desta forma:

-zoomórficos (os animais), vegetalistas (plantas) e geométricos, que são os mais antigos.
-figuras populares, masculinas ou femininas, figuras fantásticas, caricaturas e retratos.

Os dois primeiros pratos, doze flores e flor do linho (foto inferiores na ordem respectiva), estão no grupo dos vegetalistas e serão os mais antigos.






No catálogo António Capucho: retrato do homem através da colecção: cerâmica portuguesa do século XVI ao século XX. - Porto: Livraria Civilização Editora, 2004 é reproduzido um exemplar daquilo que a nossa seguidora chama decoração Flor do Linho. Nessa obra o prato em causa é designado por pré-ratinho e datado do 2º terço do Século XIX (foto inferior).


O terceiro pertence ao segundo grupo, à subcategoria dos retratos (foto inferior). Confesso que nunca tinha visto um exemplar desta última subcategoria. No referido catálogo da colecção do António Capucho aparece um prato com uma caricatura, mas um retrato identificável, do Serpa Pinto e ainda para mais datado é para mim uma imagem absolutamente nova, embora já soubesse por livros da existência de ratinhos com retratos.

A pintura de Serpa Pinto terá sido feita provavelmente a partir da fotografia, aqui apresentada, que terá aparecido em todos os jornais do País, pois no ano de 1890, aquele herói das campanhas de exploração colonial provocou em África, o chamado incidente Serpa Pinto, ao hastear a bandeira portuguesa junto do lago Niassa, numa região cobiçada pelos ingleses, desencadeando assim a questão do Mapa Cor-de-Rosa. Consequentemente, em 1890 Serpa Pinto era um homem de que toda a gente falava e as oficinas de cerâmica Coimbra aproveitaram a ocasião, para venderem mais uns pratos nas feiras, colocando-lhes o retrato do herói do momento.

16 comentários:

  1. Olá Luis,

    Adorei esta sua postagem, foi muito instrutiva para mim, um ignorante no assunto.

    Vou lhe mandar por email algumas imagens que tenho de catálogos da faiança dita Ratinho.

    abraços!
    Fábio

    ResponderEliminar
  2. caro Luís
    Sem dúvida,ser leitora do seu blog é uma mais-valia.Informação,concisa e clara. Como eu gosto!:)
    Parabéns à dona dos pratos que são lindos e muito obrigada aos dois, pela partilha.
    Abraços
    Maria Paula

    ResponderEliminar
  3. Mais peças fantásticas da mesma proveniência do prato do post anterior!
    Esqueci-me, quando comentei o anterior post, de agradecer à dona destas peças o ter permitido que tu as divulgasses! É muita gentileza e generosidade.
    Bem-haja!
    Nunca percebi muito bem quem produziu estas peças que se entendeu denominar de "ratinhos". Não sei balizá-las no tempo de forma rigorosa, nem tão pouco localizá-las por fábricas ou fabriquetas ou a quem quer que seja que as tenha produzido. Consegue-se, no entanto, determinar o centro de produção, o que já é notável.
    Mas, para mim, toda esta produção continua a ser um mistério. Quem a produzia?
    Uma parte (que não é de todo desprezável) das pessoas que vende estas peças continua a julgar que elas foram produzidas por uma fábrica denominada de "ratinho" e, vão-me dizendo "Olhe que é da fábrica do Ratinho!"
    Realmente existiu a Fábrica do Rato, como todos sabemos e as "Faianças do Ratinho", ambas originárias de Lisboa, mas os denominados "ratinhos", segundo a classificação aceite, serão originários de Coimbra, e com uma tipologia já estabelecida, como, aliás, tu aqui bem esclareceste.
    Continua a existir muito que falta saber sobre este tipo de cerâmica que tem o condão de seduzir qualquer amante de faiança!
    E vi, pela primeira vez, um dito "Ratinho" perfeitamente datado! Gostei muito! É um avanço!
    Parabéns, este teu blog continua sempre rigoroso na informação e dá azo à partilha de saberes!
    Manel

    ResponderEliminar
  4. Manel

    Obrigado pelo teu comentário, que como de costume foi muito bem elaborado. A dona destes pratos foi de facto muito simpática em partilha-los com esta comunidade virtual aberta a todos, pois permitiu um melhor conhecimento da faiança dita ratinho.

    De facto, quem produzia esta loiça não tinha consciência que estava a fabricar Ratinhos. Esta designação concedida aos camponeses Beirões que iam trabalhar para o Alentejo foi-lhe dada pejorativamente.

    Provavelmente seriam oficinas com um carácter familiar, de gente ignorante, que repetiam através de uma espécie de escrita automática, fórmulas ancestrais, que lhe estavam gravadas no subconsciente.

    Seria interessante saber mais desta gente e destas oficinas, mas como deverás calcular, gente desta não deixa arquivos e nem sequer documentos escritos. O pai ensinava o filho a pintar flores e ninguém deixa escrito um memorando a justificar porquê.

    ResponderEliminar
  5. Maria Paula

    Obrigado. É muito simpática e dá-me alento para escrever mais

    ResponderEliminar
  6. Olá Luís

    Excelente amostragem de faiança Ratinho produzida em Coimbra.
    Só aqui se produziu em várias olarias, na altura contavam-se onze.Tal a procura.

    Admirável a mesma coleccionadora ter na sua posse pratos de alto valor no mercado.
    Os primeiros com a flor do linho, os mais antigos como bem diz, são muito raros.
    O terceiro mais vulgar no desenho, porém raro com o retrato do Serpa Pinto e datado,o 1º que assim vi.

    Fiquei maravilhada. A coleccionadora possuir exemplares do tempo e decoração igual ao da colecção de António Capucho, sendo que o dele para mim ser mais fascinante todo ele em azul, tal como as flores de linho...

    Apesar de eu ser uma mera curiosa em faianças, estas conheço bem, desde sempre,reconheço-as à légua.
    Corroboro o que o Manel explica.
    Ele há vendedores que pouco ou nada sabem sobre faiança.
    Aventam "é da fábrica Ratinho..."
    Uma coisa é a Fábrica do Rato que laborou em Lisboa. De lá saiu loiça fina,bem vidrada, decorações geralmente em azuis, florais, singelas.
    Em Coimbra pela procura de loiça mais vulgar para o povo usar apareceu em alternativa à então feita até aí também fina, uma loiça de massa malagueira, grosseira, mais pesada, muito porosa feita em série, e ricamente decorada em arabescos, flores, animais nas cores primitivas de Coimbra, ocre, verde, azul e variantes de manganês aqui usado em tonalidades de castanho escuro, noutras cor de vinho.

    Estas gentes da zona Centro iam em migrações sazonais trabalhar para o Alentejo e Ribatejo, ceifar, vindimar ou apanha de azeitona. Ficaram na história conhecidas por "Ratinhos". O mesmo nome se deu aos pratos, palaganas, bacias ou baranhão por eles usados nessas safras.

    Os ranchos de pessoas eram contratadas por capatazes. O meu avô paterno foi um deles, levou durante anos gente da Beira Litoral, concelho de Ansião das freguesias de Pousaflores e Chão de Couce para a zona de Avis. Havia jornas a comida, geralmente gaspacho e a seco.
    Em miúda ainda me lembro desses capatazes por Ansião a contratar pessoal e os ver partir em camionetas de caixa aberta, nelas levavam pequenas arcas de madeira com duas divisões. Lá dentro levavam uma bacia de faiança , garfo, colher e faca e colher de pau, feijão seco, batatas,abóbora,massa, toucinho e cabeça de porco salgada, morcelas e chouriças para fazerem a comida à moda da terra " coziam o feijão com a carne de porco e enchido ao que acrescentavam a couve galega, batatinha e abóbora cortadas miúdas e um punho de massa. Sopa de " Entulho" que ficou celebrizada por Sopa de Pedra no Ribatejo,forte que a colher enfiada na bacia não tombava.
    Também comiam muitos aferventados, couve galega migada miudinha com chicharo.
    Tenho a arca que pertenceu à minha sogra e com a qual fez muitas migrações pelo Ribatejo, com a divisão e fechadura.

    Já aqui foi num post dissecado que em Portalegre, no fim das ceifas trocavam a faiança por roupa usada. No Alentejo havia falta de loiça nesse tempo e eles tinham de sobra nas suas terras, daí se ter estabelecido as trocas.
    O José Régio andou de burro pelos montes a comprar relógios, Cristos e faiança "Ratinho" cujo Museu na cidade tem um espólio abrangente desta faiança.

    Parabéns à seguidora deste blog que gentilmente partilhou raras belezas.
    O meu bem haja
    Também para o Luís que gentilmente acedeu a publicar e acrescentar excelente informação sobre esta faiança.
    Amazing!
    Beijos
    Isabel
    Beijos
    Isabel

    ResponderEliminar
  7. Cara Isabel

    Acho que enriqueceu muito o post dos Ratinhos com as suas lembranças familiares. Conseguiu transmitir uma imagem com vida das pessoas que partiam das Beiras para o Alentejo. A Isabel consegue por vezes ser quase cinematográfica nestas imagens de cenas do passado na sua terra.

    Beijos

    ResponderEliminar
  8. Caros amigos,
    Chego já tarde mas não resisti a deixar um comentário...(pareço comentadora residente!!!)
    Isto sim é colecionar a alto nível!
    Qualquer das peças é digna de figurar num catálogo de faianças ratinho!
    Para mim a grande novidade foi o primeiro prato a pretos e castanhos, não me lembro de já ter visto algum nestas tonalidades. O facto de ter três pratos com o mesmo motivo mas em cores diferentes também é uma particularidade de realçar, já q deve resultar muito bem em termos decorativos.
    Também achei muito interessante o prato q ilustra o momento histórico em q o nosso Serpa Pinto afrontou os ingleses ao pôr em causa a sua pretensão territorial de ligar o Cairo ao Cabo...
    O enquadramento feito pelo Luís e depois as achegas dos vários comentários foram uma delícia de se ler e portanto ficámos todos a ganhar, e muito, com mais esta cedência fotográfica de peças raras e de primeira qualidade!
    Abraços
    Maria Andrade

    ResponderEliminar
  9. Maria Andrade

    De facto as peças da nossa seguidora são de uma qualidade estupenda e permitiu-nos a todos conhecer mais sobre os Ratinhos e afinar os olhos, para identificar rapidamente peças como estas no chão das feiras de velharias, naqueles vendedores que só tem lixo, mas onde por vezes se descobrem os grandes tesouros a preços de ocasião.

    Abraços

    ResponderEliminar
  10. Mas que bem que o Luís redige...
    de facto belos exemplares, adornados de um óptimo texto, como é habito..

    Os meus melhores cumprimentos

    Flávio

    ResponderEliminar
  11. Caro Flávio Teixeira

    É muito simpático. Não creio que escreva assim tão bem, mas procuro sobretudo a clareza, ser compreendido e evito o jargão técnico.

    Abraços e volte sempre

    ResponderEliminar
  12. Ola Luis

    Faço qestão de voltar! Até porque o seu blog tem muito para ver.

    Estou a passar o fim de semana fora, e já fui fazer umas escavasoes aqui na vila.. Encontrei um prato Cavalinho verde (ou Estatua) aos pedaços.. Não tem valor monetario nenhum.. Mas para mim foi um bonito achado nos ecombros de uma casa de 1887 (segundo uma lapide que tb desenterrei)
    Estava todo sujo..

    Encontrei tbm fragmentos de um penico. Que lhe quero mostrar.


    Ate logo

    Flávio S. Teixeira

    ResponderEliminar
  13. Caro Luís

    Estou devéras encantada com o seu blog, ao qual fui conduzida precisamente por uma pesquisa sobre "Ratinhos"...é que dou por mim possuidora de uns exemplares e como não domino de todo o campo da faiança em que se inserem, resolvi servir-me das novas tecnologias para entender um pouco mais sobre este género de faiança que me está a prender a simpatia!
    Sempre adorei tudo o que era antigo....nas palavras de meu pai..."Tudo o que é velho tem lugar em minha casa" (Exagero....qb")mas a faiança é um amor algo recente e foi precisamente a "contemporâniedade" destes pratos que me enamoraram! São para mim devéras intrigantes pois aos meus olhos revelam-se num misto de rusticidade e delicadeza que me prende a atenção!
    Ao encontrar o seu blog, à medida que lia os seus posts e os comentários referentes aos mesmos, fui entendendo que a rusticidade que esta loiça me trasmitia não é de todo descabida pois é a tranparência do dia a dia daqueles que dela se serviram! Mas as cores e desenhos associados à mesma dão-lhe (a meu ver) uma alma...algo intemporal...pois afinal representam as coisas mais simples da vida que para mim é o mais belo por ser tão raro e tão difícil de transmitir. As "Flores" que em muitos se encontram são realmente algo de singular!
    Hoje já tive então uma excelente formação sobre "Ratinhos" que ao Luis e a seus seguidores desde já agradeço.
    Se estiver interessado posso partilhar os meus simples e modestos "Ratinhos" com todos vós que, emboram não tenham de forma alguma a qualidade de muitos que aqui visualizei,são para mim uma viagem ao passado e às raizes das nossas gentes!
    É incrível os sentimentos que certos objectos do passado podem em nós despertar!!!

    CSobral

    ResponderEliminar
  14. Cara C Sobral.

    Gostei imenso do seu comentário, escrito ao correr da pena, mas muito bonito. Captou bem a essência dos Ratinhos, que é a autenticidade e é o que faz deles intemporais.

    Terei muito gosto em receber imagens dos seus ratinhos e ainda bem que as linhas que aqui escrevi são úteis a todos os que procuram mais informações sobre faianças.

    O meu e-mail encontra-se no perfil.

    Abraços

    ResponderEliminar
  15. Parabéns pelo blog e pela informação.
    Parabéns tb à coleccionadora de tão belos exemplares.
    Sou alfarrabista, mas tenho uma grande paixão por faiança portuguesa.
    Junto uma dica: o livro "Os Ratinhos, Faiança Popular de Coimbra", editado pelo Museu Nacional do Azulejo (aquando da exposição lá realizada de Janeiro a Abril de 1998, é um execelente auxiliar para o seu conhecimento

    ResponderEliminar
  16. Caro Adelino
    num post anterior a este indico essa obra na bibliografia, mas só uma vez a consultei e foi a correr. Fiquei cheio de pena.

    Faz falta uma obra monográfica sobre Ratinhos.

    Obrigado e volte sempre a este blog

    ResponderEliminar