quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Là-bas, là-bas, de l'autre côté du miroir


Espelhos nunca são demais numa casa pequena. Reflectem, aumentam os espaços e criam janelas, que se abrem para outros mundos, que só na aparência são iguais a este.

Este espelho pertenceu à minha avô Mimi, que o terá mandado fazer em Braga, aos Mouras, nos anos 40 e apresenta-se no chamado estilo D. João V, com os concheados característicos daquele reinado. Fazia parte de uma mobília de quarto completa, toda em D. João V, que foi repartida entre mim e os meus irmãos.

Quando o recebi estava pintado de um dourado esverdeado bastante feio. Uma vez raspei-o ao limpa-lo e percebi que havia uma tinta dourada mais brilhante por baixo. Julgo que a minha avó quando o recebeu, achou-o demasiado brilhante e mandou-o escurecer, só que o resultado foi qualquer coisa de híbrido e desinteressante.

Um dia, estava a avivar com guache os dourados de uma peça antiga e por curiosidade experimentei usar aquela tinta no espelho num dos adornos laterais. Ficaram com um reflexo bonito. O Manuel também gostou e como tem um olho clínico para o restauro, aconselhou-me a repinta-lo integralmente. Assim o fiz a três tons de dourados, um muito vivo, outro em ouro velho e outro com cambiantes de vermelho. Os tons mais vivos foram para os frisos, os intermédios para preencher as superfícies maiores e o avermelhado para o interior das conchas, criando assim zonas de diferentes brilhos.

O espelho ganhou uma vida nova e agora reflecte o pequeno mundo de velharias da minha casa, transformando-o por efeitos de luz e óptica num outro mundo, que apetece visitar, atravessando o espelho para o outro lado

Là-bas, là-bas,
De l'autre côté du miroir,
J'aimerais tant qu'on m'y porte,
Qu'on s'y voit, qu'on y passe,
Oh, oh que je voudrais que l'on m'y porte,
Avant que quelqu'un ne le casse,
Là-bas, là-bas,
De l'autre côté du miroir,

9 comentários:

  1. Ainda me recordo de quando tu me dizias (ainda eu não tinha visto o espelho) que esta peça era muito bonita, mas um "escamartilhão", que não sabias se a tua casa iria aguentar com tais dimensões ... eu, na minha ingenuidade, comecei logo a recriar um espelho com 1,5 m de altura, 2 m de largo, a pesar cerca de 100 kg. Quando me surgiu este espelho, com uma moldura ostentando um bom trabalho de talha, ainda que relativamente recente (não que as peças recentes tenham necessariamente de ter uma talha menos bem elaborada, mas, encontrar artífices/artistas entalhadores que façam boas peças cada vez vai sendo mais difícil), de dimensões intimistas muito agradáveis e perfeitamente adequadas à tua casa, fiquei admirado!
    E o acabamento que deste à madeira só trouxe beleza à peça, pois, na verdade, o anterior parecia-se com um verdete meio anónimo e até algo desagradável.
    Só tenho pena que não tivesses mandado biselar o vidro (quando, ainda por cima, tens uma boa oficina de biselar mesmo ao pé de ti), um pormenor que melhora a capacidade de reflectir que um espelho tem, além de acrescentar profundidade ao próprio vidro!
    É uma peça belíssima cujos reflexos e perspectivas, que se repetem e reflectem, são janelas para jardins encantados da nossa memória, centelhas multifacetadas que nos abrem o espírito para mundos paralelos, sobretudo quando conjugados com outros que os reflitam também.
    Manel

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  2. Obrigado pelo teu comentário muito bonito

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  3. Olá Luís,
    há quase um ano que sigo o teu blog (sempre que acedo à net dou uma espreitadela para ler mais um post). Nunca comentei mas, finalmente!, aqui publico os meus parabéns. Adorei a ilustração referente ao episódio do "Sangue Romano", do Steven Saylor!
    Bjs,
    Luísa Luz

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  4. Cara Luisa

    Que contente que fico com o teu comentário e por saber que tens estado sempre presente neste blog, apesar de discreta, como de costume.

    Julgo que foste tu que me recomendaste pela primeira vez o Steven Saylor e desde essa altura estou sempre à espera de mais um livro novo dele.

    Espero é poder contar com mais comentários teus daqui para o futuro.

    Beijos

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  5. falarem-me na Barbara é como pegarem num apito para me chamarem...foi brilhante juntar espelhos e barbara. poucos me conseguem enviar ao mais profundo como ela, lá, do outro lado dos espelhos, se bem que o outro lado dos espelhos remeta muitas vezes para a loucura ou a própria morte, porque na travessia dos espelhos, o vidro corta-nos a pele e pode-nos ferir de morte. bem,não me alongo mais, mas a barbara é mesmo assim, não nos permite aligeirar o que quer que seja.
    tenho alguns sites óptimos, construidos por fãs, depois te passo as moradas
    beijocas e bom fim-de-sema, gelado, mas bom
    isabel

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  6. Luís
    Simplesmente espectacular, mui romântico este post com a sapiência de nele incluir a voz doce e calorosa de Barbara. O jeito induz a deambular em sonhos, em galopante entrei no espelho em dourados tanto a seu gosto, que pertenceu à Mimi. Encantei-me. Viajei, descobri a infusa de Miragaia,a fonte dos passarinhos, as gravuras,pratos, mangas de farmácia, painel soberbo de azulejos, pequenos quadros ainda o anjinho na quina do tecto de madeira a espreitar de soslaio para o seu telemóvel e stick aromatizante em cima da credencia, ainda um pequeno livro... Amazing!

    Beijos
    Isabel

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  7. Cara Zoe (Isabel)

    Gostei do teu comentário sobre os espelhos e a Barbara. De facto, o post além da descrição de um objecto antigo é um "jeu d'esprit" acerca da tentação de atravessar os espelhos, para nos refugiarmos num mundo de loucura, recheado de antiguidades ou num passado qualquer imaginado. E a Barbara o remate lógico acerca desta tentação, que todos temos em atravessar o espelho para o outro lado.

    Volta sempre

    Beijos
    Luís

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  8. Cara Maria Isabel

    Obrigado pelo seu comentário. Já há muito que sentia vontade de mostrar antiguidades e velharias através da imagem de um espelho. O efeito é mais romântico, espiritual ou enganador, conforme a sensibilidade de quem lê. E depois a canção da Barbara vinha muito a propósito sobre a tentação de atravessar o espelho para o outro lado

    Beijos

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  9. Que maravilha!

    Óptima peça..

    Infelizmente dos meus bisavós pouco me chegou, e os meus avós eram daqueles que metiam tudo no lixo...

    Tenho que lhe mostrar o que tenho..
    Tenho muitos objectos da avó da minha avó materna (trisavó). E optimas historias..
    Descubri que sou descendente de brasileiros, graças a ela. Veio do Brasil com 1 ano de idade em 1899.

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