quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Nossa Senhora da Luz: Verónicas e Registos de Santos


Como já sabem os seguidores deste blog, tenho uma paixão por registos de Santos. Além das razões estéticas e emocionais para esta colecção, os registos são um meio barato de se ter em casa peças originais do século XVIII. Com efeito, já cheguei a comprar gravurazinhas destas a um euro e ainda fiz um favor à vendedora em liberta-la daqueles horrores piedosos.

Mas não é para falar de mim, que apresento hoje esta imagem da Senhora da Luz, dos últimos anos do Século XVIII, executada já ao gosto neoclássico. Andei a ler com mais atenção os Subsídios para a história da gravura, de Luís Chaves e descobri algumas coisas muito interessantes, que gostaria de partilhar com os leitores do blog.

O registo é normalmente uma estampa, que regista o pagamento de uma promessa ou o cumprimento de um dever religioso. Isto quer dizer que as pessoas, quando se deslocavam a uma romaria, compravam na igreja ou catedral uma gravurazinha destas para registar a sua presença no Santuário ou então adquiriam estas imagens, como bilhete para ganharem a indulgência registada na estampa.


Quanto apresentei um dos posts sobre registos de Santos, a Maria Andrade observou que eu usava o termo registo, quer para a estampa propriamente dita, quer para o registo emoldurado em papelão ou encaixilhado a vidro e decorado com pedacinhos de tecido, contas e restos de passamanaria. A nossa amiga tinha ideia que registo era um termo aplicado apenas à segunda situação.

A leitura da obra Subsídios para a história da gravura forneceu-me uma adequada resposta à pergunta da Maria Andrade pois de facto os dois objectos são identificados por nomes diferentes, conforme explicarei de seguida:

1 - A estampa com o santo designa-se por registo;


Sta. Ursula: exemplo de um registo


2 - As gravuras dos santos resguardadas em caixilhos de madeira ou papelão, com ou sem vidro e muito enfeitadas com lantejoulas e contas designam-se por Verónicas (p. 116 de Subsídios Para a História da Gravura, ed. 1927)
Exemplo de uma Verónica

  
Creio que esta palavra tão bonita a sugerir flores terá talvez tido origem nas pinturas com o rosto de Cristo, que as pessoas emolduravam preciosamente. Infelizmente, hoje o termo desapareceu e usa-se registo indiferenciadamente para designar estes dois objectos.


Quanto à minha gravura da Senhora da Luz, certamente reporta-se à Imagem em veneração na Igreja de Carnide e terá sido impressa na Rua do Passeio Público, nº 2. O Passeio Público como toda a gente sabe era o jardim público de Lisboa, criado no tempo do Marquês de Pombal, na actual praça dos Restauradores e início da Av. da Liberdade e foi praticamente destruído nos finais do XIX. Junto a este jardim, no nº 2, situava-se a casa de Francisco Manuel, que foi durante muitos anos uma próspera fornecedora de estampas religiosas a toda a Lisboa e arredores, pelo menos a julgar pelo elevado número de registinhos que se encontram com aquela morada.

8 comentários:

  1. Olá Luís!

    É difícil, depois de percorrer os seus posts, comentar. Muito e bem completados por outros comentários,também soberbos, nomeadamente os do Manel,deixam-me sem o que dizer.
    Envio-lhe como tributo uma foto de uma verónica que talvez lhe agrade e se lhe for útil poderá publicar.

    Um abraço
    Jmalvar

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  2. Olá Luís,
    Agradeço-lhe muito este esclarecimento sobre a terminologia ligada a estas gravuras de santos, resultado de uma pesquisa que quis aprofundar e depois aqui partilhar com todos os seus leitores.
    Agora persiste em mim uma dúvida: conhecendo o termo pagela, por definição uma pequena página, mas também com imagens de santos, será que registo e pagela são sinónimos?
    Gostava de saber se é um termo referido e explicado nesses "Subsídios para a história da gravura".
    A sua Nossa Senhora da Luz é mais um pequeno tesouro que guarda em casa, mas fico sobretudo encantada com esta imagem da Sta Ursula...
    Acho muito interessante que estes registos tenham o nome da rua de Lisboa onde funcionava a oficina; tenho um também com o nome da rua e já a localizei na planta de Lisboa.
    Agora tenho mesmo que me decidir a mostrá-lo...
    Um abraço

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  3. Pedindo licença ao Luís por utilizar este seu espaço, não quero deixar de agradecer as palavras do Joaquim Malvar que me sensibilizam, mas devo esclarecer que muito do que escrevo é fruto de pesquisas, e não "aprofundado saber próprio".
    As pessoas mais simpáticas dir-me-ão que "saber" é realmente conhecer as fontes e perceber onde procurar,e eu, ainda que reconhecendo isso, e dar conta que sei onde procurar o que me interessa, sei no entanto que tenho algum conhecimento superficial sobre uma miríade de coisas dispersas e ecléticas, mas muito pouco sobre algo realmente profundo e desenvolvido.
    Sou um curioso e continuo com uma curiosidade insaciável, mas as coisas, na medida em que me chegam ... helás! ... também partem ... a cabeça não dá para tudo! Tenho mesmo de ser selectivo para conseguir manter o que realmente me dá prazer.
    Ajuda trabalhar com gente mais jovem, pois mantém uma certa capacidade de abertura para se poder aprender e experimentar coisas novas e, sobretudo, um nível de curiosidade saudável.
    Mas não posso deixar de o felicitar pelo trabalho fantástico que tem feito na reconstrução desse seu espaço, o que muito me apraz saber e, ainda mais, ver. Um grande bem-haja!
    Quanto ao post do Luís, ainda bem que me esclareceste sobre esta diferença, pois eu chamava indistintamente "registo" a uns e outros.
    Quanto ao que refere a Maria Andrade, o termo "pagela" sempre me pareceu que era uma gravura extraída de um livro, seria algo como que uma parcela dele, enquanto que o registo era algo individual e vendido como tal.
    Mas, tal como verifiquei que não sabia do termo "verónica", também reconheço que poderei estar completamente enganado.
    Poderão até ser utilizados hoje em dia como sinónimos, "pagela" e "registo", que sei eu?
    Assim como igualmente me confunde o termo "maquineta" e "oratório" ... um ter os lados abertos, envidraçados e o outro não?
    Um ser de carácter devocional estrito e o outro com função mais abrangente? Sempre fiquei na dúvida destes termos.
    Como sabes, gosto imenso desta tua "verónica" (agora já o posso mencionar com mais propriedade), uma peça que cobiço semelhante ... lol!
    Um bom final de semana que já se adivinha ao longe ... já comecei a dividir o tempo em finais de semana e dias de semana ... fruto do trabalho que invade a vida!
    Em férias, a partir do momento que uma pessoa perde a noção do dia em que se está, passa-se ao estado de felicidade subliminar!
    Já me passou este estado :(
    Manel

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  4. Muito obrigado pelos vossos comentários.

    Relativamente à terminologia correcta a usar, questão que nos preocupa a todos, que somos curiosos e queremos também designar as coisas pelos seus nomes rigorosos, no século XIX ou XVIII era um assunto que não preocuparia por aí além as senhoras devotas que confeccionavam as Verónicas ou os impressores das estampas religiosas.

    De facto parece haver vários termos em uso. Ainda ontem numa pesquisa pela net apanhei mais um sinónimo para registos de Santos, os
    Bentinhos. Paralelamente existem as medalhas e os escapulários feitos com técnicas muito semelhantes às ditas Verónicas.

    Julgo que temos que estar atentos e ir recolhendo estes termos e sem preconceitos tentar perceber as diferenças entre eles, que se calhar eram claras no passado e hoje são obscuras para nós, gente descristianizada.

    Voltarei ao assunto, mas por último quero agradecer as fotografias ao Joaquim e adiantar à Maria Clara, que a Sta Uursula é de facto
    encantadora, até porque é muito pequenina. Terá menos que 8 cm de comprimentos e custou-me um eurinho!!!!! Lol

    Abraços

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  5. Olá Luís ,
    O meu comentário vai ser , apenas e tão só , um bem-haja pelo muito que me tem ensinado e bem enorme cuidado que põe nas suas postagens .
    Mais uma vez , grata
    Quina

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  6. Cara Idanhense

    Só agora consegui responder ao seu comentário, que estava arquivado na minha memória. Nestas postagens tento sempre aprender um pouco mais sobre cada assunto, ainda que muitas vezes através de meras pesquisas no google. Mas em todo o caso, servem para manter a cabeça activa e ao mesmo distraída desta crise horrenda que nos sufoca.

    Abraços

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  7. Agora passados alguns anos, permitam-me o comentário. "Registos" é uma denominacão que se espalhou ou popularizou devido ás estampas religiosas (gravuras) que eram vendidas por quem as gravava (impressores) e que por direito de autores os registavam (propriedade literária ou gráfica) e que recebiam um certificado de registo que aparecia gravado na parte inferior das estampas, e onde se podia ver até a morada (notário ou profissional capacitado)onde estava registada para se impedir o plágio. Assim as pessoas menos informadas de várias épocas ao observarem as gravuras avulsas, ou em "lâminas" (as primeiras e mais comuns formas de as preservar e mostrar em pequenas molduras em folha de flandres e vidro) ou em alto relêvo com decoracão adjacente pensavam que se chamavam registos. Também existem gravuras sem a respectiva identificacão do tal registo que foram retiradas de livros religiosos pelas freiras das bibliotecas de conventos em dificuldades económicas e que os vendiam em quermesses sazonais para angariarem alguma subsistência, a par da confeccão de doces (conventuais) com as gemas oferecidas pelos produtores vinícolas (que só aproveitavam as claras para clarear os vinhos brancos), mas isso é outra história. Até sempre

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    1. Vítor Afonso

      Peço desculpa de só agora ter respondido ao seu comentário, que achei muito interessante, mas andei envolvido numa guerra com a MEO, que me deixou exaurido para esta responder aos comentários do blog.

      Com efeito, há uma grande diferença entre as estampas que eram vendidas avulsas e aquelas retiradas dos livros piedosos. Aliás, aqui no blog, já consegui identificar os livros de onde algumas delas saíram.

      Apreciei muito o seu esclarecimento sobre a origem do termo registo, embora já tenha lido no Ernesto Soares, que a origem deste termo para designar uma estampa com um santinho, tem a ver com o registo, o comprovativo do cumprimento de uma promessa ou de uma peregrinação a um determinado santuário.

      Um abraço e volte sempre

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